28.2.23

Julia Gutiérrez (Das formas disponíveis)




(72) 

De las formas disponibles
de llegar a una isla desierta
destaco dos: por amor o por error. 

Ninguna tiene que ver con el transporte
ni la isla tiene que ser un trozo de tierra.
 

Julia Gutiérrez

 

 

Das formas possíveis
de chegar a uma ilha deserta
destaco duas: por erro ou por amor.

Nenhuma tem a ver com o transporte
nem a ilha tem de ser um bocado de terra.


(Trad. A.M.)

.

27.2.23

Aurora Luque (As pontes inflamáveis)




LOS PUENTES INFLAMABLES

 

A punto de cruzar          
ese puente del medio del camino           
cuando vas eligiendo malgré toi
los llamados placeres sencillos de la vida
-sabiendo que, en el fondo, te eligen a ti ellos,  
te suman a su séquito caduco-  
simplificas el cálculo del mundo: hasta de la belleza       
que presumías tan incalculable.              
Y descubres que todo se reduce              
a viajar de lo mucho a lo muy menos,    
de lo poblado al viento del desierto,      
del exceso a lo escaso, 
a declinar palabras consabidas  
o a declinar sin más, intransitivamente, 
a cambiar los magníficos plurales            
por un acorralado singular         
enarbolando alguna resistencia...           

Los puentes inflamables
del medio del camino de la vida.

Aurora Luque

 

Na hora de atravessar
essa ponte do meio do caminho
quando vais escolhendo malgré toi
os chamados prazeres simples da vida
- sabendo que no fundo são eles que te escolhem a ti,
somando-te a seu séquito caduco -
então simplificas o cálculo do mundo,
até da beleza
que presumias tão incalculável.
E descobres que tudo se reduz
a viajar do muito para o muito menos,
do povoado para o vento do deserto,
do excesso para o escasso,
a declinar palavras consabidas
ou a declinar sem mais, intransitivamente,
a trocar os magníficos plurais
por um cerco singular
esboçando alguma resistência…

As pontes inflamáveis
do meio do caminho da vida.


(Trad. A.M.)

.

25.2.23

Carlos de Oliveira (Nada se perde)




NADA SE PERDE 

 

Na poesia,
natureza variável
das palavras,
nada se perde
ou cria,
tudo se transforma:
cada poema,
no seu perfil
incerto
e caligráfico,
já sonha
outra forma. 
 

Carlos de Oliveira

 .

23.2.23

Amalia Bautista (Nu de mulher)




DESNUDO DE MUJER 

 

Para ti nunca fui más que un pedazo
de mármol. Esculpiste en él mi cuerpo,
un cuerpo de mujer blanco y hermoso,
en el que nunca viste más que piedra
y el orgullo, eso sí, de tu trabajo. 

Jamás imaginaste que te amaba
y que me estremecía cuando, dulce,
moldeabas mis senos y mis hombros,
o alisabas mis muslos y mi vientre. 

Hoy estoy en un parque, donde sufro
los rigores del frío en el invierno,
y en verano me abraso de tal modo
que ni siquiera los gorriones vienen
a posarse en mis manos porque queman. 

Pero, de todo, lo que más me duele
es bajar la cabeza y ver la placa:
“Desnudo de mujer”, como otras muchas.
Ni de ponerme un nombre te acordaste.
 

Amalia Bautista 

[Nunca llegan tarde las hadas

 

Nunca fui mais para ti do que um pedaço
de mármore, em que esculpiste o meu corpo,
um corpo de mulher branco e belo,
onde nunca viste mais do que pedra
e o orgulho, isso sim, do teu trabalho. 

Nunca imaginaste como eu te amava
e que estremecia quando, suave,
me moldavas os seios e os ombros,
ou me alisavas os músculos e o ventre. 

Hoje estou num parque, onde sofro
os rigores do frio no Inverno
e ardo no Verão de tal modo
que nem mesmo os pardais me vêm
pousar nas mãos porque escaldam. 

De tudo, porém, o que me dói mais
é baixar a cabeça e reparar na placa:
“Nu de mulher”, como muitas outras.
Nem de me dar um nome te lembraste.
 

(Trad. A.M.)


.

22.2.23

Roberto Fernández Retamar (O outro)




EL OTRO



Nosotros, los sobrevivientes,
¿A quiénes debemos la sobrevida?
¿Quién se murió por mí en la ergástula,
Quién recibió la bala mía,
La para mí, en su corazón?
¿Sobre qué muerto estoy yo vivo,
Sus huesos quedando en los míos,
Los ojos que le arrancaron, viendo
Por la mirada de mi cara,
Y la mano que no es su mano,
Que no es ya tampoco la mía,
Escribiendo palabras rotas
Donde él no está, en la sobrevida?


