25.1.10

Raymond Carver (Passa-se qualquer coisa)








PASSA-SE QUALQUER COISA COMIGO




Passa-se qualquer coisa comigo
a acreditar nos meus
sentidos isto não é só
outra distracção minha cara
Continuo atado
na mesma velha pele
nas ideias puras e nas grandes aspirações
pixota limpa cheia de saúde
custe o que custar
mas começam-me os pés
a dizer coisas
de si
da sua nova relação com
as minhas mãos coração cabelo e olhos


Passa-se qualquer coisa comigo
se pudesse perguntava-te
sentiste isto alguma vez
mas estás tão longe
tu esta noite não penso
que ouvisses e depois
a minha voz também foi afectada


Passa-se qualquer coisa comigo
não te admires se
ao acordares um dia a este claro
sol mediterrânico olhares
para mim e descobrires uma mulher
no meu lugar
ou pior
um estranho homem com brancas
a escrever um poema
alguém que já não sabe formar palavras
que simplesmente move os lábios
e tenta
contar-te qualquer coisa.




RAYMOND CARVER
Heroísmos não, por favor
(Trad. Telma Costa)
Teorema, 1993



[O café dos loucos]


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