27.4.24

Luís Filipe Castro Mendes (Anunciação)

 



ANUNCIAÇÃO 

 

Não fujo ao poema.
Espero-o com a alegria de quem caminha
sobre brasas e destroços
e dele espero a música, toda a música
que não sei dar nem receber. 

Antes de fechar as contas, digo eu,
espero o poema
como um riso atrás da cortina
da vida.

 

LUÍS FILIPE CASTRO MENDES
 A Misericórdia dos Mercados
Assírio & Alvim (2014)

 

[Poema possivel]

 

.

25.4.24

Antonio Orihuela (Coimbra)

 



COIMBRA

 

El único lugar de Portugal donde aún suena
Grândola, Vila Morena
es en Beco da Carqueija.

Hace cuarenta y cinco años de aquel 25 de abril,
suficientes para que el fascismo
se haya comido todos los claveles.

Antonio Orihuela



Num só lugar de Portugal se ouve ainda
Grândola, Vila Morena
-
é no Beco da Carqueija.

Quarenta e cinco anos do 25 Abril,
suficientes para o fascismo
lhe comer os cravos todos.

(Trad. A.M.)

 .

23.4.24

Álvaro Cunqueiro (Luz molhada)




Luz mojada le llegaba del mar.
¡Qué claro el tiempo
para verla en la playa
con presencia de cosa!
¡Qué sencilla la tarde
para besarla en el pelo
con caricia animal y pura!
¡Luz mojada de sus ojos
llevaba el mar!


Álvaro Cunqueiro



Luz molhada lhe vinha do mar.
Que tempo claro
para a ver na praia
com presença de coisa!
Que simples a tarde
para a beijar no cabelo
carícia pura e animal!
Luz molhada de seus olhos
vestia o mar!


(Trad. A.M.)

.

22.4.24

Francisco Umbral (Filho)




Filho, salto que o dia dá
para outro dia.
Pimpinela,
sapatela,
pirete no ar
para outro ar.
Por ti andam as semanas
ao pé coxinho,
sem nunca pisar o risco.
Quem pisa o risco pisa medalha.
Quando o mundo não sabe
que passo dar,
e está tudo em suspenso,
como que travado,
saltas tu a pés juntos,
por sobre a levada,
e o dia volta a correr,
claro na tua água.


Francisco Umbral

(Trad. A.M.)

.

20.4.24

Louise Glück (Paisagem)




LANDSCAPE

 

Time passed, turning everything to ice.
Under the ice, the future stirred.
If you fell into it, you died.

It was a time
of waiting, of suspended action.

I lived in the present, which was
that part of the future you could see.
The past floated above my head,
like the sun and moon, visible but never reachable.

It was a time
governed by contradictions, as in
I felt nothing and
I was afraid.

Winter emptied the trees, filled them again with snow.
Because I couldn’t feel, snow fell, the lake froze over.
Because I was afraid, I didn't move;
my breath was white, a description of silence.

Time passed, and some of it became this.
And some of it simply evaporated;
you could see it float above the white trees
forming particles of ice.

All your life, you wait for the propitious time.
Then the propitious time
reveals itself as action taken.

I watched the past move, a line of clouds moving
from left to right or right to left,
depending on the wind. Some days

there was no wind. The clouds seemed
to stay where they were,
like a painting of the sea, more still than real.

Some days the lake was a sheet of glass.
Under the glass, the future made
demure, inviting sounds;
you had to tense yourself so as not to listen.

Time passed; you got to see a piece of it.
The years it took with it were years of winter;
they would not be missed. Some days

there were no clouds, as though
the sources of the past had vanished. The world

was bleached, like a negative; the light passed
directly through it. Then
the image faded.

Above the world
there was only blue, blue everywhere.


Louise Glück

[The Threepenny Review]

 

 

O tempo passou, transformou tudo em gelo.
Sob o gelo, o futuro bulia.
Se caísses lá dentro, morrias.

Era um tempo
de espera, de acção suspensa.

Eu vivia no presente, que era
a parte do futuro que podíamos ver.
O passado pairava sobre a minha cabeça,
como o sol e a lua, visível mas inalcançável.

