31.5.22

Kirmen Uribe (Amor secreto)




AMOR SECRETO



Yo también tuve un amor secreto, 
a la edad de siete u ocho años. Ella no sabía nada.
Nunca le dije nada.
Una sonrisa era nuestro único puente.

Hace poco soñé con ella.
Guirnaldas, caballos azules de correaje dorado. 
Me llevó a un rincón y me preguntó:
«¿Te ha ido bien por el mundo?»
«¿Has tenido suerte?»
Creo que le dije que no.
Antes de caer al abismo, me dijo:
«Siempre he sabido que me querías».

No sé si es lícito volver atrás,
si podemos escoger otra vez
en el cruce el camino que dejamos de lado. 
Pero es cierto que de vez en cuando
lo que sentimos en el pasado se vuelve real, 
aunque sea por un momento.

Una semana desde el sueño
nos topamos en la calle.
Guirnaldas, caballos azules de correaje dorado.
La conversación no tuvo 
nada que ver con el sueño.
Como años atrás 
sólo una sonrisa,
no le dije nada.


Kirmen Uribe

 [La ceniza]

 

Também eu tive um amor secreto,
aí com sete ou oito anos. Sem ela saber,
já que nunca lhe disse nada.
Um sorriso era a nossa única ponte.

Sonhei com ela há pouco,
grinaldas, cavalos azuis com correias douradas.
Ela puxa-me para um canto e pergunta:
‘Tudo bem contigo,
tiveste sorte na vida’?
Respondi que não, creio,
e ela, antes de cair no abismo, disse:
‘Soube sempre que me querias!’

Eu não sei se é permitido voltar atrás,
se podemos escolher de novo
na encruzilhada o caminho que rejeitámos.
Mas é verdade que de vez em quando
o que sentimos no passado torna-se real,
mesmo que seja por um momento.

Uma semana depois do sonho
encontrámo-nos na rua:
grinaldas, cavalos azuis de correias douradas.
A conversa não teve 

nada a ver com o sonho,

como uns anos antes 

apenas um sorriso,

não lhe disse nada.

(Trad. A.M.)

 .

30.5.22

Cecília Casanova (Diz-me)




Dime
que no estás sordo
a los pájaros
que cantan como locos
a tres días de tu muerte
que aún no has podido
comunicarte conmigo
pero que lo harás
cuando te sea posible.


Cecilia Casanova

 

 

Diz-me
que não estás surdo
para os pássaros
que cantam como loucos
a três dias da tua morte
que não pudeste ainda
comunicar-te comigo
mas que o vais fazer
logo que puderes.


(Trad. A.M.)


>>  Sureando (>71p) / Fausto Marcelo (25p) / Letras (20p) / Periodico de poesia (7p) / Memoria chilena (autobio)

.



28.5.22

Alexandre O' Neill (A história da moral)




A HISTÓRIA DA MORAL

 

Você tem-me cavalgado,
seu safado!
Você tem-me cavalgado,
mas nem por isso me pôs
a pensar como você.

Que uma coisa pensa o cavalo;
outra quem está a montá-lo.

Alexandre O’Neill

 .

26.5.22

Marta López Vilar (Transformação)




TRANSFORMACIÓN

 

Ninguna huella queda ya entre la nieve.
Tampoco quedará su frío cuando el sol la toque
para convertirla en agua que, de tan pura, dolerá en los labios.

Y yo la beberé.

La luz matará esta memoria blanca.
No será el mar ni el plomo oscuro de la noche,
sino el cuerpo desnudo de la aurora,
cada día.
No quedarán ni las sombras
y todo se irá lentamente por el río,
se limpiará de nombres y de barro,
y no sabré quién soy
cuando anochezca.

 

Marta López Vilar

 

 

Nenhuma pegada resta já sobre a neve.
Tão pouco sobrará o frio quando lhe der o sol
para a fazer em água, que doerá nos lábios, de tão pura.

E eu hei-de bebê-la.

A luz matará esta recordação branca.
Não será o mar nem o chumbo escuro da noite,
mas o corpo desnudo da aurora,
cada dia.
Não ficarão sequer as sombras
e tudo levará o rio lentamente,
limpo de nomes e de lama,
e nem eu saberei quem sou
quando anoitecer.


(Trad. A.M.)

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25.5.22

Pablo Albornoz (No asfalto)





en el asfalto
hay sapos aplastados
bajo la lluvia

Pablo Albornoz



no asfalto
há sapos esmagados
sob a chuva 


(Trad. A.M.)

23.5.22

A.M.Pires Cabral (Douro, S.A.)




DOURO, S. A.

 

Três sócios. 

