30.9.11

Aquilino Ribeiro (Maldito sejas)






Maldito sejas, tinhoso, e que tantos piolhos te cubram como de estrelas tem o céu com a lua nova!

Que a sarna, a herpes e a câncero te roam dos pés à cabeça como os cães quando têm fome!

Que te dê uma foeira e te derretas pelo ânus como um odre de azeite pelo pernil!

Que tenhas tanta fome que comas tua mãe viva e desenterres os ossos de teu pai para os esburgar!

Que tenhas uma dor de pedra que te saia o mijo pelos olhos!

Que se te tape a tripa e deites pela boca como o cântaro quando está cheio!

Que morras com os dentes a tocar castanhetas e os Diabos do Inferno dancem ao compasso!


- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 2.ª parte, I.

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José Luis García Martín (Cortina)






TELÓN




Has jugado. Has perdido. Sonríes
con desgano y desdén a la vida.
Como el mendigo que una vez fue rey,
sereno arrastras por la calle sola
el desgarrado manto de la noche.


JOSÉ LUIS GARCÍA MARTÍN
Tinta y papel
(1985)





Jogaste. Perdeste. Sorris
para a vida, inerme, com desdém.
Como o mendigo que já foi rei,
arrastas sereno pela rua deserta
o rasgado manto da noite.


(Trad. A.M.)

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29.9.11

Armando Silva Carvalho (Agora estás sozinha)






(4)

Agora estás sozinha à mesa do cobalto.
E como adolescente obstinada
comungas muros brancos
na secura da cal
sinistra nos teus olhos
– ó imaculada.
Os punhos nos ouvidos não são força
bastante para empurrar o som
até às nuvens, ó idolatrada.
Querias tanto à terra com seus gatos,
criaturas do sol no teu regaço azul
que nenhuma palavra te protege
da minha boca em fúria
– amada e destruída até aos ossos.
Às vezes quando no silêncio acordo
a perguntar por ti
e habitas o meu corpo,
que mais posso fazer do que arranhar na noite
a tua carne fria, ó desamparada?
Na folhagem do sangue eu afogo
a cabeça,
percorro com a língua a rede dos pulmões,
o meu eco atravessa toda a natureza
– porque não respondes?
E lentamente o teu olhar flutua.
Trazes na mão o peso
dos meus dias e ouço-te dizer:
a terra não resiste ao fogo do meu ventre,
ao ar que me respiras,
às águas surdas em que me bebeste.



Armando Silva Carvalho

.

28.9.11

José Ángel Barrueco (Abandono do lar)






ABANDONO DEL HOGAR




los latidos urgentes
del corazón

el miedo
a ser descubierto

la decisión
tomada en un segundo

tu madre diciendo
nos vamos de esta casa

la noche,
inhóspita allá afuera

los gatos y los perros
asustados porque no comprenden

la inseguridad de dejar atrás
casi todas tus pertenencias

la inquietud
la rabia y la furia

el temor a que ese hombre
os pille escapando de casa

ese es el cuadro de mi familia
la primera vez que abandonamos el hogar.


José Ángel Barrueco



[Apología de la luz]






as batidas urgentes
do coração

o medo
de ser descoberto


a decisão
tomada num segundo

a mãe a dizer
vamo-nos desta casa

a noite,
inóspita lá fora

os gatos e cães
assustados porque não entendem

a insegurança de deixar para trás
quase todos teus pertences

a inquietação
a raiva e a fúria

o temor de que esse homem
nos apanhe a fugir de casa

esse o quadro da minha família
a vez primeira que abandonámos o lar.


(Trad. A.M.)

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27.9.11

António Gregório (Derrota)






A DERROTA




Então a derrota é este sofá com todas
estas almofadas acompanhando a curva
do meu corpo prostrado? Comprei o pacote
mais caro de canais não tenho calor nem
frio e brevemente ela não virá tocar-me
à campainha (o deserto é desimpedido
vê-se desde a varanda até longa distância).


Não dói assim tanto afinal e se excluir
a infelicidade que deveras sinto
ser feliz será qualquer coisa semelhante.


ANTÓNIO GREGÓRIO
American Scientist
edições quasi (2007)


[Voar sobre um ninho de vespas]

.

Gsús Bonilla (Bens)






BIENES



buscas lo bello de un poema
en las palomas,


lo monstruoso
en las migajas del suelo;


el mensaje está:
en el pico devastado de las aves.


inviertes tu fortuna en palomas
y las palomas volando.


Gsús Bonilla


[Apología de la luz]





buscas o belo do poema
nas pombas,

o monstruoso
nas migalhas do chão;

a mensagem está:
no pico devastado das aves.

investes a fortuna em pombas
e as pombas a voar.


(Trad. A.M.)

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26.9.11

A.M.Pires Cabral (Sou como folhas de árvore)






SOU COMO FOLHAS DE ÁRVORE





Sou como folhas de árvore — reparo.
Numerosas, presas ao ramo por pecíolos tenazes,
contudo complacentes com o ar que passa,
e por isso frívolas, mostrando
alternadamente as duas faces.

