31.8.22

Ana Martins Marques (Poemas reunidos)




POEMAS REUNIDOS

 

Sempre gostei dos livros
chamados poemas reunidos
pela ideia de festa ou de quermesse
como se os poemas se encontrassem
como parentes distantes
um pouco entediados
em volta de uma mesa
como ex-colegas de colégio
como amigas antigas para jogar cartas
como combatentes
numa arena
galos de briga
cavalos de corrida ou
boxeadores num ringue
como ministros de estado
numa cúpula
ou escolares em excursão
como amantes secretos
num quarto de hotel
às seis da tarde
enquanto sem alegria apagam-se
as flores do papel de parede


Ana Martins Marques

.

29.8.22

Oliverio Girondo (Que os ruídos te esburaquem os dentes)




Que los ruidos te perforen los dientes,
como una lima de dentista,
y la memoria se te llene de herrumbre,
de olores descompuestos y de palabras rotas.
Que te crezca, en cada uno de los poros,
una pata de araña;
que sólo puedas alimentarte de barajas usadas
y que el sueño te reduzca, como una aplanadora,
al espesor de tu retrato.
Que al salir a la calle,
hasta los faroles te corran a patadas;
que un fanatismo irresistible te obligue a prosternarte
ante los tachos de basura
y que todos los habitantes de la ciudad
te confundan con un madero.
Que cuando quieras decir: «Mi amor»,
digas: «Pescado frito»;
que tus manos intenten estrangularte a cada rato,
y que en vez de tirar el cigarrillo,
seas tú el que te arrojes en las salivaderas.
Que tu mujer te engañe hasta con los buzones;
que al acostarse junto a ti,
se metamorfosee en sanguijuela,
y que después de parir un cuervo,
alumbre una llave inglesa.
Que tu familia se divierta en deformarte el esqueleto,
para que los espejos, al mirarte,
se suiciden de repugnancia;
que tu único entretenimiento consista en instalarte
en la sala de espera de los dentistas,
disfrazado de cocodrilo,
y que te enamores, tan locamente,
de una caja de hierro,
que no puedas dejar, ni por un solo instante,
de lamerle la cerradura.


Oliverio Girondo

[Trianarts]

 

 

Que os ruídos te esburaquem os dentes,
como uma lima de dentista,
e a memória se te encha de ferrugem,
de cheiros horríveis e de palavras rasgadas.
Que te cresça, em cada poro,
uma pata de aranha;
que só possas alimentar-te de baralhos de cartas usadas
e que o sono te reduza à espessura do teu retrato.
Que ao saíres à rua,
até os candeeiros te corram a pontapé;
que um fanatismo invencível te obrigue a ajoelhar
perante os contentores do lixo
e que todos os habitantes da vila
te confundam com um madeiro.
Que quando queiras  dizer: ‘Meu amor’,
digas antes: ‘Peixe frito’;
que as tuas mãos tentem estrangular-te a cada passo,
e que em vez de atirar fora o cigarro,
te atires tu mesmo para dentro do escarrador.
Que a tua mulher te engane até com os marcos do correio;
que ao deitar-se a teu lado
se transforme em sanguessuga,
e depois de parir um corvo,
dê à luz uma chave inglesa.
Que a tua família se divirta a deformar-te o esqueleto,
para que os espelhos, olhando para ti,
se suicidem de repugnância;
que teu único entretimento seja o de te acomodares
na sala de espera dos dentistas,
disfarçado de crocodilo,
e que te enamores, tão loucamente,
de um caixão de ferro,
que não consigas deixar, por um instante sequer,
de lamber-lhe a fechadura.


(Trad. A.M.)

.

