SEGUNDAS MORADAS (22)
meio da tarde em campo de besteiros: água, pequena e fria,
caindo do granito; e na penumbra,
as flechas. penso: não poderei jamais
esquecer este sítio, este limite,
a serena harmonia de colinas e corpos.
mas tu escondes a boca com as mãos, e já a noite
anónima nos funde; a nuvem cobre campos desolados,
e a paciente traça rói o arco-íris.
vou ficando invisível, aos pedaços,
comendo laranjas no escuro.
o teu corpo é dos que nunca lêem livros,
sabem de estradas e de pássaros, pouco mais;
a tua morada tem no telhado as frinchas
da lei, onde se vê o céu; e eu,
absorto de silêncio e de chuvisco,
ó tosco cantador!,
dissolvo-me na sombra da paisagem,
separo-me de nós, de mim, serei só quase
a chama no carvão que fica ardendo
noite fora, noite fora.
acordaremos, já sei, transparentes e sábios,
do outro lado da criação do mundo;
uma mão presa à luz, outra nas trevas,
um só tronco de chamas, uma asa.
ANTÓNIO FRANCO ALEXANDRE
Poemas
Assírio & Alvim
(1996)
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