Assim múltiplo e trémulo sou eu.
Apenas um pouco menos perecível,
julgo. E a figueira a que pertenço
talvez um pouco mais durável
que as de verdade.
Mas isso pode ser impressão minha.


A.M.PIRES CABRAL
As Têmporas da Cinza
Cotovia
(2008)


[Ruialme]

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25.9.11

Alejandro Céspedes (A vertigem de ver-me)






X



El vértigo de verme ante mí mismo,
el escapar de mí,
convierte la existencia en un catálogo
de conductas vacías.
Todo camino desemboca en otro,
toda huella conduce hacia la nada.
La vida es sólo vida.
Siempre vida.
Espacio.
Espacio que me ignora.
El presente es la deuda
que reclama el pasado


ALEJANDRO CÉSPEDES
Hay un ciego bailando en el andén
Hiperión, Madrid
(1998)






A vertigem de ver-me ante mim mesmo,
o fugir de mim,
converte a existência num catálogo
de condutas vazias.
Todo o caminho desemboca noutro,
todo rastro conduz ao nada.
A vida é apenas vida.
Sempre vida.
Espaço.
Espaço que me ignora.
O presente é a dívida
que o passado reclama.


(Trad. A.M.)



>>  ALEJANDRO CÉSPEDES, Topología de una página en blanco (2011)


.

24.9.11

José Rentes de Carvalho (Os laços)






Eu julgara ter vindo com a intenção consciente de procurar os laços que unem o presente ao passado, de torná-los visíveis através de peripécias, de personagens, da visita de lugares.

Mas agora, vagueando pela praia – o Pardal tinha ido aos seus negócios e parecera-me mais acertado não estar presente – a visão romântica começara a desmoronar-se.

Com alguma preocupação dava-me conta de que os laços que julgava discernir, de facto existiam apenas na minha fantasia, no meu desejo de ordenar, colorir, de tornar num todo harmonioso o parcelamento caótico da realidade.

De juntar as estilhas e os cacos para com eles construir o meu relato e manter a ilusão de que a vida flui, quando ela na verdade é feita de retalhos e inquietações, de sobressaltos e cortes.


- J. RENTES DE CARVALHO, La Coca, Quetzal (2011), p. 74.

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Jorge Espina (Pai)






PADRE




Padre no ha leído nunca a Joyce,
ni a Flannery O`Connor,
padre no ha leído nunca a Carver.
Padre trabajaba de sol a sol
como una bestia de carga.
A padre no le gusta Beethoven
sufre de los hombros.
No le gustan Mozart, Telemann o Mahler
no soporta el dolor de espalda.
Padre trae el pan a casa
y no tiene tiempo para mariconadas.
Padre no distingue el Art nouveau del Dadaísmo
y no conoce el pensamiento
de Kierkegaard o de Engels.
Cuando el cielo está nublado
a padre le aplasta el peso de su sombra.
Cuarenta años
para comprender y admirar a padre,
a mi padre
que trabajaba de sol a sol.
Mucho leer
para no saber nada.


JORGE ESPINA
Reverdecer
Baile del Sol
(2010)


[El alma disponible]








Pai nunca leu Joyce
nem Flannery O’Connor,
pai nunca leu Carver.
Pai trabalhava de sol a sol
como uma besta de carga.
Pai não aprecia Beethoven
sofre dos ombros.
Não gosta de Mozart, Telemann ou Mahler
não suporta a dor das costas.
Pai é o sustento da casa
e não tem tempo para mariquices.
Pai não distingue Art nouveau e Dadaísmo
e não conhece o pensamento
de Kierkegaard ou de Engels.
Quando o céu está nublado
ao pai esmaga-o o peso da sombra.
Quarenta anos
para compreender e admirar pai,
meu pai
que trabalhava de sol a sol.
Muito ler
para não saber nada.


(Trad. A.M.)


>> Outra versão: Apología de le luz (Maria Lúcia M.L.)

.

23.9.11

Almada Negreiros (A sombra sou eu)






A SOMBRA SOU EU




A minha sombra sou eu,
ela não me segue,
eu estou na minha sombra
e não vou em mim.

Sombra de mim que recebo a luz,
sombra atrelada ao que eu nasci,
distância imutável da minha sombra a mim,
toco-me e não me atinjo,
só sei do que seria
se de minha sombra chegasse a mim.

Passa-se tudo em seguir-me
e finjo que sou eu que sigo,
finjo que sou eu que vou
e não que me persigo.

Faço por confundir a minha sombra comigo:
estou sempre às portas da vida,
sempre lá, sempre às portas de mim!


