30.5.23

João de Mancelos (Zero decibéis)




ZERO DECIBÉIS 

 

um punhado de silêncio 
- nada acaricia mais
a nudez do verão:
nem verbos, nem poemas.

quietude é um sorriso
ou a erva,
quando a chuva despe a terra
e tu desistes dos sapatos
e corres.

corres para melhor escutar
o silêncio que pulsa em ti. 

João de Mancelos

 .

28.5.23

César Cantoni (À moda de W.C. Williams)




A LA MANERA DE WILLIAM CARLOS WILLIAMS

 

Sólo quiero que sepas
que si detuve mi marcha
ante tu puerta,

y no seguí de largo,
y no crucé la calle,
y no doblé en la esquina,

no fue porque olvidé
donde vive
el jardinero

(al que buscaba
para podar
la ligustrina),

sino porque tus ojos
me distrajeron
del camino.

 
César Cantoni

 

 

Eu só quero que saibas
que se parei
à frente da tua porta

e não passei ao largo,
e não atravessei a rua,
e não dobrei na esquina,

não foi por ter esquecido
onde é que vive
o jardineiro

(que procurava
para me podar
a ligustrina),

mas porque os teus olhos
me fizeram distrair
do caminho.


(Trad. A.M.)

.

27.5.23

Manuel Moya / Xi Shuao (Barco)




BARCO

 

Como un barco que se alejara río abajo
cargado de maduros, olorosos frutos,
así abandonáis mi ciudad bellísima,
la de plateadas cúpulas.


Xi Shuao Quan



Como um barco que se afastasse rio abaixo,
carregando maduros, olorosos frutos,
assim deixais minha cidade belíssima,
a de prateadas cúpulas.


(Trad. A.M.)

_________________

- Manuel Moya, o grande poeta e excelentíssimo escritor de Fuenteheridos (Huelva), vai somando obras e heterónimos: Violeta C. Rangel, Umar Abass, Xi Shuao Quan.

.

25.5.23

Valerio Magrelli (Desliza a caneta)




SCIVOLA LA PENNA

 

 verso l’inguine della pagina,
e in silenzio si raccoglie la scrittura.
Questo foglio ha i confini geometrici
di uno stato africano, in cui dispongo
i filari paralleli delle dune.
Ormai sto disegnando
mentre racconto ciò
che raccontando si profila.
È come se una nube
arrivasse ad avere
forma di nube.

Valerio Magrelli

 

Desliza a caneta
para a fímbria da página
e em silêncio se recolhe a escrita.
Esta folha tem os limites exactos
de um estado africano, onde disponho
a formação paralela das dunas.
Agora eu desenho
enquanto conto aquilo
que contando se figura.
É como se uma nuvem
chegasse a ter
forma de nuvem.

(Trad. A.M.)

 .

23.5.23

Cecilia Casanova (Verão)




VERANO

 

Hagamos cuenta
que el invierno
jamás podrá alcanzarnos
Aunque te confieso
que me habría encantado
oír otra lluvia contigo


Cecilia Casanova

 

 

Façamos de conta
que o inverno
nunca mais nos apanha
Embora, confesso,
bem gostasse de ouvir
outra vez a chuva contigo


(Trad. A.M.)

.

22.5.23

Carlos Sahagún (Noite cerrada)




NOCHE CERRADA

 

Fue en la infancia, a la vera de los caminos, en el humo perdido
de los barcos que se alejaron.
Con ellos se marchaba mi corazón, con rumbo cierto
de eternidad. Y más allá, donde nuestra mirada no llegaba,
por pequeña o por triste, algo nos sostenía.
Dios, el abuelo de los niños, repartiendo
las gaviotas por el azul sin límites, estaba con nosotros
de sol a sol, como los viejos labradores,
y dejaba su mano cansada en nuestros hombros.
Por qué pensar en cosas tristes. Mis padres
volvían del trabajo con ira, se vivía mal en casa,
eran tiempos difíciles y oscuros.
Y, sin embargo, vi palomas, estoy cierto, tuve apego a las
atareadas de mi madre,
directamente conocí la vida
como algo, más o menos alegre, que no tenía final.
Yo siempre tuve un alma navegante
y una gran esperanza.
Desde el punto de vista de aquel niño
todo era claro y mañanero, quiero decir, todo era
mentira, puro engaño. Tú no estabas allí,
ni aquí, a la vera de los caminos, ni en el humo perdido
de los barcos. Un muchacho lloraba
frente al acantilado, bajo la dura enseña
de la noche sin Dios.