28.8.22

Pedro Andreu (Tempus fugit)




TEMPUS FUGIT



Ayer ya se marchó. Y casi no hay mañana.
Mis edades se fueron, se irán, se me están yendo,
como las tristes cifras de mi cuenta bancaria.
En este monstruo áspero me has ido convirtiendo.
Sin casi ni notarlo. No sé cómo.
Quizás la culpa es de la noche, las ciudades, los taxis.
O de la lluvia, que prometía charcos. Quizás del peso
de cosas que lloré y no recuerdo. Cristales que pisé
y tan descalzo. Qué tarde y con dolor
nos damos cuenta de que estuviste aqui
pero ya te has largado. Jodida vida mía,
qué me has hecho. Qué nos has hecho a todos.
A nosotros, a nuestros veinte años que ya no.
Cuando sólo quisimos divertirnos,
jugar bajo tu falda a ser felices,
matar palabras frágiles despacio.
Por qué eres tan idiota. Tan puta. Tan deprisa.
Dime, mi vida, mi pequeña, dime:
por qué tanto dolor, tantos problemas siempre.
Por qué tan para nada nunca todo.


Pedro Andreu

 

 

Ontem foi-se já. E quase não há amanhã.
As idades minhas foram-se, irão, estão indo,
como as cifras tristes da minha conta bancária.
Foste-me convertendo neste monstro áspero.
Quase sem dar conta, nem sei como.
Talvez a culpa seja da noite, das cidades, dos táxis.
Ou da chuva, que prometia charcos. Talvez do peso
de coisas que chorei e não me lembram. Vidros que pisei
e tão descalço. Quão tarde
damos conta de que estiveste aqui
mas foste embora. Vida minha da porra,
que fizeste comigo, com todos nós.
Nós, e nossos vinte anos, que já não.
Quando queríamos era divertir-nos,
brincar de ser felizes por baixo da tua saia,
matar palavras frágeis de seu vagar.
Porque és tão idiota, tão puta, tão depressa.
Diz-me, vida minha, pequenina, diz-me:
porquê tanta dor, tantos problemas sempre?
Porquê tão para nada nunca tudo?


(Trad. A.M.)

 .

26.8.22

Fernando Assis Pacheco (Contas de cabeça)




CONTAS DE CABEÇA

 

Amar-vos inda mais que só vos amo
a vós parentes meus de minha casa
e mesmo se amianto ardera em brasa? 

a pata já no visgo se atezana
um dia que eu morrer quem é que chamo? 

o 115 não que mal atrasa
esse chumbo cravado numa asa
a vós açanarei do alto ramo? 

é costeio é açamo cai-se à vasa
gritar-vos inda mais que só vos amo?


Fernando Assis Pacheco

 .

24.8.22

Jesús Beades (Poema de adeus)




POEMA DE ADIÓS



Tu adiós sonó como un disparo
que dispersa palomas por un cielo sin nadie.
Tus palabras tenían un sabor de llovizna
que mis labios conocen, y es amargo y remoto.
Sé que hacerse mayor es irse despidiendo
de todos los paisajes como quien va en un tren.
Decir adiós, adiós... me pregunto esta noche
qué rara bienvenida nos espera
cuando se abra la puerta que el poema entreabre,
cuando no quede nadie a quien decir adiós.


Jesús Beades

 

 

Teu adeus soou como um disparo
que dispersa pombas no deserto do céu.
Tuas palavras tinham um sabor de chuvisco
que meus lábios conhecem, e é amargo e remoto.
Sei que envelhecer é ir-se despedindo
das paisagens como quem vai de comboio.
Dizer adeus, adeus… pergunto-me esta noite
que estranhas boas-vindas nos esperam
quando se abrir a porta que o poema empurra,
quando não restar ninguém a quem dizer adeus.


(Trad. A.M.)

.

23.8.22

Clara Janés (Fugacidade do terreno)




FUGACIDAD DE LO TERRENO


Todo es de polvo, soledad y ausencia. 
Todo es de niebla, oscuridad y miedo. 
Todo es de aire, balanceo inútil, 
      sobre la tierra. 

Manos vacías que acarician viento, 
ojos que miran sin saberse ciegos, 
pies que caminan sobre el mismo trecho 
      siempre de nuevo. 

Vemos sin ver y en la tiniebla estamos. 
Somos y somos lo que no sabemos. 
Hay en nosotros de la llama viva 
      sólo un reflejo.  

Caen los días en otoño eterno. 
Pasan las cosas entre sueño y sueño.
Llega la noche de la muerte. Y calla 
      nuestro silencio.