Almada Negreiros



>>  TriploV (8p) / As Tormentas (8p) / Wikipedia / DGLB (linques)


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22.9.11

Joan Margarit (Perdiz jovem)






PERDIZ JOVEN




Se encogía en un surco
y cuando la cogí me pareció
sentir tu mano entre las mías.
Vi sangre seca en una de sus alas:
una perdigonada había roto,
como varillas, los pequeños huesos.
Intentaba volar y sólo consiguió,
con el ala partida, ir arrastrándose
hasta quedar oculta tras las piedras.
Siento la calidez, todavía, en mi mano,
porque un ser frágil dio sentido
a cada uno de mis días. Un ser frágil
que ahora está también tras una piedra.



Joan Margarit



[Callados]






Estava num rego encolhida
e quando lhe peguei pareceu-me
sentir tua mão entre as minhas.
Tinha sangue seco numa das asas,
um tiro partira-lhe,
como varetas, os pequenos ossos.
Tentava voar, mas só conseguiu,
com a asa partida, ir a arrastar-se
até ficar oculta atrás das pedras.
Sinto o quente, ainda, na mão,
porque um ser frágil deu sentido
a cada um de meus dias. Um ser frágil
que está também agora atrás duma pedra.


(Trad. A.M.)

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21.9.11

Ver (75)








[Edouard Boubat]


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Kutxi Romero (Creio que olhei demais)






Creo que observé demasiado
a los despojos
el fracaso es algo hipnótico
y absorbiente
que da pie
a la magnificación de los interrogantes
estoy seguro que ante semejante duda
Becker no sabría que responder
y Neruda se desangraría
en versos
                de
                    una
                           tristeza
                                       infinita.


Kutxi Romero





Creio que olhei demais
para os despojos
o fracasso é algo hipnótico
e absorvente
a base
da magnificação dos interrogantes
estou certo que perante semelhante dúvida
Becker não saberia que responder
e Neruda se sangraria
em versos
                de
                     uma
                            tristeza
                                        infinita.

(Trad. A.M.)


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20.9.11

Paul Eluard (Liberdade)






LIBERTÉ





Sur mes cahiers d'écolier
Sur mon pupitre et les arbres
Sur le sable de neige
J'écris ton nom

Sur les pages lues
Sur toutes les pages blanches
Pierre sang papier ou cendre
J'écris ton nom

Sur les images dorées
Sur les armes des guerriers
Sur la couronne des rois
J'écris ton nom

Sur la jungle et le désert
Sur les nids sur les genêts
Sur l'écho de mon enfance
J'écris ton nom

Sur les merveilles des nuits
Sur le pain blanc des journées
Sur les saisons fiancées
J'écris ton nom

Sur tous mes chiffons d'azur
Sur l'étang soleil moisi
Sur le lac lune vivante
J'écris ton nom

Sur les champs sur l'horizon
Sur les ailes des oiseaux
Et sur le moulin des ombres
J'écris ton nom

Sur chaque bouffée d'aurore
Sur la mer sur les bateaux
Sur la montagne démente
J'écris ton nom

Sur la mousse des nuages
Sur les sueurs de l'orage
Sur la pluie épaisse et fade
J'écris ton nom

Sur les formes scintillantes
Sur les cloches des couleurs
Sur la vérité physique
J'écris ton nom

Sur les sentiers éveillés
Sur les routes déployées
Sur les places qui débordent
J'écris ton nom

Sur la lampe qui s'allume
Sur la lampe qui s'éteint
Sur mes maisons réunies
J'écris ton nom

Sur le fruit coupé en deux
Du miroir et de ma chambre
Sur mon lit coquille vide
J'écris ton nom

Sur mon chien gourmand et tendre
Sur ses oreilles dressées
Sur sa patte maladroite
J'écris ton nom

Sur le tremplin de ma porte
Sur les objets familiers
Sur le flot du feu béni
J'écris ton nom

Sur toute chair accordée
Sur le front de mes amis
Sur chaque main qui se tend
J'écris ton nom

Sur la vitre des surprises
Sur les lèvres attendries
Bien au-dessus du silence
J'écris ton nom

Sur mes refuges détruits
Sur mes phares écroulés
Sur les murs de mon ennui
J'écris ton nom

Sur l'absence sans désir
Sur la solitude nue
Sur les marches de la mort
J'écris ton nom

Sur la santé revenue
Sur le risque disparu
Sur l'espoir sans souvenir
J'écris ton nom

Et par le pouvoir d'un mot
Je recommence ma vie
Je suis né pour te connaître
Pour te nommer

Liberté


Paul Éluard




Nos meus cadernos de escola
Nesta carteira nas árvores
Nas areias e na neve
Escrevo teu nome

Em toda página lida
Em toda página branca
Pedra sangue papel cinza
Escrevo teu nome

Nas imagens redouradas
Na armadura dos guerreiros
E na coroa dos reis
Escrevo teu nome

Nas jungles e no deserto
Nos ninhos e nas giestas
No céu da minha infância
Escrevo teu nome

Nas maravilhas das noites
No pão branco de cada dia
Nas estações enlaçadas
Escrevo teu nome

Nos meus farrapos de azul
No tanque sol que mofou
No lago lua vivendo
Escrevo teu nome

Nas campinas do horizonte
Nas asas dos passarinhos
E no moinho das sombras
Escrevo teu nome

