30.9.21

Ángel Campos Pámpano (Próximo do que importa-I)




CERCANO A LO QUE IMPORTA (I)               

                                                                                                                        


Como una flor sorprendida en medio del desierto se nos revela la sombra audaz de un cuerpo perdido en la enramada, deslumbrada materia que es casi un sollozo, un advenimiento, puro lenguaje en el verde paraíso de los sueños.

 Su pureza es la del desierto, la de la sal dispersa, que el destino del hombre desconoce, el precario equilibrio de la tierra que aspira a lo más simple, al mismo corazón de lo inmediato.

  Arde, honda, como una  brasa su desnudez definitiva, su desnudez irremediable y sola.


Ángel Campos Pámpano

 

 

Como flor surpreendida em pleno deserto, revela-se a sombra audaz de um corpo perdido na ramaria, deslumbrada matéria, quase um soluço, um acontecimento, pura linguagem no paraíso verde dos sonhos.

Sua pureza é a do deserto, a do sal disperso, que o destino do homem desconhece, o precário equilíbrio da terra, que aspira ao mais simples, ao próprio coração do imediato.

Arde, funda, como uma brasa sua nudez definitiva, sua nudez irremediável, solitária.


(Trad. A.M.)


>>  Fundacion Alambique (8p) / Poetas y poemas (9p) /  Trianarts (30 p) / La influencia de la poesia portuguesa...

.

29.9.21

Santiago Aguaded Landero (Miserável n.º 1)




MISERABLE Nº 1 «AU CARREFOUR DES CLOCHARDS»

 

¿QUÉ HAGO yo aquí?

En el Carrefour de la imagen, mis ojos vidriosos, mi mejilla muerta. Vengo para extender mi mano a la dádiva. Mas también es el momento de escribir esa epopeya moderna de la miseria. Hay que extraer la luz de lo oscuro, de los papeles sus palabras y de las voces sus silencios. Acaso no exista mayor poder que el de crear la mentira más viva, la que destruye la muerte. Contra el sistema que nos somete, mansedumbre (pero sin obediencia); contra la transparencia que nos engaña, sombra; contra la palabra prostituida, la palabra percutida: he aquí la belleza de un mundo que muere y sin embargo nos sonríe.


Santiago Aguaded Landero

 

 

O que faço eu aqui?

No Carrefour da imagem, meus olhos vidrados, minha face morta. Aqui estou para estender a mão à dádiva. Mas é também a hora de escrever a epopeia moderna da miséria. Há que extrair a luz da escuridão, dos papéis as palavras e das vozes os silêncios. Talvez o poder maior seja o de criar a mentira mais viva, aquela que destrói a morte. Contra o sistema que nos oprime, mansidão (mas sem obediência; contra a transparência que nos ilude, sobra; contra a palavra prostituída, a palavra percutida; eis aqui a beleza de um mundo que morre e apesar disso nos sorri.


(Trad. A.M.)

.

27.9.21

António Cabral (Vista parcial)




VISTA PARCIAL DUMA ALDEIA DURIENSE

 

Há nesta aldeia oitocentas almas,
mas vinte, pelo menos, têm o corpo
lá longe em terras de África. É a guerra.
As cartas vão chegando como sopros.

Chegam as cartas e algumas notas de banco.
O sô Manso já comprou um fogão a gás.
Enquanto o filho arrisca a pele, ele
vive um pouco melhor. Coisas da paz.

De lá perguntam como vai a cava,
se as raparigas têm paciência, claro!,
se o vinho é bom, se os filhos obedecem.

Aqui, o dia vem depois da noite,
mastigam-se as ideias com o caldo
e, às vezes, as mulheres empalidecem.


ANTÓNIO CABRAL
Os Homens cantam a Nordeste
(1967)


.

25.9.21

Antonio Deltoro (Sobrevivência)




SOBREVIVENCIA



Una vez viste la verdad,
ya no te acuerdas.

Llueve
y sonríes
al sentir la lluvia
que, muchos años después,
sigue cayendo.