Deus entrou com o xisto, 
a meteorologia
e a Vitis vinifera.
O inglês (e similares),
com o paladar e o talento
colonizador.
O indígena, com os braços, com as mãos, 
com as unhas (para arrebunhar a terra
em momentos de maior lucidez), 
com as glândulas sudoríparas 
– e muitas vezes com o corpo todo. 

Investimento
equitativamente repartido,
como se vê.
(Os dividendos é que nem por isso.) 

Depois os poetas, como aqueles sujeitos
que entram nas festas sem convite,
ou talvez melhor: como ratos,
vêm às migalhas do banquete.

Deus acha bem as incursões dos ratos.  
O indígena não acha bem nem mal.
O inglês e similares acham que, 
roendo os ratos a parte meramente 
imaterial – por definição inconsumptível –
não merece a pena investir
em raticidas nem em ratoeiras,
nem sequer em gatos. 

Afinal de contas, a beleza 
do Douro é um recurso renovável.
Deixá-los comer, coitados. Também 
os ratos precisam de viver.
 

A.M.Pires Cabral

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21.5.22

Oscar Hahn (Televidente)




TELEVIDENTE 


Aquí estoy y otra vez de vuelta
en mi cuarto de Iowa City
 
Tomo a sorbos mi plato de sopa Campbell
frente al televisor apagado
 
La pantalla refleja la imagen
de la cuchara entrando a mi boca
 
Y soy el aviso comercial de mí mismo
que anuncia nada a nadie.


Oscar Hahn 




Aqui estou eu de volta outra vez
no meu quarto de Yowa City 

Tomo às colheradas o meu prato de sopa Campbell
diante do televisor desligado 

A pantalha reflecte a imagem
da colher a entrar-me na boca 

E sou o anúncio comercial de mim mesmo 
anunciando nada a ninguém. 

 (Trad. A.M.) 


> Outra versão: O melhor amigo

.

20.5.22

Miquel Martí i Pol (Metamorfose-I)





METAMORFOSE-I

 

De tanto em quando a morte e eu somos um,
comemos o pão da mesma fatia,
bebemos o vinho do mesmo copo
e partilhamos amigavelmente as horas
sem dizer nada, a ler o mesmo livro.

De tanto em quando a morte, a minha morte,
faz-se-me presente quando estou sozinho em casa.
Então falamos tranquilamente
do que vai pelo mundo e das moças
que já não pode haver. Tranquilamente,
falamos a morte e eu destas coisas.

De tanto em quando, só de tanto em quando,
é a morte quem escreve meus poemas,
e quem mos lê, comigo a fazer de morto,
a escutar em silêncio, tal como eu quero
que a morte escute quando for eu a ler.

De tanto em quando a morte e eu somos um,
a minha morte e eu somos um, e o tempo
desfolha-se lentamente e compartimo-lo,
a morte e eu, sem relutância,
dignamente, diríamos, para nos entendermos.

Depois as coisas voltam ao sítio
e cada qual retoma seu caminho.

 

Miquel Martí i Pol

 (Trad. A.M./ sobre versão cast. Joan B. Fort i Olivella)


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16.5.22

Miguel Veyrat (Virá a morte)




[VENDRÁ LA MUERTE]

 

Vendrá la muerte y tendrá
tus ojos
. Y no sabrán los míos mirar hacia qué norte,
hacia qué resplandeciente nada entregar la nueva imagen,
hacia qué pozo.
Cuando la niebla disuelva
mi memoria, miraré
hacia dentro buscando su sentido a las fronteras, a las llamas
y a las rosas. Yo mismo seré
tu última mirada. Con tus propios ojos miraré mi muerte.

Miguel Veyrat



Virá a morte e terá teus olhos. 
E não saberão os meus olhar para que norte,
a que esplendoroso nada entregar a nova imagem,
a que poço.
Quando a névoa me dissolver
a memória, olharei para dentro
buscando o sentido das fronteiras, das chamas 
e das rosas. Eu mesmo serei
teu olhar derradeiro. E com teus próprios olhos
hei-de olhar minha morte.

(Trad. A.M.)

 

>>  Cervantes (perfil/anto/biblio) /  A media voz (21p) / Trianarts  / Wikipedia

.

15.5.22

Hugo Vera Miranda (Nasci num dia equivocado)




Nací un día equivocado.
En un país equivocado.
En una calle equivocada.
Amé a mujeres equivocadas.
Visité bares equivocados y tuve amigos equivocados.

Y así todo se fue dando.
Trenes que no conducían a ninguna parte.
Aviones que no aterrizaban.
Buses que salían fuera de horario.
Barcos que se hundían.