Em cada sopro de aurora
Na água do mar nos navios
Na serrania demente
Escrevo teu nome

Até na espuma das nuvens
No suor das tempestades
Na chuva insípida e espessa
Escrevo teu nome

Nas formas resplandecentes
Nos sinos das sete cores
E na física verdade
Escrevo teu nome

Nas veredas acordadas
E nos caminhos abertos
Nas praças que regurgitam
Escrevo teu nome

Na lâmpada que se acende
Na lâmpada que se apaga
Em minhas casas reunidas
Escrevo teu nome

No fruto partido em dois
de meu espelho e meu quarto
Na cama concha vazia
Escrevo teu nome

Em meu cão guloso e meigo
Em suas orelhas fitas
Em sua pata canhestra
Escrevo teu nome

No trampolim desta porta
Nos objetos familiares
Na língua do fogo puro
Escrevo teu nome

Em toda carne possuída
Na fronte de meus amigos
Em cada mão que se estende
Escrevo teu nome

Na vidraça das surpresas
Nos lábios que estão atentos
Bem acima do silêncio
Escrevo teu nome

Em meus refúgios destruídos
Em meus faróis desabados
Nas paredes do meu tédio
Escrevo teu nome

Na ausência sem mais desejos
Na solidão despojada
E nas escadas da morte
Escrevo teu nome

Na saúde recobrada
No perigo dissipado
Na esperança sem memórias
Escrevo teu nome

E ao poder de uma palavra
Recomeço minha vida
Nasci pra te conhecer
E te chamar

Liberdade



(Trad. M.Bandeira - C.Drummond Andrade)


[Antonio Cicero]

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19.9.11

Gsús Bonilla (Disciplina)






DISCIPLINA





los perros te dan la clave.
olfatean el culo a sus semejantes
y por eliminación
eligen.
cuanto más sea el hedor
de insoportable
más posibilidades hay
de que ése es : el camino
para seguir.


Gsús Bonilla



os cães te dão a chave.
cheiram o cu ao semelhante
e escolhem
por exclusão.
quanto maior for o fedor
de insuportável
mais possibilidade há
de ser esse: o caminho
a seguir.

(Trad. A.M.)




>>  Gsús Bonilla (blogue) / Nodo-50 (El Forro) / Somos malas (8p) / Las afinidades electivas (3p)

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18.9.11

Aquilino Ribeiro (Santo Antão, bebes?)






Pois o santo era mamadeira para todos e ninguém o ouvia.

Pela tarde, ao desmanchar, o João da Fonte, enlambuzado de salmoira e taramela do videira, erguia o copo no divino recinto, o mafarrico:

- Santo Antão, bebes? Não bebes, pagas.



- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, X.

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Nicanor Parra (Cartas a uma desconhecida)






CARTAS A UNA DESCONOCIDA





Cuando pasen los años, cuando pasen
los años y el aire haya cavado un foso
entre tu alma y la mía; cuando pasen los años
y yo sólo sea un hombre que amó,
un ser que se detuvo un instante frente a tus labios,
un pobre hombre cansado de andar por los jardines,
¿dónde estarás tú?
¡Dónde
estarás, oh hija de mis besos!


Nicanor Parra


[Yo soy de aqui]




Quando os anos passarem, quando
passarem os anos e o ar cavar
um fosso entre a tua alma e a minha;
quando os anos passarem
e eu for apenas um homem que amou,
um ser que se deteve um momento diante dos teus lábios,
um pobre homem cansado de andar pelos jardins,
onde é que tu estarás?
Onde
é que estarás, ó filha dos meus beijos?


(Trad. A.M.)

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17.9.11

Alberto de Lacerda (A esperança é um barco)






A esperança é um barco

A luz
é uma viagem




ALBERTO DE LACERDA
Oferenda II
IN-CM (1994)




>>  Casa Pessoa (32p) / Infopedia


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16.9.11

José Luis Zúñiga (Talvez precise do teu amor)






TAL VEZ NECESITE TU AMOR





Quisiera verte despacio.
Quisiera ver cómo el tiempo
envejece
el contorno de tus labios,
tus pupilas, seguramente tu risa
sonará glauca, yo quiero
verte despacio, volver
a verte. La vida
tiene aristas de nostalgia:
es mejor la lentitud, la que da el tiempo
pasado. La vida.

Quisiera verte despacio.



José Luis Zúñiga


[Yo Zúñiga]





Queria ver-te devagar.
Queria ver como o tempo
te envelhece
o contorno dos lábios,
as pupilas, de certeza teu riso
há-de soar glauco, eu quero
ver-te devagar, tornar
a ver-te. A vida
tem arestas de saudade,
a lentidão é melhor, a que dá o tempo
passado. A vida.

Queria ver-te devagar.


(Trad. A.M.)