Roberto Fernández Retamar

 

 

Nós, os sobreviventes,
a quem devemos a sobrevida?
Quem morreu por mim no ergástulo,
quem recebeu no coração
a bala minha, a que era para mim?
Sobre quê morto estou eu vivo,
seus ossos restando nos meus,
os olhos que lhe arrancaram, vendo
pelo olhar de meu rosto,
e a mão que não é sua mão,
que não é já a minha tão pouco,
escrevendo palavras gastas
onde ele não está, na sobrevida?


(Trad. A.M.)


>>  Amediavoz (20p) / Poemas del alma (12p) / Wikipedia

.

20.2.23

Natália Correia (Verdadeira litania)




A VERDADEIRA LITANIA PARA OS TEMPOS DA REVOLUÇÃO (*)

 

Burgueses somos nós todos
ó literatos
burgueses somos nós todos ratos e gatos Mário Cesariny
Mário nós não somos todos burgueses

os gatos e os ratos se quiseres,
os literatos esses são franceses
e todos soletramos malmequeres.
Da vida o verbo intransitivo

não é burguês é ruim;
e eu que nas nuvens vivo
nuvens! o que direi de mim?

Burguês é esse menino extraordinário
que nasce todos os anos em Belém

e a poesia se não diz isto Mário
é burguesa também.

Burguês é o carro funerário.
Os mortos são naturalmente comunistas.
Nós não somos burgueses Mário

o que nós somos todos é sebastianistas.

 

Natália Correia 

[Escritas]

_____________________

(*) > Mário Cesariny, Raio de luz

 .

18.2.23

Álvaro Mutis (Cada poema)




CADA POEMA

 

Cada poema un pájaro que huye
del sitio señalado por la plaga.
Cada poema un traje de la muerte
por las calles y plazas inundadas
en la cera letal de los vencidos.
Cada poema un paso hacia la muerte,
una falsa moneda de rescate,
un tiro al blanco en medio de la noche
horadando los puentes sobre el río,
cuyas dormidas aguas viajan
de la vieja ciudad hacia los campos
donde el día prepara sus hogueras.
Cada poema un tacto yerto
del que yace en la losa de las clínicas,
un ávido anzuelo que recorre
el limo blando de las sepulturas.
Cada poema un lento naufragio del deseo,
un crujir de los mástiles y jarcias
que sostienen el peso de la vida.
Cada poema un estruendo de lienzos que derrumban
sobre el rugir helado de las aguas
el albo aparejo del velamen.
Cada poema invadiendo y desgarrando
la amarga telaraña del hastío.
Cada poema nace de un ciego centinela
que grita al hondo hueco de la noche
el santo y seña de su desventura.
Agua de sueño, fuente de ceniza,
piedra porosa de los mataderos,
madera en sombra de las siemprevivas,
metal que dobla por los condenados,
aceite funeral de doble filo,
cotidiano sudario del poeta,
cada poema esparce sobre el mundo
el agrio cereal de la agonía.

Álvaro Mutis

[Tiberiades]

 

 

Cada poema um pássaro que foge
do sítio assinalado pela praga.
Cada poema um traje da morte
por ruas e praças inundadas
na cera letal dos vencidos.
Cada poema um passo para a morte,
uma falsa moeda de resgate,
um tiro ao alvo a meio da noite
perfurando as pontes sobre o rio,
cujas águas viajam adormecidas
da velha cidade para os campos
onde o dia prepara as fogueiras.
Cada poema um toque rígido
daquele que jaz na lousa das clínicas,
ávido anzol que percorre
a lama mole das sepulturas.
Cada poema um lento naufrágio do desejo,
um ranger dos mastros e enxárcias
que sustentam o peso da vida.
Cada poema um estrondo de panos que derrubam
sobre o rugir gelado das águas
o branco aparelho das velas.
Cada poema invadindo e rasgando
a teia amarga do tédio.
Cada poema nasce de uma cega sentinela
gritando no fundo vazio da noite
o santo e senha da sua desventura.
Água de sonho, fonte de cinza,
pedra porosa dos matadouros,
madeira à sombra das sempre-vivas,
metal dobrando por condenados,
óleo fúnebre de duplo fio,
sudário de cote do poeta,
cada poema esparze sobre o mundo
o cereal acre da agonia.


(Trad. A.M.)

 .

17.2.23

Alfredo Buxán (Sobre a idade)




SOBRE A IDADE

 

Um terço de século, vendo bem,
é só um sopro. Sentado numa pedra,
dou-me a pensar que sou um velho.
E não sinto temor: olho as nuvens, sozinhas,
lá no alto, e a alma serena-se.
Outros dirão: some-se no olvido.
 

ALFREDO BUXÁN
Las Palabras Perdidas
(Poesía 1989-2008)
Bartleby Editores (2011) 

(Trad. A.M.)

