31.1.20

Joan Margarit (Quatro da manhã)




LAS CUATRO DE LA MADRUGADA



Aúlla el primer perro, y enseguida
hay un eco en un patio, otros resuenan
a la vez en un único ladrido,
bronco y sin ritmo alguno.
Ladran, con sus hocicos hacia el cielo.
¿De dónde venís, perros? ¿Qué mañana
evocan los ladridos de la noche?
Oigo como ladráis al sueño de mi hija
desde el jergón, rodeados de excrementos
con los que señaláis un territorio
de callejones, patios, descampados.
Tal como vengo haciendo
con mis poemas, desde donde aúllo
y marco el territorio de la muerte.


Joan Margarit




O primeiro cão uiva e a seguir
há o eco num pátio, outros ressoam
à uma num só latido,
desajeitado e sem ritmo.
Ladram, com os focinhos para o céu.
Donde vindes vós, cães? Que manhã
evocam os latidos da noite?
Ouço-vos ladrar ao sono da minha filha,
rodeados de excrementos
com que marcais um território
de becos, pátios, baldios, descampados.
Assim como eu venho fazendo
com meus poemas, onde me ponho a uivar,
marcando o território da morte.


(Trad. A.M.)

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29.1.20

Luís Veiga Leitão (É preciso dizer bom dia)




É preciso dizer bom dia
quando o dia anoitece
ser exacto todo o dia
envelhece


Luís Veiga Leitão



>>  Antonio Miranda (5p) / Citador (4p) / Poeta anarquista (3p) / Dão e demo (perfil) / Wikipedia

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27.1.20

Javier Salvago (Correcções)





CORRECCIONES



La vida se parece a esos poemas
que brotan, en principio, interminables,
retóricos, grandiosos y banales.

Luego vas corrigiendo hasta dejarlos
en lo poco que importa, en los dos versos
que dicen lo que todos ya sabemos.


Javier Salvago




A vida é como esses poemas
que brotam, a princípio, intermináveis,
retóricos, grandiosos e banais.

Depois vai-se corrigindo até deixá-los
no pouco que importa: nos dois versos
que dizem o que já todos sabemos.


(Trad. A.M.)

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26.1.20

María Teresa Andruetto (Morri já de outras vezes)





He muerto otras veces.
Y resucité
buscándome en pedazos.

Pero esta vez
repito gestos celebro ritos
y no me encuentro.


María Teresa Andruetto

[Sibilas y pitias]




Morri já de outras vezes.
E ressuscitei
buscando-me em pedaços.

Desta vez
repito gestos
celebro ritos
e não me encontro.

(Trad. A.M.)



>>  MTA (sítio of.) / Emilia (entrevista) / Emilia-2 (artigo) / Wikipedia

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24.1.20

Eugenio Montale (Desci contigo)





Ho sceso, dandoti il braccio, almeno un milione di scale
e ora che non ci sei è il vuoto ad ogni gradino.
Anche così è stato breve il nostro lungo viaggio.
Il mio dura tuttora, nè più mi occorrono
le coincidenze, le prenotazioni,
le trappole, gli scorni di chi crede
che la realtà sia quella che si vede.
Ho sceso milioni di scale dandoti il braccio
non già perché con quattr'occhi forse si vede di più.
Con te le ho scese perché sapevo che di noi due
le sole vere pupille, sebbene tanto offuscate,
erano le tue.

Eugenio Montale




Desci contigo, de braço dado, para aí um milhão de escadas
e agora que não estás é o vazio em cada degrau.
Assim breve foi a nossa longa viagem.
A minha continua, mas já me não servem
conexões, nem reservas,
afrontas e manhas de quem julga
que a realidade é aquilo que parece.
Desci contigo milhões de escadas, de braço dado,
não por se ver melhor com quatro olhos,
mas porque sabia, de nós dois,
que as verdadeiras pupilas, mesmo bastante ofuscadas,
eram as tuas.

(Trad. A.M.)



>>  Eugenio Montale (sítio of./ tudo+algo/ 62p)


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22.1.20

Jacobo Rauskin (Para te nomear)




PARA NOMBRARTE



Yo te llamo arroyito aunque te llames
de un modo dulcemente diferente.
Y te llamo arroyito porque tienes
un poco de mi sol y de su suerte:
lucir y demorarse entre las flores
humildes y pequeñas y silvestres.
¿Y entonces, dí, qué más, qué más entonces?

Jacobo Rauskin




Eu chamo-te ribeirinho, embora
o teu nome seja docemente diferente.
E chamo-te ribeirinho por teres
um pouco de meu sol e da sua sorte
- brilhar e demorar-se por entre as flores
humildes, silvestres e pequenas.
E aí, diz-me, que mais, então que mais?