Era um tempo
governado por contradições, como
Não sentia nada e
tinha medo.

O inverno esvaziou as árvores, voltou a enchê-las de neve.
Como eu nada sentisse, a neve caiu, o lago gelou.
Como se eu tivesse medo, permaneci imóvel;
o meu bafo era branco, uma descrição do silêncio.

O tempo passou, e uma parte dele tornou-se isto.
E outra parte evaporou-se simplesmente;
podíamos vê-la a pairar sobre as árvores brancas,
formava partículas de gelo.

Esperas a vida inteira pelo momento oportuno.
Depois o momento oportuno
revela-se acção consumada.

Eu via mover-se o passado, uma fila de nuvens a avançar
da esquerda para a direita ou da direita para a esquerda,
consoante o vento. Por vezes

não havia vento. As nuvens pareciam
ficar onde estavam,
como uma pintura do mar, mais imóveis do que reais.

Por vezes o lago era um lençol de vidro.
Sob o vidro, o futuro murmurava,
modesto, convidativo:
tinhas de te concentrar para o não ouvires.

O tempo passou; chegaste a ver parte dele.
Os anos que levou eram anos de inverno;
ninguém lhes sentiria a falta. Por vezes

não havia nuvens, como se
as fontes do passado tivessem desaparecido. O mundo

perdera a cor, como um negativo; a luz atravessava-o
de lado a lado. Depois
a imagem apagava-se.

Por cima do mundo
só havia azul, azul em toda a parte

(Trad. Rui Pires Cabral)

 .

18.4.24

Fernando Luis Chivite (Poema da louca juventude)




POEMA DE LA LOCA JUVENTUD


Yo también lo quería. Yo también. 

Encontré algunas cosas, vislumbré
por supuesto algunas otras:
supe algo.

También me quedé quieto: casi
completamente quieto: loco
y solo.

Tenía una camisa azul claro gastada:
recuerdo aquel verano
con aquella camisa.

Yo también lo buscaba. Me gustaba la vida.
Si quería morir no era sólo
por ella.

 
Fernando Luis Chivite

 

Eu também o queria, também eu. 

Encontrei umas coisas, vislumbrei
já se vê algumas outras,
alguma coisa eu soube. 

Também eu fiquei quieto, quase
quieto de todo,
louco e só. 

Tinha uma camisa azul já gasta,
recordo aquele Verão
com essa camisa. 

Também eu o buscava, gostava da vida.
Queria morrer? Não era só
 por ela.
 

(Trad. A.M.).

17.4.24

Carlos Martínez Aguirre (O fantasma de um átomo)


 

EL FANTASMA DE UN ÁTOMO DE URANIO XX
EVOCA SU RUPTURA SENTIMENTAL

 

 

Tú te alejaste de mí…
y yo arrasé Nagasaky.


Carlos Martínez Aguirre

 

.

15.4.24

Linda Pastan (Casei contigo)



I MARRIED YOU 

 

I married you
for all the wrong reasons,
charmed by your
dangerous family history,
by the innocent muscles, bulging
like hidden weapons
under your shirt,
by your naive ties, the colors
of painted scraps of sunset.
I was charmed too
by your assumptions
about me: my serenity—
that mirror waiting to be cracked,
my flashy acrobatics with knives
in the kitchen.
How wrong we both were
about each other,
and how happy we have been.
 

Linda Pastan

 

Casei contigo
pelas razões erradas,
encantada com a tua
perigosa história familiar,
os músculos inocentes, salientes
como armas escondidas
sob a tua camisa,
as tuas gravatas ingénuas, das cores
de bocados pintados de pôr do sol.
Fui também atraída
pelas tuas suposições
sobre mim: a minha serenidade –
aquele espelho à espera de ser quebrado,
as minhas acrobacias exageradas com facas
na cozinha.
Que errados estávamos ambos
sobre o outro

e que felizes temos sido.

(Trad. fjcc)

 .

13.4.24

Felipe Benítez Reyes (A situação)




LA SITUACIÓN

 

En todo pensamiento se esconde una tiniebla,
como en toda emoción una sombra de duda.
En todas las verdades hay un mármol que tiembla
y en todas las mentiras un fuego de penumbra.

