Mostrar mensagens com a etiqueta Raymond Carver. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Raymond Carver. Mostrar todas as mensagens

18.7.25

Raymond Carver (A melhor hora do dia)




THE BEST TIME OF THE DAY  



Cool summer nights.
Windows open.
Lamps burning.
Fruit in the bowl.
And your head on my shoulder.
These the happiest moments in the day.

Next to the early morning hours,
of course. And the time
just before lunch.
And the afternoon, and
early evening hours.
But I do love

these summer nights.
Even more, I think,
than those other times.
The work finished for the day.
And no one who can reach us now.
Or ever.

 

Raymond Carver

[La ceniza]


 

Noites frescas de verão,
janelas abertas,
as luzes acesas,
a fruta no cesto,
e a tua cabeça no meu ombro,
a melhor hora do dia. 

Depois do princípio da manhã,
claro. E da hora
mesmo antes do almoço.
E à tarde também,
a primeira hora da noite.
Mas eu gosto mesmo 

é destas noites de verão.
Mais até, creio eu,
do que das outras horas.
Acabou-se o trabalho por hoje,
e ninguém que nos possa atingir,
agora, ou nunca.
 

(Trad. A.M.)

 .

8.10.13

Raymond Carver (Acautelando para a número um)





STILL LOOKING OUT FOR NUMBER ONE



Now that you’ve gone away for five days,
I’ll smoke all the cigarettes I want,
where I want. Mae biscuits and eat them
with jam and fat bacon. Loaf. Indulge
myself. Walk on the beach if I feel
like it. And I feel like it, alone and
thinking about when I was young. The people
then who loved me beyond reason.
And how I loved them above all others.
Except one. I’m saying I’ll do everything
I want here while you’re away!
But there’s one thing I won’t do.
I won’t sleep in our bed without you.
No. It doesn’t please me to do so.
I’ll sleep where I damn well feel like it
- where I sleep best when you’re away
and I can’t hold you the way I do.
On the broken sofa in my study.


Raymond Carver

[Read a little poetry]




Agora que tu estás fora por cinco dias,
eu vou fumar os cigarros que me apetecer,
onde me apetecer. Docinhos, hei-de comê-los com
marmelada e toucinho do gordo. Vadiar, muito
auto-complacente. Caminhar pela praia
se me parecer uma boa.E acho que sim, passear sozinho,
a pensar em quando era novo. Nas pessoas
que então me amaram, para além de qualquer razão.
E como eu as amei acima de todas as outras.
De todas, menos uma. Digo que hei-de fazer
o que me apetecer enquanto tu estiveres fora!
Mas há uma coisa que não farei,
não vou dormir sem ti na nossa cama;
não, não me agrada.
Vou dormir onde raio me apetecer
- onde durmo melhor quando tu não estás
e não me posso agarrar a ti como faço.
No velho sofá do escritório.

(Trad. A.M.)

.

15.9.13

Raymond Carver (Naturalmente)





NATURALLY



A break in the clouds.
The solid profile of the Blue Mountains
that cut the horizon.
The muted yellow of the stubble.
The river very black.
What am I doing in this place,
alone and full of guilt?
I wonder.

I eat the berries from the source.
Without problems. If I was dead,
I told to myself, I could not taste them.
Nothing is so simple.
Yes, everything is that simple. Naturally.

Raymond Carver

[Musa 71]



Uma aberta nas nuvens,
o perfil maciço das Blue Mountains
recortando o horizonte,
o desmaiado amarelo do restolho,
o rio muito negro.
O que faço eu aqui,
sozinho e carregado de culpa?
Interrogo-me.

Como as bagas da fonte,
sem problema. Se estivesse morto,
digo para os meus botões, não poderia saboreá-las.
Nada é tão simples assim.
Aliás, é tudo muito simples. Naturalmente.

(Trad. A.M.)

.