Qué maravilla reducirse,
concentrarse,
no salir,
no abarcar,
quedarse con la lluvia,
no con el trueno y el rayo
que enceguecen
al oído y al ojo

cuando caen
juntos, los dos,
al mismo tiempo.

Antonio Deltoro

 

Uma vez viste a verdade,
já te não lembras.

Chove
e sorris
ao sentir a chuva,
que continua a cair
muitos anos depois.

Que maravilha encolher,
concentrar-se,
não sair,
não abarcar,
ficar com a chuva,
não com o trovão e o raio
que cegam
vista e ouvido

quando caem
os dois, juntos,
ao mesmo tempo.


(Trad. A.M.)


>>  Lexia (9p) / Letras libres (9p) / UNAM (4p) / Revista (colaborações) / Wikipedia

 .

22.9.21

Amadeu Baptista (Outra vez a chuva)




OUTRA VEZ A CHUVA



Outra vez a chuva, outra vez este
Charco de mágoa que suja o espírito
E esta lâmina cravada nas espáduas,
Esta vicissitude que não cessa

E amarga as noites e os dias.
Outra vez esta fantasmagoria
De espectros a perseguir-me,
Esta barbárie que a dor e a nostalgia

Ampliam sobre os meus ombros.
Desta vertigem não hei-de sair vivo.
Feneço nesta vida entristecida que a cada

Instante se apaga pela tua ausência.
Outra vez chuva, outra vez este
Navio que parte e não regressa.


 Amadeu Baptista

.


20.9.21

Alejandra Pizarnik (O despertar)




EL DESPERTAR 

 

Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
y se ha volado
y mi corazón está loco
porque aúlla a la muerte
y sonríe detrás del viento
a mis delirios

Qué haré con el miedo
Qué haré con el miedo

Ya no baila la luz en mi sonrisa
ni las estaciones queman palomas en mis ideas
Mis manos se han desnudado
y se han ido donde la muerte
enseña a vivir a los muertos

Señor
El aire me castiga el ser
Detrás del aire hay monstruos
que beben de mi sangre

Es el desastre
Es la hora del vacío no vacío
Es el instante de poner cerrojo a los labios
oír a los condenados gritar
contemplar a cada uno de mis nombres
ahorcados en la nada.

Señor
Tengo veinte años
También mis ojos tienen veinte años
y sin embargo no dicen nada

Señor
He consumado mi vida en un instante
La última inocencia estalló
Ahora es nunca o jamás
o simplemente fue

¿Cómo no me suicido frente a un espejo
y desaparezco para reaparecer en el mar
donde un gran barco me esperaría
con las luces encendidas?

¿Cómo no me extraigo las venas
y hago con ellas una escala
para huir al otro lado de la noche?

El principio ha dado a luz el final
Todo continuará igual
Las sonrisas gastadas
El interés interesado
Las preguntas de piedra en piedra
Las gesticulaciones que remedan amor
Todo continuará igual

Pero mis brazos insisten en abrazar al mundo
porque aún no les enseñaron
que ya es demasiado tarde

Señor
Arroja los féretros de mi sangre

Recuerdo mi niñez
cuando yo era una anciana
Las flores morían en mis manos
porque la danza salvaje de la alegría
les destruía el corazón

Recuerdo las negras mañanas de sol
cuando era niña
es decir ayer
es decir hace siglos

Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
y ha devorado mis esperanzas

Señor
La jaula se ha vuelto pájaro
Qué haré con el miedo

Alejandra Pizarnik

[Apología de la luz]

 

 

Senhor
A jaula tornou-se pássaro
e ergueu voo
e meu coração enlouqueceu
porque uiva à morte
e sorri a meus delírios
por trás do vento

Que hei-de fazer com o medo
Que hei-de fazer com o medo

Não baila já a luz em meu sorriso
nem as estações queimam pombas na minha ideia
Minhas mãos ficaram nuas
e foram para onde a morte
os mortos ensina a viver

Senhor
O ar castiga meu ser
Por trás do ar há monstros
que bebem do meu sangue

É o desastre
É a hora do vazio no vazio
É o momento de cerrar os lábios
ouvir gritar os condenados
contemplar cada um de meus nomes
enforcados no nada

Senhor
Tenho vinte anos
Meus olhos têm vinte anos também
e contudo não dizem nada

Senhor
Consumei minha vida num instante
A última inocência estourou
Agora é nunca ou jamais
ou simplesmente já foi

Como é que não me suicido diante do espelho
e desapareço para reaparecer no mar
um grande barco me esperando aí
com as luzes acesas?