 
Clara Janés

 

Tudo é pó, solidão, ausência,
tudo é medo, névoa, escuridão,
tudo é vento, inútil baloiçar,
               sobre a terra. 

Mãos vazias afagando vento,
olhos mirando como se não fossem cegos,
pés andando no mesmo trilho
               mas sempre novo.

Vemos sem ver em meio da treva,
somos e somos aquilo que não sabemos,
temos em nós da chama viva
               um reflexo apenas. 

Caem os dias em outono eterno,
dão-se as coisas entre sonho e sonho,
chega a noite da morte e com ela
               nosso silêncio.

 

(Trad. A.M.)

 .



21.8.22

Eugenio Montale (O lago de Annecy)




IL LAGO DI ANNECY

 

Non so perché il mio ricordo ti lega
al lago di Annecy
che visitai qualche anno prima della tua morte.
Ma allora non ti ricordai, ero giovane
e mi credevo padrone della mia sorte.
Perché può scattar fuori una memoria
così insabbiata non lo so; tu stessa
m’hai certo seppellito e non l’hai saputo.
Ora risorgi viva e non ci sei. Potevo
chiedere allora del tuo pensionato,
vedere uscirne le fanciulle in fila,
trovare un tuo pensiero di quando eri
viva e non l’ho pensato. Ora ch’è inutile
mi basta la fotografia del lago.

Eugenio Montale

[Trianarts]

 


Não sei porque é que te associo na minha lembrança
ao lago de Annecy
que visitei uns anos antes da tua morte.
Mas nessa altura não te recordei, era jovem
e julgava-me senhor do meu destino.
Como é que pode saltar assim de repente
uma lembrança tão funda, não sei;
também tu me enterraste a mim, sem dar conta.
Ressurges agora viva e já não existes.
Podia então perguntar pelo teu colégio,
ver as moças a sair em fila indiana,
achar um pensamento teu de quando ainda
estavas viva, e nada. Agora que é inútil,
basta-me a fotografia do lago.


(Trad. A.M.)

 .

19.8.22

Rafael Cadenas (Derrota)




DERROTA

 

Yo que no he tenido nunca un oficio
que ante todo competidor me he sentido débil
que perdí los mejores títulos para la vida
que apenas llego a un sitio ya quiero irme 
(creyendo que mudarme es una solución)
que he sido negado anticipadamente 
y escarnecido por los más aptos
que me arrimo a las paredes para no caer del todo
que soy objeto de risa para mí mismo
que creí que mi padre era eterno
que he sido humillado por profesores de literatura
que un día pregunté en qué podía ayudar y la respuesta fue una risotada
que no podré nunca formar un hogar, ni ser brillante, ni triunfar en la vida
que he sido abandonado por muchas personas porque casi no hablo
que tengo vergüenza por acto
que poco me ha faltado para echar a correr por la calle
que he perdido un centro que nunca tuve
que me he vuelto el hazmerreír de mucha gente por vivir en el limbo
que no encontraré nunca quién me soporte
que fui preterido en aras de personas mucho más miserables que yo
que seguiré toda la vida así y que el año entrante
seré muchas veces más burlado en mi ridícula ambición
que estoy cansado de recibir consejos de otros más aletargados
que yo («Ud. Es muy quedado, avíspese, despierte»)
que nunca podré viajar a la India
que he recibido favores sin dar nada en cambio
que ando por la ciudad de un lado a otro como una pluma
que me dejo llevar por los otros
que no tengo personalidad ni quiero tenerla
que todo el día tapo mi rebelión
que no he ido a las guerrillas
que no he hecho nada por mi pueblo
que no soy de las FALN y me desespero por todas estas cosas
y por otras cuya enumeración sería interminable
que no puedo salir de mi prisión
que he sido dado de baja en todas partes por inútil
que en realidad no he podido casarme ni ir a París ni tener un día sereno
que me niego a reconocer los hechos
que siempre babeo sobre mi historia
que soy imbécil y más que imbécil de nacimiento
que perdí el hilo del discurso que se ejecutaba en mí y no he podido encontrarlo
que no lloro cuando siento deseos de hacerlo
que llego tarde a todo
que he sido arruinado por tantas marchas y contramarchas
que ansío la inmovilidad perfecta y la brisa impecable
que no soy lo que soy ni lo que no soy
que a pesar de todo tengo un orgullo satánico aunque a ciertas horas
haya sido humilde hasta igualarme a las piedras
que he vivido quince años en el mismo círculo
que me creí predestinado para algo fuera de lo común y nada he logrado
que nunca usaré corbata
que no encuentro mi cuerpo
que he percibido por relámpagos mi falsedad y no he podido derribarme,
barrer todo y crear de mi indolencia, mi flotación, mi extravío
una frescura nueva, y obstinadamente me suicido al alcance de la mano
me levantaré del suelo más ridículo todavía para seguir
burlándome de los otros y de mí hasta el día del juicio final.