9.3.13

Raymond Carver (O meu corvo)




MY CROW



A crow flew into the tree outside my window.
It was not Ted Hughes’s crow, or Galway’s crow.
Or Frost’s, Pasternak’s, or Lorca’s crow.
Or one of Homer’s crows, stuffed with gore,
after the battle. This was just a crow.
That never fit in anywhere in its life,
or did anything worth mentioning.
It sat there on the branch for a few minutes.
Then picked up and flew beautifully
out of my life.

Raymond Carver



Um corvo voou da minha janela para a árvore.
Não era o corvo de Ted Hughes ou de Galway.
Ou de Frost, de Pasternak, ou de Lorca.
Ou um dos corvos de Homero, farto de sangue,
depois da batalha. Este era apenas um corvo,
que jamais encaixou em algum lado,
nem fez nada digno de menção.
Pousou no ramo por instantes,
depois ergueu-se e voou da minha vida.

(Trad. A.M.)


.

29.11.12

Raymond Carver (O teu cão morre)




YOUR DOG DIES


It gets run over by a van.
you find it at the side of the road
and bury it.
you feel bad about it.
you feel bad personally,
but you feel bad for your daughter
because it was her pet,
and she loved it so.
she used to croon to it
and let it sleep in her bed.
you write a poem about it.
you call it a poem for your daughter,
about the dog getting run over by a van
and how you looked after it,
took it out into the woods
and buried it deep, deep,
and that poem turns out so good
you’re almost glad the little dog
was run over, or else you’d never
have written that good poem.
then you sit down to write
a poem about writing a poem
about the death of that dog,
but while you’re writing you
hear a woman scream
your name, your first name,
both syllables,
and your heart stops.
after a minute, you continue writing.
she screams again.
you wonder how long this can go on.


Raymond Carver




Foi atropelado por uma carrinha,
encontraste-o na berma
e enterraste-o.
sentes-te mal,
quer por ti mesmo,
quer pela tua filha,
que o tinha por mascote
e gostava tanto dele,
até lhe arrulava baixinho
e deixava-o dormir na cama dela.
fazes um poema sobre o caso,
que designas poema para a filha,
sobre o atropelamento do cão
e como o cuidaste,
como o levaste para o bosque
e o enterraste fundo, fundo,
e esse poema fica tão bom
que tu quase ficas contente
por o cão ser atropelado, porque senão
nunca escreverias esse poema.
então sentas-te e pões-te a escrever
um poema sobre a escrita de um poema
sobre a morte do cão,
mas enquanto escreves
ouves gritos de mulher que te chamam
pelo nome, pelo nome próprio,
as duas sílabas,
e pára-te o coração.
depois, continuas,
ela grita de novo
e tu perguntas-te até onde irá a coisa.


(Trad. A.M.)


> Outra versão: Do trapézio (L.P.)

.

21.10.12

Raymond Carver (A minha morte)





MY DEATH




If I'm lucky, I'll be wired every whichway
in a hospital bed. Tubes running into
my nose. But try not to be scared of me, friends!
I'm telling you right now that this is okay.
It's little enough to ask for at the end.
Someone, I hope, will have phoned everyone
to say, "Come quick, he's failing!"
And they will come. And there will be time for me
to bid goodbye to each of my loved ones.
If I'm lucky, they'll step forward
and I'll be able to see them one last time
and take that memory with me.
Sure, they might lay eyes on me and want to run away
and howl. But instead, since they love me,
they'll lift my hand and say "Courage"
or "It's going to be all right."
And they're right. It is all right.
It's just fine. If you only knew how happy you've made me!
I just hope my luck holds, and I can make
some sign of recognition.
Open and close my eyes as if to say,
"Yes, I hear you. I understand you."
I may even manage something like this:
"I love you too. Be happy."
I hope so! But I don't want to ask for too much.
If I'm unlucky, as I deserve, well, I'll just
drop over, like that, without any chance
for farewell, or to press anyone's hand.
Or say how much I cared for you and enjoyed
your company all these years. In any case,
try not to mourn for me too much. I want you to know
I was happy when I was here.
And remember I told you this a while ago - April 1984.
But be glad for me if I can die in the presence
of friends and family. If this happens, believe me,
I came out ahead. I didn't lose this one.