De lo poco que somos, gran parte es de un fantasma.
Nuestro deseo gobierna su industria de espejismos.
La memoria más nuestra también es de la nada.
La conciencia, en secreto, blande un puñal en vilo.

El pasado divaga entre estatuas de humo.
El presente parece una ilusión en fuga.
Allá en el porvenir hay siempre algún reducto
en que ensoñar la trama de estos sueños a oscuras.

La noche está callada como el eco del miedo.
Las sílabas se juntan en busca de un sentido.
Nuestra historia la escribe con su cálamo el viento.
Y este huir de nosotros, del tiempo y del destino…

Felipe Benítez Reyes

 

 

Em todo o pensamento há uma treva,
como em qualquer emoção uma dúvida.
Nas verdades há um mármore que estremece
e nas mentiras um fogo de penumbra.

Do pouco que somos, grande parte é fantasma.
O desejo gere sua indústria de miragens.
A memória mais nossa é também a do nada.
A consciência, em segredo, brande um punhal indeciso.

O passado divaga entre estátuas de fumo.
O presente semelha uma ilusão em fuga.
Lá no porvir há sempre um reduto
em que sonhar a trama dos sonhos escuros.

A noite cala-se como o eco do medo.
As sílabas juntam-se em busca de um sentido.
A nossa história o vento a escreve com sua pena.
E a nossa fuga de nós mesmos, do tempo e do destino…


(Trad. A.M.)

.

12.4.24

Francisco Caro (A que lugar voltar)




A QUÉ LUGAR VOLVER

 

Entiendo que algún día me dijeses:
tus poemas
hablan de finitudes 

pasado el cruce del amor
–respondería–
apenas si la vida
ofrece otros caminos 

tan de la misma
materia nunca penetrada
son tiempo y poesia
que nadie aún
ha logrado saberlos, separarlos.


Francisco Caro

 

 

Entendo que um dia me dissesses,
teus poemas
falam de finitudes

Passada a encruzilhada do amor
não oferece a vida
quase outros caminhos

Tão da mesma
matéria jamais penetrada
são tempo e poesia
que ninguém ainda
logrou sabê-los, separá-los.


(Trad. A.M.)



>>  Mientras la luz (blogue/ muitos p) /  Crear en Salamanca (7p) / Zenda (5p) / Wikipedia

.

10.4.24

Jorge Sousa Braga (Magnólias)




MAGNÓLIAS

 

Esqueceram-se das folhas,
tão grande era a pressa
de florirem.


Jorge de Sousa Braga

 .

8.4.24

Federico Gallego Rípoll (Final)




FINAL

 

La vida es un regalo que agradezco
hoy. Toda la vida es hoy. Tus ojos
y mis ojos. El punto en que se dieron
es hoy. Y hasta dónde se lleguen y de donde
regresen, es hoy. 

Toda la vida es hoy, y me parece
suficiente el haber vivido tanto
si en este hoy de hoy cabe tu lúcida
mirada sobre mí, y es el futuro
un hoy perpetuamente tuyo.

 Dame ahora
la dicha de morir, hoy que no tengo
ni pasado, ni miedo.

Federico Gallego Ripoll

 


A vida é um presente que eu agradeço
hoje. Toda a vida é hoje. Teus olhos
e meus olhos. O ponto em que se deram
é hoje. E até onde chegarem e de onde
voltarem, é hoje.

Toda a vida é hoje, e parece-me
bastante o ter vivido tanto
se neste hoje de hoje cabe o teu lúcido
olhar sobre mim, e o futuro é
um hoje perpetuamente teu.

Dá-me agora já
a dita de morrer, hoje, que não tenho
nem medo, nem passado.

(Trad. A.M.)


> Outra versão: Do trapézio (L. Parrado)

.

7.4.24

Federico García Lorca (Nana)




NANA

 

Duérmete, niñito mío,
que tu madre no está en casa;
que se la llevó la Virgen
de compañera a su casa.


Federico García Lorca

 

 

Dorme, dorme, meu menino,
tua mãe não está em casa;
foi a Virgem que a levou
de companhia para casa.