Y así fui por la vida.
Mi equipo favorito pierde.
Los botones de mi camisa desaparecen.
Mi cantante preferido se suicida.
Mi horóscopo indica nubarrones
y la chica que amaba se fue con mi mejor amigo.

En verdad que no sé por qué mierda soy tan feliz.


Hugo Vera Miranda

[Inmaculada decepcion]

 

 

Nasci num dia equivocado,
num país equivocado,
numa rua equivocada.
Amei mulheres equivocadas,
fui a bares equivocados e tive amigos equivocados.

E assim se foi dando tudo,
comboios que não iam a nenhum lado,
aviões que não aterravam,
autocarros saindo fora do horário,
barcos que se afundavam.

E assim fui pela vida,
minha equipa perde,
os botões da camisa vão-se-me,
o meu artista mata-se,
o meu horóscopo indica nuvens
e a miúda que amava fugiu com o meu melhor amigo.

De verdade não sei por que porra sou tão feliz.


(Trad. A.M.)

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13.5.22

Sandro Penna (Era a minha cidade)




Era la mia città, la città vuota
all’alba, piena di un mio desiderio.
Ma il mio canto d’amore, il mio più vero
era per gli altri una canzone ignota.


Sandro Penna

 

 

Era a minha cidade, vazia
ao romper do dia, a transbordar de desejo.
Mas meu canto de amor, 
meu canto mais verdadeiro,
era para os outros uma canção desconhecida.

(Trad. A.M.)

 

 

>>  Rascunho (8p) / Modo de usar (11p) / Poesie d' autore (12p) / Aforisticamente (7p) / Wikipedia

 .

11.5.22

Jaime Sabines (Cobiçada, proibida- II)




COBIÇADA, PROIBIDA- II

 

Cobiçada, proibida,
tão perto que estás, feiticeira, um passo apenas.
Dás-te com os olhos a quem passa,
a quem te mira, madura, derramante,
a quem pede teu corpo como um caixão.
Jovem e maligna, virgem,
incendida, fechada,
estou-te vendo e amando,
teu sangue alvoroçado,
a cabeça girando e subindo,
o corpo horizontal sobre as uvas e o fumo.
És perfeita, desejada,
e eu amo-te a ti como a tua mãe, quando estais juntas.
Ela é bela ainda e tem
aquilo que tu não sabes.
Não sei mesmo qual prefiro,
quando ela te ajeita o vestido
e te larga para tu ires em busca do amor.


(Trad. A.M.)

 .

10.5.22

Mario Montalbetti (Poema em homenagem)




POEMA EN HOMENAJE AL V CONGRESO NACIONAL DE FILOSOFÍA DEL LENGUAJE, HUAMPANÍ 26-28 DE JUNIO DE 2010
 


¿cuál es la diferencia entre una vaca y el lenguaje?

una vaca
¿qué es una vaca?

una vaca pace al lado del camino

el camino da un rodeo
y lleva hasta el granero

la vaca cruza el camino
sin rodeos

el lenguaje no puede hacer eso

 

Mario Montalbetti 

  

qual é a diferença entre uma vaca e a linguagem? 

uma vaca
o que é uma vaca? 

uma vaca pasta ao lado do caminho 

o caminho dá uma volta 
e leva até ao celeiro 

a vaca atravessa o caminho
sem rodeios 

a linguagem não pode fazer o mesmo

 
(Trad. A.M.)

 .

8.5.22

Patrizia Cavalli (Agora, que)




Adesso che il tempo sembra tutto mio
e nessuno mi chiama per il pranzo e per la cena,
adesso che posso rimanere a guardare
come si scioglie una nuvola e come si scolora,
come cammina un gatto per il tetto
nel lusso immenso di una esplorazione, adesso
che ogni giorno mi aspetta
la sconfinata lunghezza di una notte
dove non c’è richiamo e non c’è piú ragione
di spogliarsi in fretta per riposare dentro
l’accecante dolcezza di un corpo che mi aspetta,
adesso che il mattino non ha mai principio
e silenzioso mi lascia ai miei progetti
a tutte le cadenze della voce, adesso
vorrei improvvisamente la prigione.

Patrizia Cavalli

 

 

Agora, que o tempo me parece todo meu
e ninguém me chama para almoço ou jantar,
agora que me posso pôr a ver
como se desfaz uma nuvem ou se descolora,
ou como um gato anda pelo telhado
no luxo imenso de uma exploração, agora
que todos os dias me espera
uma noite muito comprida
sem apelo nem razão já para despir à pressa
e repousar na doçura de um corpo que me espera,
agora que a manhã nunca mais chega
e me deixa entregue aos meus pensamentos,
agora queria assim de repente a prisão.


(Trad. A.M.)