Raymond Carver





Com sorte, estarei ligado
numa cama de hospital, com tubos
no nariz. Mas calma, meus amigos,
tudo bem, desde já vos digo.
No fim não se pode pedir muito.
Alguém, espero, ligará para os outros
a dizer: “Vem depressa, que ele está a morrer”!
E eles hão-de vir, e eu terei tempo
de dizer adeus a cada um dos meus entes queridos.
Com sorte, chegar-se-ão à frente
para eu poder vê-los uma última vez
e levar essa imagem comigo.
Claro, podem pôr os olhos em mim e querer fugir
e uivar. Mas, porque me amam,
hão-de pegar-me antes na mão, dizendo: “Coragem”
ou “Vai correr tudo bem”.
E está bem assim, está bem,
está muito bem. Se vós soubésseis quão feliz me fizestes!
Oxalá continue a minha sorte e eu possa
mostrar o meu reconhecimento,
abrir os olhos e fechar, como se dissesse:
“Sim, estou a ouvir, compreendo-vos”,
podendo mesmo acrescentar algo assim como:
“Também vos amo, sede felizes”.
Oxalá, mas não quero estar a pedir de mais,
se não tiver sorte, como mereço, bem, vou-me
assim mesmo, sem mais, sem dizer adeus
nem apertar a mão de ninguém,
sem dizer quanto vos quis e quanto gozei
da vossa companhia nestes anos todos.
De todo o modo, não me choreis demasiado,
ficai sabendo que eu fui muito feliz aqui.
E lembrai-vos que eu disse-vos isso há tempos - Abril 1984.
Mas regozijai-vos comigo, caso eu possa morrer
junto dos amigos e família. Se assim acontecer, podeis crer,
eu saio pela porta grande. Desta vez não perdi.


(Trad. A.M.)

.

1.8.12

Raymond Carver (Felicidade)





HAPPINESS



So early it’s almost dark out.
I’m near the window with coffee,
and the usual early morning stuff
that passes for thought.
When I see the boy and his friend
walking up the road
to deliver the newspaper.
They wear caps and sweaters,
and one boy has a bag over his shoulder.
They are so happy
they aren’t saying anything, these boys.
I think if they could, they would take
each other’s arm.
It’s early in the morning,
and they are doing this together.
They come on, slowly.
The sky is taking on light,
though the moon still hangs pale over the water.
Such beauty that for a minute
death and ambition, even love,
doesn’t enter into this.
Happiness. It comes on
unexpectedly. And goes beyond, really,
any early morning talk about it.


Raymond Carver


[El poeta ocasional]





É tão cedo que está ainda escuro lá fora.
Estou junto da janela com café
e as cenas usuais da madrugada
que passam por reflexão.
Quando vejo o rapaz e o amigo
pela rua acima
para entregar o jornal.
Vão de boné e camisola
e um deles leva um saco ao ombro.
Vão tão contentes,
os rapazes , nem dizem nada.
Se pudessem, digo eu, iriam
de braço dado.
Manhã cedo
e eles andam nisto juntos.
Aproximam-se devagar,
enquanto o céu começa a clarear,
com a lua pálida ainda por cima da água.
É tal a beleza que por um instante
morte e ambição, amor mesmo,
não cabem aqui.
Felicidade. Aparece inesperadamente.
E está muito para lá de quaisquer palavras.



(Trad. A.M.)


> Outra versão: Canal de poesia (Jorge de Sousa Braga)

.