(Trad. A.M.)


21.1.20

Hilario Barrero (Epitáfio)




EPITAFIO



Caminante, si eres joven y hermoso
y quieres aprender del peso del amor
desnúdate y acuéstate conmigo,
podrás sentir entre tus huesos duros
a lo que se reduce ser polvo enamorado.

Hilario Barrero




Caminhante, se és jovem e belo
e queres aprender do peso do amor,
desnuda-te e deita-te aqui comigo,
poderás sentir em teus ossos rijos
a que fica reduzido o pó apaixonado.

(Trad. A.M.)

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17.1.20

Graciela Perosio (Meditação da mulher-pássaro)





MEDITACIÓN DE LA MUJER-PÁJARO



¿el otro está más allá de la escritura?
esta necesidad de decir sin saber
¿es sólo mi modo de llamar en la sombra del olvido?
¿por qué desertaste de mí? ¿de esta partida?
¿cuántos desiertos más hasta el abrazo?

¿el ansia fue tejida de abandonos?
¿el poema percute en el olvido?
¿quién me dejó desierta en la palabra?

Graciela Perosio




o outro está para além da escrita?
esta necessidade de dizer sem saber
é só meu modo de chamar na sombra do olvido?
porque desertaste de mim? desta partida?
quantos desertos mais antes do abraço?

a ânsia tece-se de abandono?
o poema percute o esquecimento?
quem me deixou sozinha nas palavras?

(Trad. A.M.)


>>  Marcelo Leites (muitos p) / La infancia del procedimiento (15p) / Analecta Literaria (8p) / Aurora Boreal (5p+entrevista) / Octavo Boulevard (5p)

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16.1.20

Gloria Fuertes (Quando o amor não diz)





CUANDO EL AMOR NO DICE LA ÚLTIMA PALABRA



Cuando algo nuestro intacto
se funde y me confunde
-somos uno en dos partes
que sufren por su cuenta-
desesperadamente algo nuestro se busca
sin ayuda de nada algo nuestro se encuentra.

La unión se realiza,
la ausencia no atormenta,
el dolor se desmaya,
el silencio se expresa
-cuando el amor no dice
la única palabra
está escrito el poema.

Alto profundo es esto que nos une,
esto que nos devora y que nos crea;
ya se puede vivir
teniendo el alma
cogida por el alma
del que esperas;

pena es tener tan sólo una vida
-sólo una vida es poco
para esto
de querer sin recompensa.


Gloria Fuertes




Quando algo de nós intacto
se funde e me confunde
-somos um em duas partes
que sofrem por sua conta -
em desespero algo de nós se busca
sem ajuda de nada algo de nós se encontra.

A união consuma-se,
a ausência não atormenta,
a dor mesmo desmaia,
o silêncio manifesta-se
- quando o amor não diz
uma única palavra
está escrito o poema.

Alto e profundo é isto que nos une,
que nos devora e nos cria;
pode já viver-se
tendo a alma
tomada pela alma
daquele que esperas;

pena ter só uma vida
- que uma vida só é pouco
para isto
de amar sem recompensa.

(Trad. A.M.)

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14.1.20

Ibne Amar (Céu pluvioso)




CÉU PLUVIOSO



As nuvens são tão espessas que se diria formarem,
para cá da abóbada celeste, fumo de madeira verde.

A chuva fina é como limalha de prata,
derramada sobre um solo de âmbar.

Por um momento o sol brilha
como escrava que se mostra ao comprador.


Ibne Amar

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12.1.20

Kirmen Uribe (Aquele dia)





AQUEL DÍA



Me dirás que no es cierto, pero de vez en cuando parece
que el mundo se detiene. Que ha dejado de girar y,
por una vez amable con nosotros y como avisándonos,
nos prolonga ese preciso momento, por siempre.

Me dirás que soy un exagerado,
que las cosas de las que te hablo no son tan importantes,
tan definitivas, comparadas con otras que pasaron.

Pero cuando aquella tarde de julio,
siendo aún joven, aún tímido,
vi a todos los de casa jugando al fútbol en aquel prado,
lo mismo la niña más pequeña que los más ancianos,
en aquel momento comprendí
que pronto algunos de nosotros,
y aquel lugar,
habrían desaparecido.

Aquel día no sucedió nada especial,
pero aquel momento,
aquel día de abejas, de leche y prados de cera,
para mí será único siempre.

Kirmen Uribe




Vais dizer que não é verdade, mas às vezes parece
que o mundo se detém. Que pára de girar e,
nosso amigo e como para avisar-nos,
prolonga-nos esse momento para sempre.