Carlos Sahagún

 

 

Foi na infância, à beira dos caminhos, no fumo perdido
dos barcos a afastar-se.
Com eles ia meu coração, com rumo certo
de eternidade. E mais além, onde o olhar não chegava,
por pequeno ou por triste, algo nos sustinha.
Deus, o avô das crianças, repartindo as gaivotas
no azul sem limites, estava connosco
de sol a sol, como os velhos agricultores,
e punha-nos no ombro sua mão cansada.
Para quê pensar em coisas tristes? Meus pais
voltavam do trabalho maldispostos, vivia-se mal em casa,
eram tempos negros e difíceis.
E todavia vi pombas, estou certo,
seguia a lida de minha mãe,
conheci a vida como algo,
mais ou menos alegre, que não tinha fim.
Eu tive sempre uma alma errante
e uma grande esperança.
Do ponto de vista desse menino
tudo era claro e matinal, ou seja, tudo era
mentira, engano puro. Tu não estavas lá,
nem aqui, à beira dos caminhos, nem no fumo perdido
dos barcos. Um moço chorava,
diante da falésia, sob o estandarte
da noite sem Deus.


(Trad. A.M.)

.

20.5.23

Giuseppe Ungaretti (Soldados)




SOLDATI

 

Si sta come
d’autumno
sugli alberi
le foglie


Giuseppe Ungaretti

 

 

Estamos como
no outono
as folhas
nas árvores

(Trad. A.M.)

.

18.5.23

Carina Sedevich (Algumas lâminas)




Unas láminas de sarro se desprenden
y golpean las paredes de mi jarra.
Pienso en brillantes filamentos de mica
ocultos en la arena de los ríos.
Pienso en las mangas mojadas
que los poetas chinos
prefieren nombrar para no hablar
de sus lágrimas.

Carina Sedevich



Algumas lâminas de sarro desprendem-se
e batem nas paredes da jarra.
E eu penso em filamentos brilhantes de mica
ocultos na areia dos rios.
Penso nas mangas molhadas
que os poetas chineses
preferem nomear para não falarem
das suas lágrimas.

(Trad. A.M.)

.

17.5.23

Berna Wang (Despedida-IV)



 

DESPEDIDA-IV

 

Aún tuve suerte:
al menos amaste mi cuerpo,
aunque fuera con la desesperanza
de la última oportunidad.
Aún tuviste suerte:
al menos amé tu cuerpo,
aunque fuera con la ingenuidad
de la primera vez.

 
Berna Wang 

 

Ainda tive sorte,
ao menos amaste meu corpo,
com o desespero embora
da última ocasião.
Ainda tiveste sorte,
ao menos amei teu corpo,
com a ingenuidade embora
da primeira vez.
 

(Trad. A.M.)

.


15.5.23

Francisco Duarte Mangas (Notícia breve)




NOTÍCIA BREVE

 

vai construir-se uma 
fábrica para lavagem 
(a seco), desintoxica-
ção e apuro das pala-
vras ainda possíveis.


Francisco Duarte Mangas

.

13.5.23

Benjamín Prado (Instruções para te não sentir a falta)




Instruções para te não sentir a falta:

Penso na coisa mais linda
que me disseste.
E em que era mentira.


Benjamín Prado

.

12.5.23

Belén Reyes (A poesia é uma arma)




LA POESÍA ES UN ARMA CARGADA DE MERCURIO 

                              (A Amparitxu, a Gabriel)

 

Yo sé que es vida esto que se mueve
entre estas venas rotas y cansadas.
No hay célula que tienda a resistirse.
No quiero ser inmune a nadie, a nada.

 Yo sé, porque me duele cuando escribo,
que Amparitxu se acuerda de Celaya.
La poesía es un arma cargada de mercurio,
a casi todo el mundo se le escapa.
Y no sé por qué insisto en estos tiempos,
se nos van los poetas en silencio,
y luego el homenaje-navajada. 

Hago trenzas de versos, me despeino.
Cuando se hace un milagro hay que dar caña.
Yo sé que es vida esto que se mueve
entre estas venas rotas y cansadas.
La poesía es un arma cargada de mercurio,
-hay una minoría que la atrapa.
Los demás que se apañen con la nómina,
con el vídeo, la coca, o la esperanza.
 

Belén Reyes 

 

Eu sei que é vida isto que se mexe
nestas veias rotas e cansadas.
Não há célula que se atreva a resistir,
nem eu me quero imune a nada, nem a ninguém.