(Trad. A.M.)

.

5.4.24

Joaquim Namorado (O que é, era)




O QUE É, ERA 

 

Quando Cristóvão Colombo
descobriu a América
a América estava lá;
o sangue já circulava
 antes de descrever Harvey a sua circulação;
a gente respirava sem saber
que respirar é uma oxidação:
Tudo existe.
O que se inventa é a descrição.
 

Joaquim Namorado

 .              

3.4.24

Álvaro Cunqueiro (Do outro lado me disseram)




Al otro lado me dijeron
los viejos se van convirtiendo en árboles
viejos también sin hojas en el lado del sol
aguardando sin saber qué, mudos.

Pero súbitamente un árbol cualquiera
siente subir dentro de él la savia de un sueño
al borde de la muerte ya, pero todavía
tibio como la leche de la madre.

El sueño va subiendo por las venas del árbol
una vida entera que pasa
hasta hacerse pájaro en una rama
un pájaro que recuerda, canta y se marcha
poco antes de que todos los árboles mueran.

Si yo me hago árbol viejo al otro lado del río
y me toca ser el árbol que recuerda y sueña
puedes estar bien segura que soñaré contigo

con tus ojos grises como el alba
y con tu sonrisa
con la cual se vistieron los labios de los rosales
en los días mas felices.

Álvaro Cunqueiro

 

Do outro lado me disseram
os velhos vão-se fazendo em árvores
velhos também sem folhas no lado do sol
aguardando sem saber quê, mudos.

Mas de repente uma árvore qualquer
sente subir por dentro a seiva dum sonho
à beira da morte já, mas ainda
morno como o leite materno.

O sonho vai subindo pelas veias da árvore
uma vida inteira que passa
até fazer-se pássaro num ramo
um pássaro que recorda, canta e vai-se embora
antes pouco de morrerem as árvores todas.

Faça-me eu árvore velha do outro lado do rio
e toque-me ser a árvore que sonha e recorda
podes estar certa que sonharei contigo

com teus olhos cinza como a aurora e com teu sorriso
que vestiu os lábios das roseiras
nos dias mais felizes.


(Trad. A.M.)



>>  A media voz (40p) / Blogpoemas (36p) / Cervantes-1 (bio/biblio) / Cervantes-2 (sítio)

.

2.4.24

Fabio Morábito (Mudança)




MUDANZA

 

A fuerza de mudarme
he aprendido a no pegar
los muebles a los muros,
a no clavar muy hondo,
a atornillar sólo lo justo.
He aprendido a respetar las huellas
de los viejos inquilinos:
un clavo, una moldura,
una pequeña ménsula,
que dejó en su lugar
aunque me estorben.
Algunas manchas las heredo
sin limpiarlas,
entro en la nueva casa
tratando de entender,
es más,
viendo por dónde habré de irme.
Dejo que la mudanza
se disuelva como una fiebre,
como una costra que se cae,
no quiero hacer ruido.
Porque los viejos inquilinos
nunca mueren.
Cuando nos vamos,
cuando dejamos otra vez
los muros como los tuvimos,
siempre queda algún clavo de ellos
en un rincón
o un estropicio
que no supimos resolver.


Fabio Morábito

 
 

À força de me  mudar
aprendi a não encostar
os móveis às paredes,
a não espetar muito fundo,
a apertar só o indicado.
Aprendi a respeitar as marcas
dos inquilinos antigos,
um prego, uma moldura,
um suporte, que deixo no lugar,
mesmo que me estorvem.
Algumas manchas herdo-as
sem limpar,
entro na casa nova
cuidando de entender,
mais mesmo,
vendo por onde um dia hei-de ir-me embora.
Deixo a mudança
dissolver-se como uma febre,
como uma crosta que cai,
não quero fazer barulho.
Porque os inquilinos antigos
nunca morrem.
Quando nós vamos embora,
quando deixamos de novo
as paredes como as recebemos,
fica sempre algum prego
num canto,
ou algum estrago
que não soubemos resolver.


(Trad. A.M.)

.