Vais dizer que eu sou um exagerado,
que estas coisas não são assim tão importantes,
tão definitivas, comparadas com outras que acontecem.

Mas naquela tarde de Julho, quando
ainda jovem e tímido
eu vi toda a gente da casa a jogar a bola naquele campo,
tanto os mais velhos como a mocita mais pequena,
nesse momento compreendi
que em breve desapareceriam
esse lugar e alguns de nós.

Nesse dia não aconteceu nada de especial,
mas aquele momento,
aquele dia de abelhas, de leite e campos de cera,
será único sempre cá para mim.

(Trad. A.M.)

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11.1.20

Fabián Casas (Aviso)

 




AVISO


La familia es una patología
que te acompaña toda la vida.
Por eso pongámosla en la heladera
para que no se pudra.

Fabián Casas




A família é uma patologia
que nos acompanha toda a vida.
O melhor é pô-la no frigo
para não apodrecer.

(Trad. A.M.)

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9.1.20

W. B. Yeats (No meio dos salgueiros)




Down by the salley gardens
my love and I did meet;
She passed the salley gardens
with little snow-white feet.
She bid me take love easy,
as the leaves grow on the tree;
But I, being young and foolish,
with her would not agree.

In a field by the river
my love and I did stand,
And on my leaning shoulder
she laid her snow-white hand.
She bid me take life easy,
as the grass grows on the weirs;
But I was young and foolish,
and now am full of tears.


W.B. Yeats




Encontrámo-nos nos salgueiros,
meu amor e eu;
Ela passava por ali
com seus pezinhos brancos de neve.
E amor sem mais me ofereceu,
como as folhas crescendo na árvore;
Mas eu, que era jovem e tonto,
não estive para aí virado.

Andávamos num campo à beira-rio,
meu amor e eu,
Ela com sua mão branca de neve
posta no meu ombro caído.
E a vida sem mais me ofereceu,
como as ervas a medrar no açude;
Mas eu era jovem e tonto
e agora estou desfeito em lágrimas.


(Trad. A.M.)

__________________

[Marianne Faithfull]

7.1.20

Roque Dalton (Conselho)





CONSEJO



No olvides nunca
que los menos fascistas
de entre los fascistas
también son
fascistas.

Roque Dalton

[Literariedad]




Os menos fascistas
dentre os fascistas
também são
fascistas
- não esqueças nunca.

(Trad. A.M.)

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6.1.20

Enrique García-Máiquez (Free rider)





FREE RIDER



Esos poemas superprofundísimos,
que nunca tengo ganas de escribir
ni muy posiblemente fuerzas,
los han escrito, los escribirán
o quizás ahora mismo los estén escribiendo
poetas admirables.
Yo
no puedo más que dar las gracias, prometer
que los leeré despacio y bendecir
la suerte de que la poesía sea
un trabajo en equipo.


Enrique García-Máiquez

[Autorretrato en espejo convexo]





Esses poemas superprofundíssimos,
que eu nunca tenho vontade de escrever,
nem se calhar forças,
escreveram-nos, hão-de escrevê-los,
e talvez mesmo agora estejam a escrevê-los,
poetas admiráveis.
Eu
não posso senão agradecer, prometer
que os lerei com calma e bendizer
a sorte de a poesia ser
um trabalho de equipa.

(Trad. A.M.)

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4.1.20

Gonçalo M. Tavares (O livro)





O LIVRO



De manhã, quando passei à frente da loja
o cão ladrou
e só não me atacou com raiva porque a corrente de ferro
o impediu.
Ao fim da tarde,
depois de ler em voz baixa poemas numa cadeira preguiçosa do
jardim
regressei pelo mesmo caminho
e o cão não me ladrou porque estava morto,
e as moscas e o ar já haviam percebido
a diferença entre um cadáver e o sono.
Ensinam-me a piedade e a compaixão
mas que posso fazer se tenho um corpo?
A minha primeira imagem foi pensar em
pontapeá-lo, a ele e às moscas, e gritar:
Venci-te.
Continuei o caminho,
o livro de poesia debaixo do braço.
Só mais tarde pensei ao entrar em casa:
não deve ser bom ter ainda a corrente
de ferro em redor do pescoço
depois de morto.
E ao sentir a minha memória lembrar-se do coração,
esbocei um sorriso, satisfeito.
Esta alegria foi momentânea,
olhei à volta:
tinha perdido o livro de poesia


Gonçalo M. Tavares

[Poemário]

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3.1.20

Fernando Luis Chivite (Sapatos com neve)





ZAPATOS CON NIEVE



No la inutilidad y el vacío de todo,
sino en cierta manera todo lo contrario,
la eternidad de las cosas presentida
tal vez a una edad demasiado temprana, amor mío
(la eternidad, por ejemplo, de una pared
iluminada por el sol a las diez
de la mañana, la eternidad
de unos zapatos con nieve
o de una simple mancha de limón
en un mantel de hilo),
la eternidad, como digo, unida casi siempre
a una determinada disposición de la luz
ha sido desde el principio
la causa de que siempre
me haya resultado tan difícil
ponerme en el camino,
pisar tierra.