 .

15.2.23

Eduardo Guerra Carneiro (Os cafés)


 

OS CAFÉS



Nos cafés desenham os paisanos, vulgares
senhores de bagaço e genebra, raspando o mármore
entre as folhas do jornal. Morrem os cafés
com seu bilhar, bengaleiro e escarrador. Música
de rádio ainda sintoniza a serradura e os vidros
baços quando chove. Recordo cafés
da província, ou da cidade grande,
destruídos por ímpias criaturas do plástico.
Já não servem cevada ou eduardinho e o açúcar
não vem no açucareiro. Alguns ainda assinam
os jornais, o cobre limpam e pagam
aos paquetes. Autorizam cauteleiros, a caixa
do engraxador, a rapariga das violetas. Violentam
os cafés aqueles da usura, ratos do cimento.

Avesso à militança, são os cafés retrato militante
de algumas senhoras de batina e capa, entornando
no pires o leite do caniche. Alvoraçados os velhos
titilam nas retretes e os tabacos esgotam-se em
___ suspiro.
São cafés com espelhos e amarelas luzes onde o néon
ainda não entrou. Também de padres são feitas
essas lojas; de marçanos, rapazelhos e trapistas.
Desenvolvo teorias sobre os ditos. Em tempo de
___ ditadura
era o café a teia da intriga, o bocejar jacobino,
o guarda-chuva pingando tristes ais. Insisto pois
no rádio e radiador. Quem lembra os pianos?
Carambolas secas já cortavam o fumo dos charutos;
no marcador quinze de partido; na mesa ao fundo,
igual à história antiga, dois jogadores de xadrez
___ ou de gamão.


Eduardo Guerra Carneiro

.

13.2.23

Alfonso Costafreda (Companheira de hoje)




Compañera de hoy, no quiero
otra verdad que la tuya, vivir
donde crezcan tus ojos,
dando tu luz, tu cauce
a lo que veo y siento... 

Deshacer ese ovillo
oscuro del temor,
encontrar lo perdido,
quebrar la voz del sueño... 

Y lenta, lentamente
aprender a vivir,
de nuevo, de nuevo,
como en una mañana
cargada de riqueza.
 

Alfonso Costafreda

 

Companheira, outra verdade
não quero que a tua, viver
onde pousem teus olhos,
dando a luz e o leito
àquilo que vejo e que sinto... 

Desfazer o novelo
escuro do medo,
encontrar o perdido,
dobrar a voz do sonho... 

E lenta, lentamente,
aprender a viver,
de novo, de novo,
como numa manhã
carregada de riqueza.
 

(Trad. A.M.)

 .

12.2.23

Alfonso Brezmes (A cidade nova)




LA CIUDAD NUEVA 

 

Cambiaron los nombres de las calles,
pero no las calles.
Derribaron las viejas estatuas,
y en su lugar pusieron otras nuevas.
El viejo río pasó a ser el nuevo río.
El hombre que vendía los periódicos de hoy
siguió vendiendo los periódicos de hoy.
La niña cambió el color de su globo.
Las mujeres se prepararon para una nueva vida.
Los hombres se prepararon para una nueva era.
El historiador sacó punta a su lápiz.
El poeta y el loco se sentaron a mirar. 

Decididamente, esta ciudad era otra,
y nadie, ni siquiera la lluvia, 
podría borrar nuestra sonrisa,
 al menos por un tiempo. 

Alfonso Brezmes

  

Mudaram os nomes das ruas,
mas as ruas não.
Derrubaram as velhas estátuas,
e puseram outras novas.
O velho rio passou a ser o novo rio.
O homem que vendia os jornais de hoje
continuou a vender os jornais de hoje.
A menina mudou a cor do seu globo.
As mulheres aprontaram-se para uma nova vida,
os homens para uma nova era.
O historiador pôs-se a aguçar o lápis,
o poeta e o louco sentaram-se a olhar. 

Decididamente, esta cidade era outra,
e ninguém, sequer a chuva,
conseguiria apagar-nos o sorriso,
ao menos por algum tempo. 

(Trad. A.M.)

 .

10.2.23

António Cabral (Certas palavras)




CERTAS PALAVRAS                        

 

Certas palavras assemelham-se
a escorpiões pintados de branco.


ANTÓNIO CABRAL
Os Homens Cantam a Nordeste
(!967)

.

8.2.23

Alejandra Pizarnik (Cold in hand blues)




COLD IN HAND BLUES

 

y qué es lo que vas a decir
voy a decir solamente algo
y qué es lo que vas a hacer
voy a ocultarme en el lenguaje
y por qué
tengo miedo

 
Alejandra Pizarnik

 

e vais dizer o quê
vou dizer só alguma coisa
e o que é que vais fazer
vou esconder-me nas palavras
e porquê
porque tenho medo

(Trad. A.M.)