Eu sei, porque me dói quando escrevo,
que Amparitxu se lembra de Celaya.
A poesia é uma arma carregada de mercúrio,
a toda a gente lhe escapa.
E não sei porque insisto nestes tempos,
vão-se-nos os poetas em silêncio,
depois é a homenagem-punhalada.

Faço tranças com versos, despenteio-me,
quando se faz um milagre é preciso acelerar.
Eu sei que é vida isto que se mexe
nestas veias rotas e cansadas.
A poesia é uma arma carregada de mercúrio
- e só a minoria consegue agarrá-la.
Os demais fiquem com a relação,
com o vídeo, a coca, ou a esperança.


(Trad. A.M.)

.

10.5.23

Valerio Magrelli (Eu não conheço)




IO NON CONOSCO

 

Io non conosco
quello di cui scrivo,
ne scrivo anzi
proprio perché lo ignoro.
È un atto delicato,
è il limitare
che confonde la preda e il cacciatore.
Qui arrivano a coincidere
l’oggetto che cerco e la causa
di questo ricercare.
Per me la ragione
della scrittura
è sempre scrittura
della ragione.


Valerio Magrelli 

 

Eu não conheço aquilo
sobre que escrevo,
de facto escrevo
justamente porque o ignoro.
É uma coisa delicada,
é o limiar
que confunde a presa e o caçador.
Aqui chegam a coincidir
o objecto que busco e a causa
desta busca.
Comigo a razão
da escrita
é sempre escrita
da razão.


(Trad. A.M.)


>>  El Nacional (26p/ cast.) / Circulo de poesia (5p) / Sibila (6p) / Vallejo (7p) / Poesia & L.da (5p) / Wikipedia

.

8.5.23

Begoña Abad (Fora eu só isto que vês)




Si yo sólo fuera esto que ves…
pero soy una gata y un limonero,
soy las buenas maneras,
soy el arte de amar.
Por ser y ser, soy las constelaciones
y respiro por branquias, si es necesario
llegar al fondo de las cuestiones.
Empleo papel de seda para envolverte
porque los sueños son necesarios para 
vivir
y algunas veces, cuando cambia la luna
aúllo como loba en celo para llamarte.
Son las constelaciones las que me 
escucham.

Begoña Abad 

 

Fora eu só isto que vês...
mas sou uma gata e um limoeiro,
sou as belas maneiras,
sou a arte de amar.
Por ser e ser, sou as constelações 
e respiro por guelras, se for preciso
ir ao fundo das questões.
Uso papel de seda para te envolver
posto que os sonhos são necessários 
para viver
e algumas vezes, na mudança de lua,
uivo como loba no cio para te chamar.
As constelações é que me escutam.
 

(Trad. A.M.)

 .

7.5.23

Batania (O amor é o número)



EL AMOR ES EL NÚMERO DEL CABALLO AL QUE APOSTARÉ TODO

 

Yo que era tan necio
como un mapamundi o un diccionario,
ahora que te amo
me siento una biblioteca llena de tigres,
cada libro una garra de tu melena,
y además he aprendido solfeo
en doce minutos,
yo solo,
mientras pensaba en tu clítoris
sobre un piano sonriente,
yo que era tan torpe
y ahora soy un atleta jamaicano,
yo que era tan lento
y ahora soy un piloto de carreras,
yo que no me orientaba
y ahora encuentro en tu cuerpo
todos los lugares.

Batania

 

Eu que era tão néscio
como um dicionário ou mapa-mundo,
agora que te amo
sinto-me uma biblioteca cheia de tigres,
cada livro uma mecha de teu cabelo,
e além do mais aprendi solfejo
em doze minutos,
eu sózinhinho,
enquanto pensava em teu clitóris
em cima de um piano sorridente,
eu que era tão perro
e agora sou um atleta jamaicano,
eu que era tão lento
e agora sou um piloto de corrida,
eu que não sabia orientar-me
e agora em teu corpo encontro
todos os lugares.

(Trad. A.M.)

 .

5.5.23

Fernando Pessoa (Ó sino da minha aldeia)




Ó sino da minha aldeia, 
Dolente na tarde calma, 
Cada tua badalada
Soa dentro da minh’alma. 

E é tão lento o teu soar, 
Tão como triste da vida, 
Que já a primeira pancada 
Tem um som de repetida. 

Por mais que me tanjas perto 
Quando passo sempre errante,
És para mim como um sonho 
— Soas-me sempre distante... 

A cada pancada tua, 
Vibrante no céu aberto, 
Sinto mais longe o passado, 
Sinto a saudade mais perto.
 