Pero el mundo hace tiempo que dejó
la eternidad a un lado.
Yo probablemente estoy perdido.
La verdad es que acepté estarlo
demasiado temprano
y me senté a escribir
tratando de detenerlo todo en torno a mí
mientras la vida se alejaba. Pero tú no la veas todavía,
amor mío -la eternidad
de las cosas- no la veas aún,
porque verla es igual que ver la muerte
en todo y todo el tiempo.

La eternidad de ningún modo
te ayudará vivir. Toca las cosas
y pasa sobre ellas con toda la alegría que puedas,
mas nunca te detengas demasiado.
Por lo que a mí respecta
todavía no soy lo suficientemente viejo
como para aceptar con una dulce sonrisa
haber errado en lo único
que merecía la pena,
pero aunque el asunto ya no tenga remedio,
ni desde luego
pueda uno presumir al cabo de los años
de haber entendido una palabra
de este vano negocio,
imagino que siempre será mejor vivir.

Vivir -si después de todo eso es posible-
estar ahí,
pensar que el tiempo pasa,
que las cosas ocurren.


FERNANDO LUIS CHIVITE
Calles poco transitadas
(1998)

[Eusko media]





Não a inutilidade e o vazio de tudo,
mas de certo modo bem o contrário,
a eternidade das coisas pressentida
porventura numa idade demasiado precoce, amor meu
(a eternidade, por exemplo, de uma parede
iluminada pelo sol às dez
da manhã, a eternidade
de uns sapatos com neve
ou de uma simples mancha de limão num tecido),
a eternidade, como digo, ligada quase sempre
a uma certa incidência da luz,
foi sempre desde o princípio
a razão de me ser tão difícil meter os pés ao caminho.

Mas o mundo pôs há muito a eternidade de lado
e eu provavelmente estou perdido.
A verdade é que aceitei isso muito cedo
e pus-me a escrever
procurando segurar tudo à minha volta
enquanto a vida se afastava. Mas tu não queiras vê-la ainda,
amor meu – a eternidade das coisas – não a vejas por ora,
porque vê-la é igual a ver a morte
em tudo e sempre.

A eternidade não te ajudará
de modo nenhum a viver. Toca as coisas,
passa sobre elas com toda a alegria que possas,
mas não te detenhas nunca demasiado.
No que me diz respeito,
ainda não sou velho bastante
para aceitar com um sorriso
ter errado no principal, na única coisa que valia a pena,
mas embora o caso já não tenha remédio,
nem se possa presumir que entendemos uma só palavra deste negócio,
imagino que sempre será melhor viver.

Viver – se for possível depois de tudo isso – estar aí,
pensar que o tempo passa,
que as coisas acontecem.

(Trad. A.M.)

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1.1.20

Pedro A. González Moreno (Altar)





ALTAR



Até ti vim, buscando
o que não encontrei nunca na linguagem.

Aqui, sobre este chão
onde aprendemos o nome das coisas,
faremos um altar e, todas as tardes,
com as últimas febres
do trigo e com os ocres
cansados destes cerros, ergueremos
uma casa feita apenas
da matéria frágil dos nomes.
E nas paredes tatuaremos
a pele da nossa sombra.

Faremos um altar e sobre ele
veremos como ardem, sem extinguir-se,
tua memória e a minha, enlaçadas
na mesma sede, na mesma lembrança.

Não importa que ardesse
quanto tivemos, não importa
este rasto de ruínas
que o tempo nos vai deixando à passagem;
nem importa já sequer que o mundo em volta
seja um largo campo de derrotas.

São tuas mãos a casa; teus olhos, o desvão
onde crescemos esperando-nos;
e teus lábios a página
onde se escuta o ruído
da infância, a voz dos saguões
e o rumor dos pátios.

Em ti vim buscar o que não soube
achar nas palavras:
o que tem de olvido e de refúgio,
o que tem de nome
nunca escrito, tua carne.


PEDRO A. GONZÁLEZ MORENO
El ruido de la savia
(2013)

(Trad. A.M.)

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