Rafael Cadenas

  

 

Eu, que nunca tive profissão 
que me senti débil face à concorrência 
que perdi os melhores títulos para a vida
que mal chego a um lado quero logo ir-me embora
(julgando que a solução é mudar-me)
que fui recusado antecipadamente 
e escarnecido pelos mais aptos
que me encosto às paredes para de todo não cair
que sou para mim mesmo objecto de riso
que pensei que meu pai era eterno
que fui humilhado por professores de literatura 
que perguntei um dia em que podia ajudar
e a resposta foi uma grande risada
que não hei-de nunca fazer um lar,
nem ser brilhante ou triunfar na vida 
que fui abandonado por muitos
por ter vergonha e quase não falar
que pouco me faltou para deitar a correr pela rua
que me tornei o faz-me rir de muita gente
que não acharei jamais quem me suporte
que fui preterido por outros muito mais miseráveis que eu
que seguirei assim toda a vida e no ano que vem
serei mil vezes burlado na minha tola ambição 
que estou farto de receber conselhos
de outros mais atrasados que eu
(‘Ai, você é tão parado, mexa-se, acorde’)
que nunca hei-de viajar para a Índia
que recebi favores sem dar nada em troca
que ando pela cidade como uma pena de um lado para outro
que me deixo levar pelos outros
que não tenho personalidade nem quero tê-la
que todo o dia escondo minha revolta
que não fui para a guerrilha
que não fiz nada pelo povo
que não sou das FALN e desespero por tudo isto
e ainda por muito mais
que não consigo sair da prisão 
que fui abatido por inútil em todo o lado
que nunca pude casar nem ir a Paris nem ter um dia bom
que me nego a admitir os factos
que sempre me babo na minha história 
que sou imbecil e mais que imbecil de nascença
que perdi o fio do discurso que se fazia em mim
e não consegui encontrá-lo
que não consigo chorar mesmo desejando fazê-lo
que chego tarde a tudo
que me arruinei com tantas marchas e contra-marchas
que anelo a imobilidade perfeita e a brisa impecável 
que não sou o que sou nem o que não sou
que tenho apesar de tudo um orgulho diabólico
embora humilde a certas horas tal as pedras
que vivi no mesmo círculo por quinze anos
que me julguei predestinado a algo incomum e nada consegui
que nunca hei-de usar gravata
que não encontro meu corpo
que percebi a minha falsidade e não pude derrubar-me
nem varrer tudo e criar uma frescura nova
hei-de levantar-me do chão mais ridículo ainda
para continuar
até ao dia do juízo final.
 

(Trad. A.M.)

 .

18.8.22

Rosana Acquaroni (Po-ética)




PO-ÉTICA

 

Hay un tiempo
en que la leña arde en el paraíso
climatizado
de los seres prudentes.
En un mundo sensato
comedido
donde ya nada nuevo es necesario.
Un momento preciso
para volver a casa cada día
y rebañar a solas
la miel del desencanto,
la rebanada fría del dolor.
Dentro de tu edifício
hay una vibración imperceptible
que avanza sin querer,
como un desprendimento
de nieve encadenada
que quisiera cegar la oscuridad.
Es el frágil temblor
de un alud que iniciara
su descenso,
la quemadura blanca
de una noche interior que se vacía
en el mismo momento en que la nieve
desbroza su letargo,
su breve oscuridad,
y una niña olvidada
sostiene en algún mundo una cerilla,
minúscula claridade
que emana de la sombra y del silencio.
La clarividencia de la noche
borra los espejismos de la luz.
Ya sólo es cierto
que esa luz nos obliga
a descalzar el alma,
a contemplar por fin
la otra claridad,
aquella que se esconde tras la luz.
 