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15.9.11

Um verso (99)






Um verso de José Alberto Oliveira
(não a morte):





Não a vida, monótona, insistente, que procura outra metáfora




José Alberto Oliveira


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José Pedroni (Tu, na fábrica)






TÚ, EN LA FÁBRICA



Por la ventana abierta
ha entrado un pájaro,
y está aquí, entre máquinas,
un poquito asustado.

Por la ventana abierta
ha entrado un pájaro,
que otra cosa no eres
con tu vestido blanco.

La llama sigilosa
te sigue, por quemártelo.
Estrellas de los yunques
estallan a tu paso.
Ruedas de dientes negros
muerden tu olor a nardo.

Por la ventana abierta
ha entrado un pájaro.
Lo está diciendo el fuego
que se llenó de brazos,
y el hierro que se apura
a ponerse dorado,
y el humo que se va derecho al cielo
con tu vestido blanco.

¡Por la ventana abierta
vuelve mañana, pájaro!



JOSÉ PEDRONI
El Pan Nuestro
(1941)


[Marcelo Leites]






Pela janela aberta
entrou um pássaro,
e está aqui, entre as máquinas,
um bocadinho assustado.

Pela janela aberta
entrou um pássaro,
que outra coisa tu não és
com teu vestido branco.

A chama sigilosa
segue-te, para o queimar.
Chispas das bigornas
saltam quando passas.
Rodas dentadas de negro
mordem teu cheiro a nardo.

Pela janela aberta
entrou um pássaro.
Está a dizê-lo o fogo
que se encheu de braços,
e o ferro que se apura
a pôr-se dourado,
e o fumo que sobe direito ao céu
com teu vestido branco.

Pela janela aberta,
pássaro, volta amanhã!


(Trad. A.M.)

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14.9.11

Maria do Rosário Pedreira (Acordo)






Acordo com o teu nome nos
meus lábios — amargo beijo


esse que o tempo dá sem
aviso a quem não esquece.



Maria do Rosário Pedreira



[Poedia]


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13.9.11

Angel Petisme (O cão de Ulisses)






EL PERRO DE ULISES




Al regresar a Ítaca después de veinte años,
vestido con ropas de mendigo,
Ulises se enjugó una lágrima.
Argos, lleno de pulgas,
tendido en el estiércol,
alzó la cabeza y las orejas.
Fue el único que reconoció a su dueño.
Así nos pasa a los humanos
frente a la belleza, que nunca es fácil,
que nunca es benigna,
frente a la perfección camuflada y hambrienta.
Como el perro de Ulises
sólo algunos ladramos frente a ella
y movemos el rabo.
Veinte años esperando a su amo
y Argos poco después murió.


Angel Petisme






Ao regressar a Ítaca passado vinte anos,
vestido com roupas de mendigo,
Ulisses limpou uma lágrima.
Argos, cheio de pulgas,
estendido no esterco,
ergueu a cabeça e as orelhas.
Foi o único que reconheceu o dono.
Assim sucede a nós humanos,
frente à beleza, nunca fácil,
nunca benigna,
frente à perfeição camuflada e faminta.
Como o cão de Ulisses
só alguns ladramos frente a ela
e mexemos o rabo.
Vinte anos à espera do dono
e pouco depois morreu, Argos.

(Trad. A.M.)




>> Pedro Mexia - Ao contrário de Ulisses


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12.9.11

Olhar (103)







Letra 'M'

(Mesão Frio>Mafómedes>Monte Marão)


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José Luis Hidalgo (Mar dos teus olhos)






MAR DE TUS OJOS




Puerto de amor tus ojos,
aguas claras.

(Brisa que me querías
sobre la mar salada.
Aguas sin corazón
que me llevabais...)

Hacia el mar de tus ojos
navegará mi ansia.


José Luis Hidalgo






Porto de amor teus olhos,
águas claras.


(Brisa que me querias
sobre o mar salgado.
Águas sem coração
que me arrastáveis...)


Para o mar de teus olhos
navegará minha ânsia.


(Trad. A.M.)

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11.9.11

Russell Edson (O chão)






THE FLOOR




The floor is something we must fight against.
Whilst seemingly mere platform for the human stance,
it is that place that men fall to.
I am not dizzy. I stand as a tower, a lighthouse;
the pale ray of my sentiency flowing from my face.

But should I go dizzy I crash down into the floor;
my face into the floor, my attention bleeding
into the cracks of the floor.

Dear horizontal place, I do not wish to be a rug.
Do not pull at the difficult head,
this teetering bulb of dread and dream.


Russell Edson






O chão é algo contra que temos de lutar.
Embora pareça uma mera plataforma para a humana postura,
é aquele lugar para que os homens caem.
Eu não me sinto enjoado, ergo-me como uma torre, ou um farol,
o raio pálido dos meus sentidos a irradiar-me da face.

Mas se me enjoasse, caía redondo no chão,
a cara contra o solo, a atenção sangrando
pelas fendas do chão.

Caríssimo lugar horizontal, carpete eu não quero ser,
deixa a cabecinha difícil,
este bolbo oscilante de temor e de sonho.


(Trad. A.M.)