Fernando Pessoa

 .

3.5.23

Carmen Martín Gaite (Farmácia de serviço)




FARMACIA DE GUARDIA

 

No es Valium ni Orfidal,
no me ha entendido.
Se trata de la fe. Sí: de la fe.
Comprendo que es muy tarde
y no son horas
de andar telefoneando a una
farmacia
con tales quintaesencias.
Lo que yo necesito
para entrar confiada en el vientre
del sueño
es algún específico protector de
la fe.
¿Que le ponga un ejemplo más
concreto?
Pues no sé… Necesito
creerme que este saco
cerrado por la boca
y en cuya superficie
se aprecia la joroba
de envoltorios estáticos
puede volver a abrirse alguna vez
a provocar deseos y sorpresas
bajo la luz del sol y de la luna,
bajo el fervor clemente
de los dioses del mar.
¡Oh, volver a sentir lo que era
eso!
Y ni siquiera necesito tanto
—ya es menos lo que pido;
simplemente creerme
que un día lo sentí
intempestivamente
cuando más descuidada andaba
de esperarlo,
y supe con certeza
que sí, que se podía,
que un corazón doméstico
cuando al fin se desboca
es porque está latiendo sin
saberlo
desde otro muy cercano.

Ya. Que no tienen nada.
Pues perdone.
Comprendo que es muy tarde
para hacerle perder a usted el
tiempo
con tales quintaesencias.
Ya me lo figuraba.
Buenas noches.


Carmen Martín Gaite



Não é Valium nem Orfidal,
não me entendeu,
trata-se da fé, sim, da fé.
Compreendo, é muito tarde e não são horas
de estar a ligar para uma farmácia
com tais quintessências.
O que eu necessito
para entrar confiada no ventre do sono
é algum protector específico da fé.
Que lhe dê um exemplo mais concreto?
Pois não sei… Preciso de crer
que este saco fechado pela boca
e em cuja superfície se aprecia
a corcova de envoltórios estáticos
pode voltar a abrir-se outra vez
e provocar desejos e surpresas
sob a luz do sol e da lua,
sob o fervor clemente
dos deuses do mar.
Oh, voltar a sentir o que era isso!
e nem sequer necessito tanto
- sim, é menos o que eu peço;
simplesmente acreditar
que um dia senti-o
intempestivamente
quando mais descuidada estava de esperar,
e soube com certeza
que sim, que se podia,
que um coração doméstico
quando enfim se desboca
é porque está pulsando sem saber
com outro muito próximo.

Tá, que não têm nada,
pois perdoe.
Compreendo, é muito tarde para estar-lhe
a fazer perder tempo
com tais quintessências,
já calculava.
Boas noites!


(Trad. A.M.)

.

2.5.23

Mariano Peyrou (Por um lado)




POR UN LADO

 

lo miré con mucha atención
por un lado estaba mal y por el otro estaba bien

lo cosí con mucho cariño
por un lado era verdad y por el otro era utopía

lo ausculté con muchísima esperanza
por un lado era una pregunta y por el otro un cambio de sentido

lo describí con mucha torpeza
por un lado estaba lejos y por el otro estaba en llamas

lo perdí con mucha alegría
por un lado era nuevo y por el otro era increíble

lo medí con bastante exactitud
por un lado era negro y por el otro era rojo

lo interrogué con cierta indiferencia
por un lado era igual y por el otro era distinto

lo acompañé con mucha ansiedad
por un lado estaba roto y por el otro estaba hablando

lo elegí con muchísima prisa
por un lado era suave y por el otro era húmedo

lo regalé muchas veces
y sólo tenía un lado


Mariano Peyrou

 

 

Olhei-o com muita atenção
por um lado estava mal e por outro estava bem

Cosi-o com muito carinho
por um lado era verdade e por outro era utopia

Auscultei-o com muitíssima esperança
por um lado era uma pergunta e por outro mudança de sentido

Descrevi-o com muito pouco jeito
por um lado estava longe e por outro estava em chamas

Perdi-o com muita alegria
por um lado era novo e por outro era incrível

Medi-o com bastante exactidão
por um lado era negro e por outro era vermelho

Interroguei-o com certa indiferença
por um lado era igual e por outro era distinto

Acompanhei-o com muita ansiedade
por um lado estava quebrado e por outro estava a falar

Escolhi-o com muitíssima pressa
por um lado era suave e por outro era húmido

Presenteei-o muita vez
e tinha só um lado


(Trad. A.M.)

.