Como é que não me arranco as veias
e faço uma escada com elas
para fugir para o outro lado da noite?

O princípio deu à luz o fim
tudo continuará igual
os sorrisos gastos
o interesse interessado
as perguntas de pedra em pedra
os gestos a arremedar amor
tudo continuará igual

Meus braços insistem porém em abraçar o mundo
porque ainda não aprenderam
que é já tarde demais

Senhor
Tira os caixões do meu sangue

Recordo a infância
quando eu era velhinha
As flores morriam-me na mão
porque a dança selvagem da alegria
destruía-lhes o coração

Recordo as negras manhãs de sol
quando era menina
quer dizer ontem
quer dizer há séculos

Senhor
A jaula tornou-se pássaro
e devorou-me a esperança

Senhor
A jaula tornou-se pássaro
Que hei-de eu fazer com o medo?

 

(Trad. A.M.)

 . 


19.9.21

Aldo Luis Novelli (Salto)




SALTO 

 

el error 
no es saltar al vacío
desde la cornisa de la palabra 

sin una red que contenga
frases gastadas y sintagmas sin fe. 

el error es creer
en la gloria de ese salto.

Aldo Luis Novelli

 

o erro 
não é saltar para o vazio
da cornija da palavra 

sem uma rede de palavras
gastas e sintagmas sem fé. 

o erro é crer
na glória desse salto.

(Trad. A.M.)

 .

17.9.21

Manuel António Pina (O lado de fora)




O LADO DE FORA



Eu não procuro nada em ti,
nem a mim próprio, é algo em ti
que procura algo em ti
no labirinto dos meus pensamentos. 

Eu estou entre ti e ti,
a minha vida, os meus sentidos
(principalmente os meus sentidos)
toldam de sombras o teu rosto. 

O meu rosto não reflete a tua imagem
o meu silêncio não te deixa falar,
o meu corpo não deixa que se juntem
as partes dispersas de ti em mim. 

Eu sou talvez
aquele que procuras,
e as minhas dúvidas a tua voz
chamando do fundo do meu coração.

Manuel António Pina

 .

15.9.21

Vicente Luis Mora (Testemunhos)




TESTIMONIOS

 

He visto un hombre limpiando su coche un día de lluvia, a las doce de la noche.
He visto a los gatos andando hacia atrás, erizados ante la forma de la nada.
He visto los ojos de un icono ruso observando el crecimiento del tiempo.
He visto a un poeta desesperado por escapar de la palabra celeste.
He visto a mujeres combadas de dolor por un presagio.
He visto un ahorcado balanceándose levemente por el viento.
He visto a un potrillo salir al mundo sobre el heno, con el rostro triste.
He visto olas que no llegaban a romper, y regresaban.
He visto niños intentando recomponer a las hormigas rotas.
He visto a borrachos seguir bebiendo para perder el sentido. Todo sentido.
He visto a una mujer llorando de alegría, mientras miraba a su hombre.
He visto rectas circulares en carreteras infinitas.
He visto a pescadores acariciando el mar.
Y yo era el hombre.


Vicente Luis Mora

 

 

Eu vi um homem a lavar seu carro num dia de chuva, às doze da noite
Eu vi os gatos a andar ao para trás, o pêlo eriçado ante a forma do nada
Eu vi os olhos de um ícone russo a observar o crescimento do tempo
Eu vi um poeta desesperado por escapar à palavra celeste
Eu vi mulheres curvadas de dor por um presságio
Eu vi um enforcado a balouçar com o vento
Eu vi um potro vir ao mundo sobre o feno, com o rosto triste
Eu vi ondas que não rebentavam, e voltavam para trás
Eu vi crianças tentando recompor formigas desfeitas
Eu vi borrachos continuar a beber para perder o sentido. Todo o sentido
Eu vi uma mulher chorar de alegria, a olhar para o seu homem
Eu vi rectas circulares em estradas sem fim
Eu vi pescadores a fazer festas ao mar
E eu era o homem


(Trad. A.M.)