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10.9.11

Jaime Sabines (Pétalas queimadas)






PÉTALOS QUEMADOS



Pétalos quemados,
viejo aroma que vuelve de repente,
un rostro amado, solo, entre las sombras,
algún cadaver de uno levantándose
del polvo, de alguna abandonada soledad
que estaba aquí en nosotros:
esta tarde tan triste, tan triste, tan triste.

Si te sacas los ojos y los lavas
en el agua purísima del llanto
¿por qué no el corazón
ponerlo al aire, al sol, un rato?


Jaime Sabines



[Poli del Amor]





Pétalas queimadas,
odor antigo que volta de repente,
um rosto amado, só, entre sombras,
um cadáver de alguém a erguer-se
do pó, de uma solidão abandonada
que estava em nós aqui,
esta tarde tão triste, tão triste, tão triste.

Se arrancamos os olhos e os lavamos
na água puríssima do pranto,
por que não o coração
pô-lo ao ar, um bocado, ao sol?


(Trad. A.M.)

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9.9.11

José Rentes de Carvalho (Caminho pela cidade)






Caminho pela cidade com um sentimento de desconforto, pois sem ser nela totalmente um estranho, também lhe não pertenço.

Sou o passante que deambula pelo cenário da sua juventude e revê com outros olhos os lugares que a marcaram, despertando negrumes, surpreso ao dar-me conta de como foram profundas mas inúteis as dores de então, passageiras as alegrias, paralisantes aqueles sonhos em que as dimensões do mundo eram constantes e harmoniosas.

Terei de facto sido assim?

Melancólico, deixo que o passado desfile em cenas que não são de vida vivida, mas painéis desbotados num panorama de artifício.

Não me interessam as ruas, as gentes, as casas, as vibrações do dia soalheiro.

Vou ensimesmado, descobrindo que nem a experiência dos anos me ajudará a conciliar as vozes desencontradas que dentro de mim ora animam a agir, ora me censuram os actos, as palavras, os desejos.

Que me culpam por não ser capaz de duma vez para sempre sacudir os entraves da memória, me acusam de fraqueza por retornar aos lugares onde sofri com um impulso tão irreprimível como o que dizem que leva os assassinos a rever o lugar onde, ao matar, também de certo modo morrem.


- J. RENTES DE CARVALHO, La Coca, Quetzal (2011), p. 33.


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José Luis Zúñiga (Carpe diem)






CARPE DIEM




Precisamente ahora
estoy trazando el rumbo de mi vida.
Ahora, cuando me estalla en la cabeza
toda la petulancia de saberme
vivido siempre atado y bien atado.
Sentado aquí, el gesto adormecido
frente a la taza blanca en que aún humea
esa infusión que tomo cada tarde,
trazo rumbos y escalas.
¡Ay, vana pretensión del astrolabio!
Precisamente ahora
pienso romper los mapas de mi vida.



José Luis Zúñiga






Agora precisamente
estou a traçar o rumo da minha vida.
Agora, que me estoira na cabeça
a petulância de me saber
vivido sempre atado e bem atado.
Sentado aqui, o gesto adormecido
diante da chávena branca onde fumega
a infusão que tomo todas as tardes,
traço rumos e escalas.
Ah, vã pretensão do astrolábio!
Precisamente agora
penso rasgar os mapas da minha vida.


(Trad. A.M.)



>>  Yo Zúñiga (blogue) / Las afinidades electivas (4p)
       M. 4.4.2011

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8.9.11

Ruy Belo (Do sono da desperta Grécia)






DO SONO DA DESPERTA GRÉCIA





Nenhuma voz em esparta nem no oriente
se dirigira ainda aos homens do futuro
quando da acrópole de atenas péricles hierático
falou: «ainda que o declínio das coisas
todas humanas ameace sabei vós ó vindouros
que nós aqui erguemos a mais célebre e feliz cidade»
Eram palavras novas sob a mesma
abóbada celeste outrora aberta em estrelas
sobre a cabeça do emissário de argos
que aguardava o sinal da rendição de tróia
e sobre o dramaturgo sófocles roubando
aos dias desse tempo intemporais conflitos
chegados até nós na força do teatro
Apoiada na sua longilínea lança
a deusa atenas pensa ainda para nós
Pela primeira vez o homem se interroga
sem livro algum sagrado sobre a sua inteligência
e a tragédia a arte o pensamento
desvendam o destino a divindade o universo
Em busca da verdade o homem chega
às noções de justiça e liberdade
Após quatro milénios de uma sujeição servil
o homem olha os deuses face a face
e desafia o força do tirano
E nós ainda hoje nos interrogamos
a interrogação define a nossa livre condição
O desafio de antígona e de prometeu
é hoje ainda o nosso desafio
embora com um rio o tempo haja corrido
«Diz em lacedemónia ó estrangeiro
que morremos aqui para servir a lei»
«E se esta noite é uma noite do destino
bendita seja ela pois é condição da aurora»
Palavras seculares vivas ainda agora
Uma grécia secreta dorme em cada coração
na noite que precede a inevitável manhã


RUY BELO
Transporte no tempo
(1973)


[O poema que hoje partilharia]

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7.9.11

Eloy Sánchez Rosillo (Deixai-me aqui)






DEJADME AQUÍ




Dejadme aquí, sumido en la penumbra
de esta habitación en la que tantas horas de mi vida
transcurrieron.
Es tarde ya. La noche se aproxima
y hoy - no sé por qué - más que otras veces necesito
quedarme solo y recordar muy lentamente
algunas cosas del pasado,
ciertas historias ya casi perdidas,
mientras el sol se aleja y la ciudad va hundiéndose
en la sombra.