Rosana Acquaroni

[Trianarts

 

 

Há um tempo
em que a lenha arde no paraíso
climatizado
dos seres prudentes.
Num mundo sensato
comedido
onde nada de novo é já necessário.
Um momento preciso
para voltar a casa em cada dia
e arrebanhar a sós
o mel do desencanto,
a rabanada fria da dor.
Dentro de casa
há uma vibração imperceptível
que avança sem querer,
como um desprendimento
de neve acorrentada
que quisesse cegar a escuridão.
É o frágil tremor
de uma avalanche que começasse
a abater,
a queimadura branca
de uma noite interior que se esvazia
no momento mesmo em que a neve
estende a sua letargia,
sua breve escuridão,
e uma nina esquecida
segura nos dedos um fósforo,
claridade mínima
que emana da sombra e do silêncio.
A clarividência da noite
apaga as miragens da luz.
E é verdade apenas
que essa luz nos obriga
a descalçar a alma,
a contemplar por fim
a outra claridade,
aquela que se oculta por detrás da luz.

(Trad. A.M.)

 

16.8.22

Eugénio de Andrade (Balança)





BALANÇA

 

No prato da balança um verso basta
para pesar no outro a minha vida.

 
Eugénio de Andrade

 .

14.8.22

José Agustín Goytisolo (O único sentido da história)




O ÚNICO SENTIDO DA HISTÓRIA 

 

Ao escolher caminho num cruzamento 
e avançar por aí,
ficam para trás as mil outras
possibilidades desde o ponto de partida. 

Tal como um homem sozinho,
a humanidade como conjunto 
vai entre pactos e revoluções 
avançando ao acaso
no seu longo e incerto percurso. 

Determinista ou não, 
o único sentido da história 
é como a viagem num caminho de ferro pela selva
que desaparece no solo, impedindo o regresso.
 

José Agustín Goytisolo 

(Trad. A.M.)

 .

13.8.22

Raúl Nieto de la Torre (Jovens poetas do reino)




JÓVENES POETAS DEL REINO

 

Hay un altar en una plaza pública
donde se sacrifica a los jóvenes poetas del reino
que aún no han cumplido veinte años.
Se les dan los mejores alimentos.
Se les cubre de flores.
Se les unta con brea.
Se les quema delante de sus padres y amigos.
Yo no sé quién dispone ese altar en la plaza
ni quién quiere quitarnos su alegría.
Los amamos profundamente.
Los recordamos más por el silencio
que dejan como un sueño inagotable
que por los versos, pocos, que escribieron.
Los olvidamos enseguida.


Raúl Nieto de la Torre

 

 

Há um altar na praça pública
onde são sacrificados os jovens poetas do reino
que têm menos de vinte anos.
Dão-lhes o melhor alimento,
cobrem-nos de flores,
untam-nos de breu,
queimam-nos em frente dos pais e amigos.
Eu não sei quem ergueu na praça o altar
e nos quer tirar a sua alegria.
Amamo-los profundamente,
lembramo-los mais pelo silêncio
que deixam como um sonho inesgotável
do que pelos versos, poucos, que escreveram.
Depois esquecemo-los.
 

(Trad. A.M.)


.

11.8.22

Ana Martins Marques (O que eu sei?)




 O QUE EU SEI?