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6.5.22

Miguel Gaya (A mensagem que te vem)




El mensaje que te llega del río no es claro como el agua.
El agua es clara, el mensaje no. Debería serlo,
embebido como está de la gracia y la frescura
que le atribuyes a quien envía el mensaje,
pero entiendes que nada te envía el agua.
Eliges una forma ajena para interrogar
lo que tienes delante,
lo que te preocupa:
esta tarde termina,
el agua canta,
estás feliz y perplejo,
y no sabes muy bien por qué todo huye
y todo perdura
en un lugar de tu mente que también se aleja.


Miguel Gaya

 

 

A mensagem que te vem do rio não é clara como a água.
A água é clara, a mensagem não. Deveria ser,
embebida como está da graça e da frescura
que atribuis a quem te envia a mensagem,
mas entendes que a água nada te envia.
Escolhes uma forma alheia para interrogar
o que tens pela frente,
o que te preocupa:
a tarde termina,
a água canta,
estás feliz e perplexo,
e não sabes muito bem porque é que tudo foge
e tudo perdura
num lugar da mente que também se afasta.


(Trad. A.M.)

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5.5.22

Marta López Vilar (Maresia)




MARESIA

 

Me quedo aquí, hermosa y alegre como me hiciste,
esperando que regreses del mar
y con tu olor me traigas tu presencia y tu comienzo,
tu principio sin fin que me conmueve.


Marta López Vilar

 

 

Aqui me fico, bela e alegre como me fizeste,
esperando que voltes do mar
e com teu cheiro me tragas tua presença
e teu começo,
teu princípio sem fim que me comove.


(Trad. A.M.)


>>  Trianarts (15p) / Nunca llegan tarde las hadas (5p) /  Wikipedia

 .


3.5.22

Nuno Dempster (Meditação sobre o declínio)




MEDITAÇÃO SOBRE O DECLÍNIO



Talvez seja melhor ficarmos longe,
descobrindo sozinhos os contornos
das coisas impassíveis e sem tempo:
a fachada da igreja que em granito
nunca se deu a homens ou a deuses,
gerada, nós sabemos, de pedreiras
e por mãos que morreram posta ali.
Mas os cedros talvez exijam menos,
os cedros que se elevam sobre a igreja:
contemplo-os para lá dos vidros, cedros
sem mais inquietações e sem perguntas
de quem se não contenta só consigo.
Porque ser-se sensato é ver as flores
irem a cor largando até os sonhos
se tornarem o fumo esmaecido
das nossas vidas, glória que foi lume
e que não mais lembramos, afastando
a tentação do tempo, a tentação
de sermos novamente anjos febris
à procura da fé no amor dos corpos
que nos tornava seres inscientes,
rodeados de coisas a nós alheias
e apenas nos servindo de cenário
a gestos que se gastam a si próprios.
E então ficam as flores a esvair-se
e cada um com seus rostos amados
perdidos na memória e com o peso
de enganos já vividos que o presente
não esquece e carrega em nossos ombros.
Alheemo-nos. Nada queiramos.
Digamos com o mestre que os poemas
foram cartas ridículas de amor,
e hoje um extemporâneo e vão delírio.
Nenhum outro destino nos convoca
se afinal o que sobra são poemas.
Quedemo-nos assim. Vês no horizonte
lívido o céu deserto que se assoma?
Não o temes, bem sei: mas concilia-te?
E as flores que se tornam mais presentes
na sua impossível duração,
vais como sempre amá-las? Ou será
uma graça que os anos levarão,
e a sua natureza, o teu desgosto?
- pergunto sem que espere uma resposta
porque sei que o que digas não me acode.
Oxalá envelheças com doçura
e possas a teu modo ser feliz.


Nuno Dempster

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1.5.22

María Zambrano (A água ensimesmada)




El agua ensimismada
piensa o sueña?
El árbol que se inclina buscando sus raíces,
el horizonte,
ese fuego intocado,
¿se piensan o se sueñan?
El mármol fue ave alguna vez;
el oro, llama;
el cristal, aire o lágrima.
¿Lloran su perdido aliento?
¿Acaso son memoria de sí mismos
y detenidos se contemplan ya para siempre?
Si tú te miras, ¿qué queda?

María Zambrano

 

 

A água ensimesmada
pensa ou sonha?
A árvore que se inclina buscando as raízes,
o horizonte,
esse fogo intocado,
pensam-se ou sonham-se?
O mármore algum dia foi ave,
o ouro, chama,
o cristal, ar ou lágrima.
Choram seu perdido alento?
Acaso são memória de si mesmos
e detidos contemplam-se já para sempre?
Se tu te miras, o que é que fica?


(Trad. A.M.)

 .