 .

14.9.21

Vicente Gallego (A página)




LA PÁGINA

 

Estáis las dos ahí,
en la terraza, justo
donde no rige el tiempo,
bajo una luz de hilo,
entre las hojas verdes
y los renuevos rojos.

Esa mujer, la niña
dejándose peinar,
las manos blancas
sobre el caudal oscuro,
el sol allí pasmado,
el aire entre las hebras
detenido, la página
escribiéndose,
conteniendo el aliento.


Vicente Gallego

[JAFS]

 

 

Eis-vos aí as duas,
no terraço, mesmo
onde o tempo não reina,
sob uma luz de fio,
entre a folhagem verde
e os rebentos vermelhos.

A mulher, a jovem
a deixar-se pentear,
as mãos brancas
sobre a cabeleira escura,
o sol ali pasmado,
o ar suspenso,
a página a escrever-se,
contendo a respiração.


(Trad. A.M.)

,

12.9.21

Tanussi Cardoso (Sobre o ofício)




SOBRE O OFÍCIO

  

escrever

deixar-se ir
a um pântano que não
se conhece
o fundo nem o gosto

di/lu/ir/se 

a pele secar ao sol
unhas e dentes

a/bis/mar/se 

espanto e
perigo de queda

entregar-se ao
terremoto que vem
do tremor de si mesmo

de/sis/tir/se

 não resistir
ao abandono
dos cabelos

dis/sol/VER-SE


Tanussi Cardoso


>>  Tanussi Cardoso (sítio of) / Antonio Miranda (7p)

  .

10.9.21

Vanesa Pérez-Sauquillo (A armadilha do telefone)




LA TRAMPA DEL TELÉFONO

 

Éste es mi contestador automático.
Para herir, simplemente, marque 1.
Para contar mentiras que me crea, marque 2.
Para las confesiones trasnochadas, marque 4.
Para interpretaciones literarias
producto del alcohol, marque 6.
Para poemas, marque almohadilla.
Para cortar definitivamente la comunicación,
no marque nada, pero tampoco cuelgue,
titubee en el teléfono
(a ser posible durante varios meses)
hasta que note que voy abandonando el aparato
a intervalos de tiempo cada vez más largos.
No desespere. Aguante.
Espere a que sea yo la que se rinda.
Le evitará cualquier remordimiento.
Gracias.

 
Vanesa Pérez-Sauquillo

[Emma Gunst]

 

  

Aqui atendedor automático.
Para ferir, apenas, marque 1,
para contar mentiras que eu creia, marque 2,
para as confissões tresnoitadas, marque 4,
para interpretações literárias
fruto do álcool, marque 6.
Para poemas, marque cardinal.
Para cessar a comunicação,
não marque nada, mas não desligue,
titubeie ao telefone
(por vários meses, se possível)
até notar que eu vou deixando o aparelho
por períodos cada vez mais longos.
Não desespere, aguarde.
Espere que seja eu a render-me,
evitará qualquer remorso.
Bem-haja.

 
(Trad. A.M.)

.


9.9.21

Valeria Pariso (Adoram ver sangue)



Los curiosos buscan ver sangre.
Frenan el auto a 100 kilómetros por hora
en la autopista para ver al muerto.

Por eso me miran cuando camino.

Toda yo debajo de su desamor
voy deshaciéndome a pie
de regreso a mi casa.

 

Valeria Pariso


 

Adoram ver sangue, os curiosos.
Travam o carro a 100km por hora
na auto-estrada para ver o morto.

Por isso me olham quando eu passo.

Toda eu com seu desamor
vou-me desfazendo a pé
de regresso a casa.

 

(Trad. A.M.)

 .


7.9.21

Salvatore Quasimodo (Agora que nasce o dia)




ORA CHE SALE IL GIORNO

 

Finita è la notte e la luna
si scioglie lenta nel sereno,
tramonta nei canali.