31.3.24

Valerio Magrelli (Exfância)




EXFANZIA 

 

Che sorrisone faccio, nella foto! 
Sta per iniziare la gita
e scherzo con gli amici. 
Tra mezz'ora, cadendo, 
mi romperò una spalla
e poi sarò operato per due volte.
Ma che sorriso faccio, nella foto!
Arreso, felice, imbecille. 
Perché, se stiamo bene,
abbiamo sempre l'aria da imbecilli.
Una foto qualsiasi, una storia qualsiasi.
Tendini come versi, lunghi e fragili. 
Siamo fatti di vetro soffiato:
l'unica cosa buona sta nel soffio.
 

Valerio Magrelli

  

Que sorrisão que eu tenho, na foto!
A excursão está para começar
e eu brinco com os meus amigos.
Dentro de meia hora, hei-de cair
e partir um ombro
e ser operado depois duas vezes.
Mas que sorriso eu faço, na foto!
 Rendido, feliz, imbecil.
Porque, se nos sentimos bem,
temos sempre o ar de imbecis.
Uma foto qualquer, uma história qualquer.
Tendões como versos, compridos e frágeis.
Nós somos feitos de vidro soprado,
a única coisa boa está no sopro.
 

(Trad. A.M.)

 .

29.3.24

Vicente García (Projectos)




PROYETOS

 

Te marcharás un día.                                    
Tan sólo, en este tiempo,                                
demoras la partida.                                   
                               
¿ A qué lugar? Lo ignoras.                       
Allí donde te dejen                                      
vivir de alguna forma.         
                                                              
Olvida tu pasado,                                         
tus errores, y guarda                                        
un poco de entusiasmo.                                                     
                               
Para salir indemne,                                      
Para andar por la vida                                   
Y retrasar la muerte. 


Vicente García

 


Partirás um dia,
por agora, simplesmente,
demoras a largada.

Para onde, não sabes…
onde te deixarem
viver de algum modo.

Esquece teu passado,
teus erros, e guarda
um pouco de entusiasmo.

Para sair indemne,
para andar pela vida
e atrasar a morte.


(Trad. A.M.)

.

28.3.24

Eloy Sánchez Rosillo (Impromptu)




IMPROMPTU

 

Hoy que termina marzo
y que el sol de la tarde, ya vencido,
se tiende extenuado sobre el mar
y ahí, al tocar las aguas,
se va apagando en un chisporroteo
de ascuas pequeñas y de signos de oro,
cómo no agradecer emocionado,
antes de que la noche sobrevenga,
que este instante del mundo
- tan alegre, tan triste, tan intenso
como todo lo hermoso -
coincida en su existir con mi existir
y lo sepan mis ojos.

Eloy Sánchez Rosillo

 

 

Hoje, que Março acaba
e o sol da tarde, já vencido,
se estende fatigado sobre o mar
e aí, ao tocar nas águas,
se vai apagando num crepitar
de brasas pequenas e sinais de oiro,
como não agradecer emocionado,
antes de a noite cair,
que este instante do mundo
– tão alegre, tão triste, tão intenso
como tudo o que é belo –
coincida no seu existir com o meu existir
e meus olhos o saibam.


(Trad. A.M.)

.

26.3.24

Tanussi Cardoso (Da poesia)

 



DA POESIA 

 

o canto do pássaro
à procura do vento
não

a promessa de amor
nas faces da lua
não

o medo do mundo
em cima do muro
não

o malabarista
na corda-bamba
não

o olho do tigre
exato certeiro
preciso

o olho do tigre
sim


Tanussi Cardoso

 .

24.3.24

David Mayor (Distância crítica)




DISTANCIA CRÍTICA

 

El más cotidiano y eficaz de los experimentos
morales y políticos,
el principal reto - corregirte, substituir
lo que dices por lo que no dices -
impide que los amigos se conviertan en fantasmas,
buques de carga alejándose de la costa.


David Mayor

  

A mais quotidiana e eficaz das experiências
morais e políticas,
o maior desafio – corrigir-te, substituir
o que dizes pelo que não dizes –
impede os amigos de se converterem
em fantasmas,
navios de carga afastando-se da costa.


(Trad. A.M.)

.