1.5.11

Raymond Carver (Pelo menos)






AT LEAST




I want to get up early one more morning,
before sunrise. Before the birds, even.
I want to throw cold water on my face
and be at my work table
when the sky lightens and smoke
begins to rise from the chimneys
of the other houses.
I want to see the waves break
on this rocky beach, not just hear them
break as I did all night in my sleep.
I want to see again the ships
that pass through the Strait from every
seafaring country in the world—
old, dirty freighters just barely moving along,
and the swift new cargo vessels
painted every color under the sun
that cut the water as they pass.
I want to keep an eye out for them.
And for the little boat that plies
the water between the ships
and the pilot station near the lighthouse.
I want to see them take a man off the ship
and put another up on board.
I want to spend the day watching this happen
and reach my own conclusions.
I hate to seem greedy - I have so much
to be thankful for already.
But I want to get up early one more morning, at least.
And go to my place with some coffee and wait.
Just wait, to see what's going to happen.


Raymond Carver





Quero levantar-me cedo mais um dia,
antes do sol. Antes até dos pássaros.
Quero jogar água fria na cara
e sentar-me à secretária
quando o céu clarear e o fumo
começar a sair das chaminés
dos vizinhos.
Quero ver as ondas a rebentar
nas rochas, não apenas ouvi-las
como à noite durante o sono.
Quero ver outra vez os barcos
que passam no Estreito e vêm
de toda a parte
– velhos e sujos cargueiros movendo-se a custo,
e os outros novos e com muitas cores
cortando a água ao passar.
Quero mantê-los no olhar,
assim como o barquinho que avança
entre os navios e a casa do piloto ao pé do farol.
Quero vê-los a descer um homem
e a pôr um outro a bordo.
Quero passar o dia a ver isto acontecer
e tirar as minhas próprias conclusões.
Não gosto de parecer egoísta – tanto
tenho já que agradecer.
Mas quero levantar-me cedo mais um dia, pelo menos.
E ir para o meu lugar com café e esperar.
Esperar, a ver o que se vai passar.


(Trad. A.M.)

.

3.1.11

Raymond Carver (Chuva)






RAIN




Woke up this morning with
a terrific urge to lie in bed all day
and read. Fought against it for a minute.
Then looked out the window at the rain.
And gave over. Put myself entirely
in the keep of this rainy morning.
Would I live my life over again?
Make the same unforgiveable mistakes?
Yes, given half a chance. Yes.


Raymond Carver





Hoje de manhã acordei com
uma vontade enorme de ficar a ler
o dia todo na cama. Mas resisti por instantes.
Então fui à janela ver a chuva.
Rendi-me. E dediquei-me inteiramente
a esta manhã chuvosa.
Gostava eu de viver outra vez?
E de fazer os mesmos erros imperdoáveis?
Sim, à mínima hipótese. Sim.


(Trad. A.M.)


.

27.11.10

Raymond Carver (Último fragmento)






LATE FRAGMENT




And did you get what
you wanted from this life, even so?
I did.
And what did you want?
To call myself beloved, to feel myself
beloved on the earth.


Raymond Carver







E conseguiste o que
querias da vida, afinal?
Consegui.
E querias o quê?
Poder dizer que me amaram,
sentir-me amado
cá neste mundo.


(Trad. A.M.)

.

1.11.10

Raymond Carver (Poemas)






POEMS




They’ve come every day this month.
Once I said I wrote them because
I didn’t have time for anything
else. Meaning, of course, better
things – things other than mere
poems and verses. Now I’m writing
them because I want to.
More than anything because
this is February
when normally not much of anything
happens. But this month
the larches have blossomed,
and the sun has come out
every day. It’s true my lungs
have heated up like ovens.
And so what if some people
are waiting for other shoe
to drop, where I’m concerned.
Well, here it is then. Go ahead.
Put it on. I hope it fits
like a shoe.
Close enough, yes, but supple
so the foot has room to breathe
a little. Stand up. Walk
around. Feel it? It will go
where you’re going, and be there
with you at the end of your trip.
But for now, stay barefoot. Go
outside for a while, and play.