È così vivo settembre in questa terra
di pianura, i prati sono verdi
come nelle valli del sud a primavera.
Ho lasciato i compagni,
ho nascosto il cuore dentro le vecchi mura,
per restare solo a ricordarti.

Come sei più lontana della luna,
ora che sale il giorno
e sulle pietre bette il piede dei cavalli!


Salvatore Quasimodo

 

 

Fina-se a noite e a lua
dissolve-se no sereno lentamente,
perdida entre os canais.

É tão vivo Setembro nesta terra
de planuras, os campos tão verdes
como nos vales do sul na Primavera.
Deixei os companheiros,
guardei o coração dentro dos velhos muros,
para ficar aqui só a recordar-te.

Comos estás mais distante que a lua,
agora que nasce o dia
e o tropel dos cavalos ressoa na calçada.


(Trad. A.M.)

.

5.9.21

Susana Benet (Haikus)




HAIKUS

  

(1)

Un surtidor
en medio del estanque.
No duerme el água.

 

Um repuxo
no meio do lago.
A água não dorme.

 

 

(2)

En el instante
en que miré la rama,
cayó una flor.

 

No instante
em que mirei o ramo,
uma flor caiu.


Susana Benet

.

4.9.21

Santiago Aguaded Landero (Sonho n.º 26)




SUEÑO Nº 26  (EL ASNO LITERARIO)

 

A LOS QUE AMAMOS los libros,
nos sienta bien una llaga, un dolor externo.

¿Qué hago si soy un asno indigente de las letras? Apenas salgo del Carrefour. Leo mucho y escribo más. Ella siempre está desnuda en mis sueños. Sólo un ciego podría ver la usura de este amor. Con cada verso que escribo siento la urgencia del cero. Y sé que la nada acecha en la luna del sueño, pero allí están tus piernas de coral y las miro y las beso antes del amanecer. ¿Qué hago que no hagan los demás? Busco el mirlo en la incandescencia de tus labios. Busco tu piel ungida por la tristeza de las serpientes de SAL. Busco el sur, el verdadero, en el calor inconfesable de tu corazón, pero mi sueño vive debajo de tus párpados. Si soy tan diferente, ¿por qué me parezco tanto a ti?

 

Santiago Aguaded Landero

 

A nós que amamos os livros,
fica-nos bem uma chaga, uma dor externa.

O que é que eu faço, sendo um asno indigente das letras?  Mal saio do Carrefour. Leio muito e escrevo ainda mais. Ela nos meus sonhos está sempre nua. A usura deste amor só um cego poderia vê-la. Com cada verso que eu escrevo sinto a urgência do zero. E sei que o nada espreita na lua do sonho, mas aí comparecem tuas pernas de coral e eu contemplo-as e beijo-as antes de amanhecer. O que é que eu faço que os outros não façam? Um melro busco na incandescência de teus lábios. Busco a tua pele ungida pela tristeza das serpentes de SAL. Busco o sul, o verdadeiro, no calor inconfessável do teu peito, mas meu sonho vive sob as tuas pálpebras. Sendo eu tão diferente, porque me pareço contigo?


(Trad. A.M.)


>>  Poetas siglo XXI (7p) / Voces del extremo (5p) / Letralia (3p) 

.


2.9.21

A.M.Pires Cabral (Seara)





SEARA
 
 

Qualquer lugar onde tenha havido trigo
guarda sempre dele algum sinal
que não deixa esquecer a antiga seara
— aquela que ondulava aos ventos de Maio,
igual a um rebanho verde subindo encosta acima,
sem pastor nem cães para o guiar.
(Quem precisa de guias quando é Maio?)
Talvez se trate de uma questão de cheiro.
Ou de algum outro sentido
que ainda está por identificar.
Ou de uma espécie ignorada de memória
que se agarra ao lugar e nele persiste.
Seja o que for,
anda ainda no ar a presença de espigas
mesmo quando o desuso as expulsou
e ervas bravias lhes tomaram o lugar
— e por isso tanto nos magoa
toda a terra de que lavoura alguma
já não extrai o pão.
 
 
A.M.Pires Cabral

.