23.3.24

David González (Pássaros)




PÁJAROS

 

en la acera
de enfrente:

un árbol
y
una farola
del alumbrado,

abrazados,

como
una pareja
de novios.

pero
solo
el
árbol
tiene
pájaros.

David González

 

no passeio 
em frente 

uma árvore 

um candeeiro 
de iluminação,
abraçados

como 
um par 
de noivos.

Mas 
só 

árvore 
tem 
pássaros.

(Trad. A.M.)

 .

21.3.24

Alexandre Pinheiro Torres (Super flumina)



SUPER FLUMINA

 

Ó desamável pátria minha     Tens vivido
do sangue do teu Filho   Mas agora
que toco teus seios de maçã tudo
me é indiferente    É tão fácil a

tua poesia de tramar lágrimas   Sei
teu parado sonho de passarem tudo
por cavalos brancos e que o sol se
economize em todo o mundo   não em ti

Crescem meus braços por teus ramos
esponjados   Continua-te um céu
em jejum de tempestade   Beberes o meu
é a forma de me teres e amar


ALEXANDRE PINHEIRO TORRES
A Terra de meu Pai
Plátano (1972)


>>  Antonio Miranda (5p) / Facebook (alguns p) / Archive (perfil) / Wikipedia

.


19.3.24

Roberto Juarroz (Dar tudo por perdido)




(24)

 

Darlo todo por perdido.
Allí comienza lo abierto.
Entonces cualquier paso
puede ser el primero.
O cualquier gesto logra
sumar todos los gestos.
Darlo todo por perdido
Dejar que se abran solas
las puertas que faltan.
O mejor:
dejar que no se abran.


Roberto Juarroz

 

 

Dar tudo por perdido,
aí começa o caminho.
Qualquer passo então
pode ser o primeiro.
Ou qualquer gesto logra
conter todos os gestos.
Dar tudo por perdido,
deixar abrir sozinhas
as portas necessárias.
Ou melhor,
deixar que não se abram.


(Trad. A.M.)

.

18.3.24

Cristina Peri Rossi (Teoria literária)




TEORÍA LITERARIA 

 

Escriben porque tienen el pene corto
o la nariz torcida
Porque un amigo les robó la amante
y otro les ganaba al póker
Escriben porque quieren ser jefes de la tribu
y tener muchas mujeres
un cargo político
un tribunal
Por unas cuantas palabras
una tarima
(muchas mujeres). 

No se leen entre ellos
no se lo toman en serio:
Nadie está dispuesto a morir
colocadas en fila
(de izquierda a derecha,
no al estilo árabe)
ni por unas cuantas mujeres:
después de los cuarenta,
todos son posmodernos.
 

Cristina Peri Rossi 

[Emma Gunst] 

 

Escrevem porque têm o pénis pequeno
ou o nariz torto
Porque um amigo lhes roubou a amante
e outro lhes ganhava ao póquer
Escrevem porque querem ser chefes da tribo
e ter muitas mulheres
um cargo político
um tribunal
Por umas quantas palavras
uma tarimba
(vá, muitas mulheres).

Não se lêem uns aos outros
nem o levam a sério:
Não estão dispostos a morrer
alinhados
(da esquerda para a direita,
não ao estilo árabe)
nem por umas quantas mulheres:
depois dos quarenta,
são todos pós-modernos.


(Trad. A.M.)

.

16.3.24

Sebastião da Gama (Cantilena)

 



CANTILENA

 

Cortaram as asas
ao rouxinol
Rouxinol sem asas
não pode voar.

Quebraram-te o bico,
rouxinol!
Rouxinol sem bico
não pode cantar.

Que ao menos a Noite
ninguém, rouxinol!,
ta queira roubar.
Rouxinol sem Noite
não pode viver.

 Sebastião da Gama

 .

14.3.24

Carlos Martínez Aguirre (O amor é um género literário)




EL AMOR ES UM GÉNERO LITERARIO

 

He pensado escribirte como si no existiera 
aún el feminismo. Como si nuestro tiempo 
no fuera el fin de siglo, ni nadie conociesee
la igualdad de los sexos, ni causara extrañeza 
oír que te dijera que el amor que yo siento 
por ti jamás podrías sentirlo tú por nadie.
Tal vez el amor sea solo literatura
que cambia con el tiempo. Supongo que nosotros
no amamos como Shakespeare, ni Shakespeare como Dante, 
ni Dante como Safo, ni Safo como nadie.
 