Sei poucas coisas sei que ler
é uma coreografia
que concentrar-se é distrair-se
sei que primeiro se ama um nome sei
que o que se ama no amor é o nome do amor
sei poucas coisas esqueço rápido as coisas
que sei sei que esquecer é musical
sei que o que aprendi do mar não foi o mar
que só a morte ensina o que ela ensina
sei que é um mundo de medo de vizinhança
de sono de animais de medo
sei que as forças do convívio sobrevivem no tempo
apagando-se porém
sei que a desistência resiste
que esperar é violento
sei que a intimidade é o nome que se dá
a uma infinita distância
sei poucas coisas

Ana Martins Marques

 

>>  Singularidade (15p) / Tudo é poema (15p) / Antonio Miranda (10p) / Lyrik-line (9p) / Ruído manifesto (7p) /  Wikipedia

 .

9.8.22

Luis Rosales (Crescendo para a terra)



CRECIENDO HACIA LA TIERRA

 

Cuando llegue la noche y sea la sombra un báculo,
cuando la noche llegue tal vez el mar se habrá dormido,
tal vez toda su fuerza no le podrá servir para mover sólo un grano de arena,
para cambiar de rostro una sonrisa,
y quizá entre sus olas podrá nacer un niño
cuando llegue la noche.
Cuando la noche llegue y la verdad sea una palabra igual a otra,
cuando todos los muertos cogidos de la mano
formen una cadena alrededor del mundo,
quizás los hombres ciegos comenzarán a caminar
como caminan las raíces en la tierra sonámbula;
caminarán llevando un mismo corazón de mano en mano,
y cuando al fin se encuentren
se tocarán los rostros y los cuerpos en lugar de llamarse por sus nombres,
y sentirán una fe manual repartiendo entre todos su savia,
y crecerán los muertos y los vivos,
unos dentro de otros
hasta formar un solo árbol que llenará completamente el mundo,
cuando llegue la noche.

Luis Rosales

[Trianarts]


 

Quando a noite vier e a sombra for um cajado,
quando a noite vier já o mar estará dormindo,
talvez a força não lhe sirva
para mover sequer um grão de areia,
ou tirar do rosto um sorriso,
e uma criança nascerá acaso das suas ondas,
quando a noite vier.
Quando a noite vier e a verdade for
uma palavra como outra qualquer,
quando os mortos de mão dada
formarem uma cadeia à roda do mundo,
talvez os cegos comecem a andar
como andam as raízes na terra sonâmbula;
andarão com um só coração passado de mão em mão,
e quando por fim se encontrem
tocar-se-ão no rosto e no corpo
em vez de se chamarem pelo nome,
e sentirão uma fé manual repartindo a seiva por todos,
e crescerão os mortos e os vivos,
uns dentro de outros,
até formarem uma só árvore
que há-de encher o mundo todo,
quando a noite vier.


(Trad. A.M.)

.

8.8.22

Luis Alberto de Cuenca (A ferida)



 

LA HERIDA


Nada, ni el sordo horror, ni la ruidosa
verdad, ni el rostro amargo de la duda,
ni este incendio en la selva de mi cuerpo
que amenaza con no extinguirse nunca,
ni la terrible imagen que golpea
mis ojos y tortura mi cerebro,
ni el juego cruel, ni el fuego que destruye
esa otra imagen de armonía y fuerza,
ni tus palabras, ni tus movimientos,
ni ese lado salvaje de tu calle,
impedirán que encienda en tu costado
la luz que da la vida y da la muerte:
tarde o temprano sangrará tu herida,
y no será momento de hacer frases.
 

Luis Alberto de Cuenca
 

 

Nada, nem o surdo horror, nem a ruidosa
verdade, nem o rosto amargo da dúvida,
nem este incêndio na selva do meu corpo
que ameaça não apagar-se nunca,
nem a terrível imagem que agride
meus olhos e me tortura o cérebro,
nem a cruel brincadeira, nem o fogo que destrói
essa outra imagem de força e harmonia,
nem tuas palavras, teus movimentos,
nem esse lado selvagem da rua,
impedirão que eu te acenda nas costas
a luz que dá a vida e dá a morte:
cedo ou tarde tua ferida sangrará
e não adiantará então falar por falar.


(Trad. A.M.)

.

6.8.22

Manuel Alegre (País)




PAÍS 

 

Não sei se sem poemas há país
ou se sem eles se perde o pé a fé e até
esse país que está onde se diz
Ai Deus e u é? 