Eloy Sánchez Rosillo





Deixai-me aqui, sumido na penumbra
deste quarto em que passaram
tantas horas da minha vida.
É tarde já. A noite aproxima-se
e hoje – não sei por quê – mais que
doutras vezes necessito
ficar só e recordar muito
detidamente
algumas coisas do passado,
certas histórias já quase perdidas,
enquanto se afasta o sol e a cidade
vai-se afundando
na sombra.


(Trad. A.M.)

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6.9.11

Rui Knopfli (Posteridade)






POSTERIDADE





Um dia eu, que passei metade
da vida voando como passageiro,
tomarei lugar na carlinga
de um monomotor ligeiro
e subirei alto, bem alto,
até desaparecer para além
da última nuvem. Os jornais dirão:
Cansado da terra poeta
fugiu para o céu. E não
voltarei de facto. Serei lembrado
instantes por minha família,
meus amigos, alguma mulher
que amei verdadeiramente
e meus trinta leitores. Então
meu nome começará aparecendo
nas selectas e, para tédio
de mestres e meninos, far-se-ão
edições escolares de meus livros.
Nessa altura estarei esquecido.



Rui Knopfli


[Modo de usar]


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David González (Ninguém com esse nome)






NADIE CON ESE NOMBRE




este es mi hijo

le decías a las camareras
de los chigres en los que parabas.

este es mi hijo

le decías a tus amigos y conocidos,

este es mi hijo

y en algunas ocasiones añadías:

bueno, hijo mío no sé si lo es,
lo único que os puedo decir seguro
es que nació en casa


este es mi hijo

estabas orgulloso de mí,
ahora lo sé,
muy orgulloso,

pero nunca pronunciaste mi nombre de pila,

padre,

nunca lo pronunciaste.

me llamo david.
david gonzález.



David González





este é o meu filho

dizias tu às empregadas
das locandas em que paravas

este é o meu filho

dizias aos teus amigos e conhecidos,

este é o meu filho

e acrescentavas em algumas ocasiões:

bem, filho meu não sei se é,
o que posso dizer com certeza
é que nasceu lá em casa


este é o meu filho

tinhas orgulho de mim,
sei agora,
muito orgulho,

mas jamais pronunciaste o meu nome de baptismo,

pai,

nunca o pronunciaste.

eu chamo-me david,
david gonzález.


(Trad. A.M.)

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5.9.11

Carlos Drummond de Andrade (A flor e a náusea)






A FLOR E A NÁUSEA




Preso à minha classe e a algumas roupas,
vou de branco pela rua cinzenta.
Melancolias, mercadorias espreitam-me.
Devo seguir até o enjôo?
Posso, sem armas, revoltar-me?
Olhos sujos no relógio da torre:
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e espera.
O tempo pobre, o poeta pobre
fundem-se no mesmo impasse.
Em vão me tento explicar, os muros são surdos.
Sob a pele das palavras há cifras e códigos.
O sol consola os doentes e não os renova.
As coisas. Que tristes são as coisas, consideradas sem ênfase.
Uma flor nasceu na rua!
Vomitar esse tédio sobre a cidade.
Quarenta anos e nenhum problema
resolvido, sequer colocado.
Nenhuma carta escrita nem recebida.
Todos os homens voltam para casa.
Estão menos livres mas levam jornais
E soletram o mundo, sabendo que o perdem.
Crimes da terra, como perdoá-los?
Tomei parte em muitos, outros escondi.
Alguns achei belos, foram publicados.
Crimes suaves, que ajudam a viver.
Ração diária de erro, distribuída em casa.
Os ferozes padeiros do mal.
Os ferozes leiteiros do mal.
Pôr fogo em tudo, inclusive em mim.
Ao menino de 1918 chamavam anarquista.
Porém meu ódio é o melhor de mim.
Com ele me salvo
e dou a poucos uma esperança mínima.
Passem de longe, bondes, ônibus, rio de aço do tráfego.
Uma flor ainda desbotada
ilude a polícia, rompe o asfalto.
Façam completo silêncio, paralisem os negócios,
garanto que uma flor nasceu.
Sua cor não se percebe.
Suas pétalas não se abrem.
Seu nome não está nos livros.
É feia. Mas é realmente uma flor.
Sento-me no chão da capital do país às cinco horas da tarde
e lentamente passo a mão nessa forma insegura.
Do lado das montanhas, nuvens maciças avolumam-se.
Pequenos pontos brancos movem-se no mar, galinhas em pânico.
É feia. Mas é uma flor. Furou o asfalto, o tédio, o nojo e o ódio.