RAYMOND CARVER
A New Path to the Waterfall
(1989)


[Balconcillos]







Este mês vieram todos os dias.
Eu uma vez disse que os escrevia
por não ter tempo para mais
nada. Querendo dizer, já se vê,
nada melhor, melhor do que simples
poemas e versos. Agora escrevo-os
porque me apetece.
Mais que tudo por
estarmos em Fevereiro
quando não acontece normalmente
grande coisa. Mas este mês
floriram os cedros
e o sol apareceu todos os
dias. É certo que meus pulmões
aqueceram como um forno.
E que me importa se algumas pessoas
estão à espera de largar outro sapato,
onde é que me afecta.
Bem, cá está então. Vá lá,
experimenta, espero que sirva,
como um sapato.
À medida, sim, mas suave
para o pé poder respirar
um pouco. Levanta-te.
Dá uma volta. Estás a ver? Ele vai
contigo onde tu fores, até ao fim da caminhada.
Mas deixa-te por agora estar descalço.
Sai um bocado, diverte-te.


(Trad. A.M.)


.

26.9.10

Raymond Carver (A que tem estado à espera)






A QUE TEM ESTADO À ESPERA




Deixa a auto-estrada e desce a colina.
Uma vez em baixo, vira à esquerda.
Continua em direcção à esquerda.
A estrada faz um Y.
De novo à esquerda.
Deixa à esquerda uma enseada.
Continua na mesma direcção.
Mesmo antes de a estrada acabar,
verás outra estrada.
Toma essa, outra não...
Há uma casa de madeira com um telhado frágil
à esquerda.
Não é essa a casa. É a seguinte,
mesmo no alto...
É essa a casa onde está uma mulher à porta
com o sol a dar-lhe no cabelo.
A que tem estado à espera este tempo todo.
A mulher que te ama.
A que talvez te diga “onde é que te meteste?”.


Raymond Carver


(Trad. A.M.)



[Noctambulario]


.

19.8.10

Raymond Carver (Termópilas)






TERMÓPILAS



De regresso ao hotel, ao ver como solta e escova
o cabelo castanho junto à janela, perdida em seus pensamentos,
com o olhar noutro lado, lembro-me por algum motivo daqueles
Lacedemónios de Heródoto, que tinham por dever
defender as Portas contra o exército dos Persas.
E defenderam-nas. Durante quatro dias. Antes, porém,
perante a incredulidade do próprio Xerxes, os soldados gregos
sentaram-se descontraídos por fora do muro de troncos,
as armas empilhadas, penteando
e repenteando os longos cabelos, como se fosse
apenas outro dia mais de campanha.
Quando Xerxes quis saber o significado daquela exibição,
disseram-lhe Vão perder a vida estes homens,
por isso querem a cabeça a parecer bem.
Ela pousa a escova de cabo de osso e chega-se
mais ainda à janela e à luz declinante da tarde.
Alguma coisa, um movimento, um rugido, vem de baixo
e atrai-lhe a atenção. Um olhar, e distrai-se.



Raymond Carver


(Trad. A.M.)



[Noctambulario]


.

4.7.10

Raymond Carver (O teu cão morre)






O TEU CÃO MORRE



é apanhado por uma carrinha.
encontra-lo na berma da estrada
e enterra-lo.
sentes-te mal.
sentes-te mal por ti,
mas sentes-te pior pela tua filha
porque era o seu animal de estimação
e adorava-o.
costumava cantarolar para ele
e deixava-o dormir na sua cama.
escreves um poema sobre isso.
chamas-lhe um poema para a tua filha,
fala sobre o cão atropelado pela carrinha,
sobre o modo como te ocupaste dele,
como o levaste para o bosque
e o enterraste fundo, bem fundo,
e o poema sai-te tão bem
que quase te alegras com o atropelamento
do pobre cão, ou não terias
escrito um poema tão bom.
então sentas-te a escrever
um poema sobre a escrita de um poema
sobre a morte desse cão,
porém enquanto escreves
ouves uma mulher a gritar
o teu nome, o teu primeiro nome,
ambas as sílabas,
e o teu coração pára.
passa um instante e voltas a escrever.
ela grita de novo.
perguntas até onde isto pode ir.



Raymond Carver

(Trad. L.P.)



[Do trapézio]


.