.

7.2.23

Vicente Muñoz Álvarez (Travessia)




TRAVESÍA

 

no importa

el camino
el riesgo
el esfuerzo

sólo la meta

llegar

sin desplomarte

al fondo
de ti


Vicente Muñoz Alvarez

 

 

Não importa

o caminho
o risco
o esforço

só a meta

chegar

sem te despenhares

ao fundo
de ti mesmo


(Trad. A.M.)

.

.

5.2.23

Ana Martins Marques (O brinco)





O BRINCO


 
Pode ser que como as estrelas
as coisas estejam separadas
por pequenos intervalos de tempo
pode ser que as nossas mãos
de um dia para o outro
deixem de caber
umas dentro das outras
pode ser que no caminho para o cinema
eu perca uma de minhas ideias
preferidas
e pode ser
que já na volta
eu me tenha resignado
alegremente
a essa perda
pode ser
que o meu reflexo sujo
no vidro da lanchonete
seja uma imagem de mim
mais exata
do que esta fotografia
mais exata do que a lembrança
que tem de mim
uma antiga colega de colégio
mais exata do que a ideia
que eu mesma
agora tenho de mim
e portanto pode ser
que a moça cansada
de olhos tristes
que 
trabalha na lanchonete
tenha de mim uma imagem
mais fiel
do que qualquer outra pessoa
pode ser que um gesto
um jeito de dobrar os lábios
te devolva
subitamente
toda a infância
do mesmo modo que uma xícara
pode valer uma viagem
e uma cadeira
pode equivaler a uma cidade
mas um cachorro estirado ao sol não é o sol
e uma quarta-feira não pode ser o mesmo
que uma vida inteira
pode ser
meu querido
que esquecendo em sua cama
meu brinco esquerdo
eu te obrigue mais tarde
a pensar em mim
ao menos por um momento
ao recolher o pequeno círculo
de prata
cujo peso
frio
você agora sente nas mãos
como se fosse
(mas ó tão inexato)
o meu amor.

Ana Martins Marques

[Marcelo Leites]

 .

3.2.23

Aldo Luis Novelli (O oleiro-I)




EL ALFARERO-I 

 

1
construir una vasija de arcilla
colmada de agua de sol.
beber un sorbo cada mañana. 

2
crear un sol de arcilla tan brillante
que no se pueda mirar con los ojos desnudos. 

3
la arcilla nos mira
con ojos de barro
ve como se disuelven
nuestros pies. 

4
el poema es arcilla
que hay que modelar con esmero. 

5
la arcilla cambia
con las manos del alfarero
y esa forma aleatoria
modifica el alma del hacedor. 

6
no hay barro que se resista a la forma
no hay forma que se resista al hacedor
no hay hacedor si no se sumerge en el barro.
 

Aldo Luis Novelli 

[Marcelo Leites]

 

1
Fazer uma bacia de argila
e enchê-la com água de sol.
Beber um gole em cada manhã. 

2
Criar um sol de argila
tão brilhante que não se possa
olhá-lo sem protecção. 

3
A argila olha para nós
com olhos de barro
a ver como se dissolvem
nossos pés. 

4
O poema é argila
há que modelá-la com esmero. 

5
A argila muda
com as mãos do oleiro
e essa forma aleatória
modifica a alma do artífice.
 

6
Não há barro que resista à forma
não há forma que resista ao artífice
não há artífice se não mergulha no barro.
 

(Trad. A.M.)

 .

2.2.23

Alberto Vega (Fantasma)




FANTASMA

 

Un fantasma es quien te llama por tu nombre
de forma inesperada
en una calle concurrida, entonces sientes
que se confunden en su rostro tus edades
—algo así como un vértigo inconcreto—
mientras buscas al azar en el desván del tiempo
la sombra más antigua del perfil que olvidaste.

Si en cuestión de segundos recuperas la infancia
y ese amigo lejano te sonríe
con la misma mirada con que lo hiciera antaño,
date por satisfecho, le has devuelto
al mundo de los vivos.

Por idéntica razón habrás resucitado.


Alberto Vega

  

Um fantasma é aquele que te chama pelo nome
de forma inesperada
numa rua concorrida, então sentes
que no seu rosto se confundem tuas idades
 – assim uma espécie de vertigem inconcreta –
enquanto procuras ao acaso no desvão do tempo
a sombra mais antiga do perfil que olvidaste.

Se em questão de segundos recuperas a infância
e esse amigo distante te sorri
com o mesmo olhar com que dantes o fazia,
deves dar-te por satisfeito, pois devolveste-lo
ao mundo dos vivos.

E por idêntica razão terás ressuscitado.

(Trad. A.M.)

 .