Alguns julgam que é tanto vezes tanto
capital a multiplicar por capital
país é um café e a mesa a um canto
onde um poeta sonha e escreve e é Portugal. 

Levantou-se a velida levantou-se a alva.
Por mais que o mundo nos oprima e nos esprema
há sempre um poema que nos salva
país é onde fica esse poema.


MANUEL ALEGRE
Nada Está Escrito
(2012)

 .

4.8.22

Juan L. Ortiz (Alma, não te detenhas)




NO TE DETENGAS ALMA sobre el borde
de esta armonía
que ya no es sólo de águas, de islas y de orillas.
¿De qué música? 

¿Temes alma que sólo la mirada
haga temblar los hilos tan delgados
que la sostienen sobre el tiempo
ahora, en este minuto, en que la luz
de la prima tarde
ha olvidado sus alas
en el amor del momento
o en el amor de sus propias dormidas criaturas:
las aguas, las orillas, las islas, las barrancas de humo lueñe?
¿O es que temes, alma, su silencio,
o acaso tu silencio?
Serénate, alma mía, y entra como la luz
olvidada, hasta cuándo?
en este canto tenue, tenuísimo, perfecto.


Juan L. Ortiz

 

Alma, não te detenhas à beira
desta harmonia
que não é já só de águas, ilhas e margens.
De que música?

Temes tu, alma, que só o olhar
faça tremer os delgados fios
que a seguram sobre o tempo
agora, neste instante, em que a luz
da tarde esqueceu as asas
no amor do momento
ou no amor de suas próprias criaturas,
as águas, as margens, as ilhas, os barrancos de fumo distante?
Ou será que temes, alma, o seu silêncio,
ou talvez o teu silêncio?
Sossega, alma minha, e penetra
como a luz olvidada, até quando?
neste canto ténue, tenuíssimo, perfeito.


(Trad. A.M.)

.

3.8.22

Antonio Machado (Meu pai)




MI PADRE


Ya casi tengo un retrato  
de mi buen padre, en el tiempo,  
pero el tiempo se lo va llevando. 

Mi padre, cazador, – en la ribera  
de Guadalquivir ¡en un día tan claro! –  
– es el cañón azul de su escopeta  
y del tiro certero el humo blanco!  

Mi padre en el jardín de nuestra casa,  
mi padre, entre sus libros, trabajando.  

Los ojos grandes, la alta frente, 
el rostro enjuto, los bigotes lacios. 
Mi padre escribe (letra diminuta-) 
medita, sueña, sufre, habla alto.  

Pasea – oh padre mío ¡todavía  
estás ahí, el tiempo no te ha borrado!  
Ya soy más viejo que eras tú, padre mío, cuando me besabas.  
Pero en el recuerdo, soy también el niño que tú llevabas de la mano.  
Muchos años pasaron sin que yo te recordara, padre mío!  
¿Dónde estabas tú en esos años?”  


Antonio Machado 

[La ceniza en los dientes del lobo]

 

 

Tenho já quase o retrato
de meu pai, com o tempo,
mas o tempo vai-o levando.

Meu pai, caçador - nas margens
do Guadalquivir, um dia muito claro -
o cano azul da espingarda
e o fumo branco de um tiro certeiro.

Meu pai no jardim de nossa casa, 
meu pai, entre os seus livros, a trabalhar.

Olhos grandes, a testa alta,
o rosto enxuto, bigode liso.
Meu pai escreve (letra miúda-)
medita, sonha, sofre, fala alto.

Passeia - ah, meu pai, ainda estás aí,
o tempo não te apagou!
Eu sou já mais velho do que tu eras,
meu pai, quando me beijavas.
Mas na lembrança sou também o menino
que tu levavas pela mão.
Muitos anos passaram, meu pai, sem eu te lembrar!
Onde estavas tu, nesses anos?

(Trad. A.M.)

 .

1.8.22

Cristovam Pavia (Estertor)




ESTERTOR

 

Há momentos em que o canto não redime 
A vida cansada, vazia de amor e de esperança. 
Há momentos em que as palavras se desfazem na garganta 
E os braços tombam 
E os olhos secam.


Cristovam Pavia

 .