Carlos Martínez Aguirre 

 

Pensei em escrever-te como se não existisse
ainda o feminismo. Como se o nosso tempo
não fosse o fim do século, nem ninguém conhecesse
a igualdade dos sexos, nem causasse estranheza
ouvir que te dissesse que o amor que eu sinto
por ti nunca poderias senti-lo tu por ninguém.
Talvez o amor seja apenas literatura
que muda com o tempo. Eu suponho que nós
não amamos como Shakespeare, nem Shakespeare como Dante,
nem Dante como Safo, nem Safo como ninguém.
 

(Trad. J.M.Magalhães)


>>  Clasicas (sitio prof) / Unirioja (8p) / Hector Castilla (11p) / Wikipedia

.


13.3.24

Antonio Porchia (Sei que não tens nada)




Sei que não tens nada.
Por isso te peço tudo.
Para que tenhas tudo.


Antonio Porchia


(Trad. A.M.)

.

11.3.24

Sebastião Alba (Deixa entrar no poema)



Deixa entrar no poema
alguns clichés.

Submetidos à experiência inefável,
sua carga (eléctrica?)
escoar-se-á. 

Não há uma vala comum para as palavras
decaídas,
um dicionário no inferno; 

mas deixa-as vir à tona
da claridade,
e nada lhes insufles. Vê: 

não suportam a beleza
que as circunda, abismam-se
em seu ridículo.

 

Sebastião Alba

[Antologia do esquecimento]


.

 


9.3.24

César Cantoni (O poeta da revolução)




EL POETA DE LA REVOLUCIÓN 

 

Una vez, siendo joven, 
me propuse pegarme 
un balazo en el pecho.  

Ese tributo a Maiakovski
–yo era, entonces, marxista–
y algunos versos entusiastas que había escrito 
me auguraban, en mi fuero
más íntimo, un sitial memorable.  

No sé si por cobardía o pura comodidad, 
durante un tiempo largo,
esperé que el balazo anhelado me lo pegara otro.  

Al final, la Revolución fracasó,
nadie colaboró dándome muerte
y aquí estoy, poéticamente destronado, 
escribiendo estas líneas. 
 

César Cantoni  

[Otra iglesia] 

 

Uma vez, em jovem,
propus-me pregar
um balázio no peito. 

Esse tributo a Maiakovski
 - eu era marxista, por então -
e alguns versos entusiastas que tinha escrito
auguravam-me, no meu foro
mais íntimo, um cadeiral de respeito.

Não sei se por cobardia ou pura comodidade,
durante largo tempo,
esperei que o almejado tiro mo atirasse outro.

Afinal, a Revolução fracassou,
ninguém ajudou a dar-me morte
e aqui estou eu, poeticamente destronado,
a escrever estas linhas.

(Trad. A.M.)

 .

8.3.24

Vicente García (Ubi sunt?)




UBI SUNT?

 

Lo que han envejecido los poemas
escritos hace años (tres de ellos
podían ser entonces la razón de la vida
y ahora no los quiere ni el recuerdo).

También nosotros éramos mejores.
También los días eran otra cosa...
En su rincón perduran las fotos de aquel tiempo
y guardan la verdad de aquella historia.

Quizás en el futuro nuestros libros
parezcan trasnochados
en la memoria de alguien.
Por lo menos,
no hablábamos muy alto.


Vicente García



O que envelheceram os poemas
escritos há anos (três deles
podiam ser então a razão da vida
e agora nem a lembrança os quer).

Também nós éramos melhores,
também os dias eram outra coisa…
No seu canto perduram as fotos desse tempo
e conservam a verdade daquela história.

Talvez no futuro nossos livros
pareçam antiquados
na lembrança de alguém.
Pelo menos,
não falávamos muito alto.


(Trad. A.M.)



>>  Poemas del alma (24p) / Poemas y poetas (26p) / Clarin (recensão anto/1992-2008)

.