Carlos Drummond de Andrade


[Poemblog]



>>  Lembrando Jorge Espina   
       - ele sabe porquê.

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4.9.11

Angel González (Certas tardes)






ALGUNAS TARDES





Una tristeza insólita
me invade algunas tardes.
La de hoy es una de ellas.

En el sombrío cuarto de estar
triste,
permanezco a la espera
de que la luna certifique la defunción del día.

Este es por fin el cuarto
menguante de una luna llena
de macilenta luz
que me confirma lo que yo esperaba:
el día
que tanto me dolía ya se ha muerto.
Y la noche es el sueño: al fin, la nada.


Ángel González


[Escomberoides]





Uma tristeza insólita
me invade algumas tardes.
Esta de hoje é uma delas.

No sombrio quarto de estar
triste,
permaneço à espera
que a lua certifique a defunção do dia.

Este é por fim o quarto
minguante de uma lua cheia
de macilenta luz
que me confirma o que eu esperava:
o dia
que tanto me doía está morto.
E a noite é o sonho: enfim, o nada.


(Trad. A.M.)

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Aquilino Ribeiro (Os longes esfarelavam-se)






Os longes esfarelavam-se num luaceiro grisalho, como de moinha ao vento; mas, a todo o largo da mirada, a terra descobria-se com os mouchões das leiras a reluzir prateados ao luar e os regos coalhados de tinta negra.

Nas leiras onduladas de morro para morro, o centeal dormia debaixo do codo, a meio as pedras intonsas e impressionantes como cabeças mortas saindo debaixo dum lençol.

As giestas projectavam uma sombra muito escura, o que o levou a notar que a sombra que o seu vulto também projectava era tão retinta e desengonçada como se levasse um fantasma à mão direita.

Não se enxergava vivalma nem de homem, nem de bicho, nem de ser nado que fosse.

Mas, pela lua que caminhava sempre, o sete-estrelo muito rútilo, a rija imobilidade da planície, sentia-se a terra presa a amarras que não quebram nem se rendem.


- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, V.

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3.9.11

Ana Pérez Cañamares (Mi casa)






MI CASA



Mi casa tiene treinta metros cuadrados.
Vivimos en ella dos adultos,
una adolescente
y una gata anciana.

Mi casa es digna.

Si es de dignidad de lo que hablamos
mi casa es digna.

Mi casa es tan digna
como las chabolas de latas
como las casas barco
como las tiendas de refugiados.

Más dignas todas ellas
que la del especulador
la del director de periódico
la del dueño del banco.

Si es de dignidad de lo que hablamos:

La justicia de las palabras
- la belleza de la exactitud -
aún nos pertenece.



ANA PÉREZ CAÑAMARES
Alfabeto de cicatrices
(2010)







Minha casa tem trinta metros quadrados.
Vivemos nela dois adultos,
uma adolescente
e uma gata velha.

Minha casa é digna.

Se de dignidade falamos
minha casa é digna.

Minha casa é tão digna
como as do bairro da lata
como as casas barco
ou as tendas de refugiados.

Mais dignas todas elas
do que a do especulador
do director de jornal
ou do dono do banco.

Se é de dignidade que falamos:

A justiça das palavras
– a beleza da exactidão –
ainda nos pertence.


(Trad. A.M.)

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2.9.11

Um verso (98)






Um verso de Amadeu Baptista
(viva lá, Praia da Granja):




Guardo no coração uma voz que vai de lugar em lugar




Amadeu Baptista

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Manuel Moya / Violeta (Poética)






POÉTICA





Sólo el rencor. Si quemo un barco
otro barco me espera. Si salvo un hoyo
otro hoyo, descomunal, encuentro. Sólo el rencor.
Si me ladran los ojos, si en el acto acabo
a cien rehenes, si le meto fuego al edificio,
agradézcanlo al rencor, o ¿acaso puedes tú,
querido, reprochármelo?



Violeta C. Rangel






Só o rancor. Se queimo um barco
outro barco me espera. Se salto um buraco
outro maior encontro. Só o rancor.
Se os olhos me ladram, se acabo no acto
com cem reféns, se ponho fogo à casa,
agradeçam-no ao rancor, ou acaso podes tu,
querido, censurar-mo?


(Trad. A.M.)

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1.9.11

Fernando Pessoa / R. Reis (Não sei se é amor que tens)






Não sei se é amor que tens, ou amor que finges,
O que me dás. Dás-mo. Tanto me basta.
          Já que o não sou por tempo,
          Seja eu jovem por erro.
Pouco os deuses nos dão, e o pouco é falso.
Porém, se o dão, falso que seja, a dádiva
          É verdadeira. Aceito,
          Cerro olhos: é bastante.
          Que mais quero?



Ricardo Reis

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