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31.8.16

Raduan Nassar (Puta)





E eu me queimando disse 'puta' que foi uma explosão na boca e minha mão voando outra explosão na cara dela, e não era a bofetada generosa parte de um ritual, eu agora combinava intenxionalmente a palma co'as armas repressivas do seu arsenal (seria sim no esporro e na porrada!), por isso tornei a dizer 'puta' e tornei a voar a mão, e vi sua pele cor-de-rosa manchar-se de vermelho, e de repente o rosto todo ser tomado por um formigueiro, seus olhos ficaram molhados, eu fiquei atento, meus olhos em brasa na cara dela, ela sem se mexer amparada pelo carrro, eu já recuperado no aço da coluna, ela mantendo com volúpia o recuo lascivo da bofetada, cristalizando com talento um sistema complexo de gestos, o corpo torcido, a cabeça jogada de lado, os cabelos turvos, transtornados, fruindo, quase até ao orgasmo, o drama sensual da própria postura...


RADUAN NASSAR
Um copo de cólera
(1978)

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28.8.16

Raduan Nassar (Sua jornalistinha de merda)





Mesmo assim estufei um pouco o peito e dei dois passos na direcção dela, e ela deve ter notado alguma solenidade nesse meu avanço, era inteligente a jovenzinha, e versátil a filha-da-puta, eu só sei que ela de repente levou as mãos na cintura, mudou a cara em dois olhos de desafio, os dois cantos da boca sarcásticos, além de esbanjar a quinquilharia de outros trejeitos, mas nem era preciso tanto, eu nessa altura já não podia mais conter o arranco 'você aí, você aí' eu disparei de supetão 'você aí, sua jornalistinha de merda'...


RADUAN NASSAR
Um copo de cólera
(1978)

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25.8.16

Raduan Nassar (Você vira um fascista)





E foi então que ela, com a mão ainda na maçaneta, deglutindo o grão perfeito do meu chamariz, e desenterrando circunstancialmente uns ares de gente séria (ela sabia representar o seu papel), entrou de novo espontaneamente em cena, me dizendo com bastante equilíbrio 'eu não entendo como você se transforma, de repente você vira um fascista' e ela falou isso de um jeito mais ou menos grave, na linha recta do comentário objectivo, só entortando, um tantinho mais, as pontas sempre curvas da boca, desenhando enfim na mímica o que a coisa tinha de repulsivo...


RADUAN NASSAR
Um copo de cólera
(1978)

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22.8.16

Raduan Nassar (Não é pra tanto, mocinho)





Ela não só tinha forjado na caseira uma platéia, mas me aguardava também cum arzinho sensacional que era de esbofeteá-la assim de cara, e como se isso não bastasse ela ainda por cima foi me dizendo 'não é pra tanto, mocinho que usa a razão', e eu confesso que essa me pegou em cheio na canela, aquele 'mocinho' foi de lascar, inda mais do jeito que foi dito, tinha na observação de resto a mesma composta displicência que ela punha em tudo, qulquer coisa assim, no caso, que beirava o distanciamento, como se isso devesse necessariamente fundamentar a sensatez do comentário, e isso só serviu para me deixar mais puto, 'pronto' eu disse aqui comigo como se dissesse 'é agora'...


RADUAN NASSAR
Um copo de cólera
(1978)

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19.8.16

Raduan Nassar (O esporro)





O sol já estava querendo fazer coisas em cima da cerração, e isso era fácil de ver, era só olhar pra carne porosa e fria da massa que cobria a granja e notar que um brilho pulverizado estava tentando entrar nela, e eu me lembrei que a dona Mariana, de olhos baixos mas contente com seu jeito de falar, tinha dito minutos antes que 'o calor de ontem foi só um aperitivo', e eu sentado ali no terraço via bem o que estava se passando, e percorria com os olhos as árvores e os arbustos do meu terreno, sem esquecer as coisas menores de meu jardim...


RADUAN NASSAR
Um copo de cólera
(1978)

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16.8.16

Raduan Nassar (O levantar)





E estava assim na janela, de olhos agora voltados pro alto da colina em frente, no lugar onde o Seminário estava todo confuso no meio de tanta neblina, quando ela veio por trás e se enroscou de novo em mim, passando desenvolta a corda dos braços pelo meu pescoço, mas eu com jeito, usando de leve os cotovelos, amassando um pouco seus firmes seios, acabei dividindo com ela a prisão a que estava sujeito, e, lado a lado, entrelaçados, os dois passamos, aos poucos, a trançar os passos, e foi assim que fomos directamente pro chuveiro.


RADUAN NASSAR
Um copo de cólera
(1978)

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13.8.16

Raduan Nassar (A chegada)





E quando cheguei à tarde na minha casa lá no 27, ela já me aguardava andando pelo gramado, veio-me abrir o portão para que eu entrasse com o carro, e logo que saí da garagem subimos juntos a escada pro terraço, e assim que entramos nele abri as cortinas do centro e nos sentamos nas cadeiras de vime, ficando com nossos olhos voltados pro alto do lado oposto, lá onde o sol se ia pondo, e estávamos os dois em silêncio quando ela me perguntou 'que que você tem?', mas eu, muito disperso, continuei distante e quieto, o pensamento solto na vermelhidão lá do poente, e só foi mesmo pela insistência da pergunta que respondi 'você já jantou?' e como ela dissesse 'mais tarde' eu então me levantei e fui sem pressa pra cozinha...


RADUAN NASSAR
Um copo de cólera
(1978)

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