12.2.10

Raymond Carver (Minha mulher)






MINHA MULHER




Minha mulher desapareceu com a roupa toda.
Esqueceu duas meias de nailon e
uma escova de cabelo atrás da cama.
Eu queria chamar-lhe a atenção
para as meias e para os cabelos
negros agarrados aos dentes da escova.
As meias atiro-as ao balde do lixo; a escova
guardo-a para usá-la. A cama é que
eu estranho e não posso suportar.



Raymond Carver


(Trad. A.M.)



[Marcelo Leites]


.

25.1.10

Raymond Carver (Passa-se qualquer coisa)








PASSA-SE QUALQUER COISA COMIGO




Passa-se qualquer coisa comigo
a acreditar nos meus
sentidos isto não é só
outra distracção minha cara
Continuo atado
na mesma velha pele
nas ideias puras e nas grandes aspirações
pixota limpa cheia de saúde
custe o que custar
mas começam-me os pés
a dizer coisas
de si
da sua nova relação com
as minhas mãos coração cabelo e olhos


Passa-se qualquer coisa comigo
se pudesse perguntava-te
sentiste isto alguma vez
mas estás tão longe
tu esta noite não penso
que ouvisses e depois
a minha voz também foi afectada


Passa-se qualquer coisa comigo
não te admires se
ao acordares um dia a este claro
sol mediterrânico olhares
para mim e descobrires uma mulher
no meu lugar
ou pior
um estranho homem com brancas
a escrever um poema
alguém que já não sabe formar palavras
que simplesmente move os lábios
e tenta
contar-te qualquer coisa.




RAYMOND CARVER
Heroísmos não, por favor
(Trad. Telma Costa)
Teorema, 1993



[O café dos loucos]


.

15.1.09

Raymond Carver (Medo)



FEAR
 

Fear of seeing a police car pull into the drive.
Fear of falling asleep at night.
Fear of not falling asleep.
Fear of the past rising up.
Fear of the present taking flight.
Fear of the telephone that rings in the dead of night.
Fear of electrical storms.
Fear of the cleaning woman who has a spot on her cheek!
Fear of dogs I've been told won't bite.
Fear of anxiety!
Fear of having to identify the body of a dead friend.
Fear of running out of money.
Fear of having too much, though people will not believe this.
Fear of psychological profiles.
Fear of being late and fear of arriving before anyone else.
Fear of my children's handwriting on envelopes.
Fear they'll die before I do, and I'll feel guilty.
Fear of having to live with my mother in her old age, and mine.
Fear of confusion.
Fear this day will end on an unhappy note.
Fear of waking up to find you gone.
Fear of not loving and fear of not loving enough.
Fear that what I love will prove lethal to those I love.
Fear of death.
Fear of living too long.
Fear of death.

I've said that.


Raymond Carver



Medo de ver a polícia parar diante da casa.
Medo de ficar a dormir durante a noite.
Medo de não conseguir dormir.
Medo de que o passado volte.
Medo de que o presente levante voo.
Medo do telefone que toca no silêncio a horas mortas.
Medo das tempestades eléctricas.
Medo da mulher de turno que tem uma cicatriz no queixo.
Medo dos cães embora me digam que não mordem.
Medo da ansiedade!
Medo de ter que identificar o corpo de um amigo morto.
Medo de ficar sem dinheiro.
Medo de ter muito, embora seja difícil de crer.
Medo dos perfis psicológicos.
Medo de chegar tarde e de chegar antes de todos.
Medo de ver a letra dos meus filhos na capa de um envelope.
Medo de os ver morrer antes de mim e de me sentir culpado.
Medo de ter que viver com a minha mãe, na velhice dela e na minha.
Medo da confusão.
Medo de que este dia termine com tristeza.
Medo de acordar e de ver que foste embora.
Medo de não amar e medo de amar demasiado.
Medo de que o que eu ame seja letal para aqueles que amo.
Medo da morte.
Medo de viver demasiado tempo.
Medo da morte.
Isso já disse.


(Trad. A.M.)



Fontes: Wikipedia / Sítio oficial (tudo+algo)

.