19.4.25

Casimiro de Brito (Nem imaginas)

 



Nem imaginas o que desejo que tu sejas

sem nunca deixares de ser uma mulher: 
uma cobra uma deusa uma raposa

um anjo uma cama de areia uma melodia uma
escultura de mármore 
plantas subaquáticas uma mártir uma longa 
gota de água ou sal ou mel ou aura uma Vénus 

uma pura cortesã de Pompeia uma musa coberta 
de peles uma fera uma fada uma feiticeira 
uma menina um vulcão um arco-íris um jardim

sei lá que mais – poderás ser tudo isto

e mais, e mais. E deixares que em ti me derrame, 
que em ti me complete. A luz da tua pele 
cega-me.

Casimiro de Brito

.

17.4.25

Luis Eduardo Aute (Deus é sexo puro)




DIOS ES SEXO PURO QUE NO PURO SEXO

 

Por qué será
que en éxtasis del orgasmo
siempre se invoca a Dios: «Dios, Dios,
Dios…»,
y jamás a Satanás?


Luis Eduardo Aute

.

16.4.25

Lauren Mendinueta (Nocturno de morte)





NOCTURNO EN MUERTE

 

No te afanes por vivir!
La muerte borra la memoria.
En adelante el pasado no existe.
A los muertos se nos ha vedado
el mirar atrás.
Es sólo porvenir la muerte.
Marcha indefinida.
En cuanto a la luz
una forma asombrosa y oculta
nos hace seguirla por un sendero 
concebible sólo para ojos apagados. 
Somos peregrinos 
en busca de un paraíso que se expande. 

El pasado es un agujero negro insaciable
que devora minutos.
En esto consiste la eternidad en olvidar a cada instante
la condena de permanecer.
Has de saber a tu debido tiempo que este tedio de ser 
es eterno como la continuación del poema 
es el infinito mismo.
 

Lauren Mendinueta 

 

Não te afanes por viver!
A morte apaga a memória,
avante não existe o passado.
A nós, mortos, está vedado
olhar para trás.
A morte é só porvir,
indefinida marcha.
Quanto à luz,
uma forma oculta e assombrosa
faz-nos segui-la por um carreiro
feito só para olhos apagados.
Somos peregrinos
buscando um paraíso em expansão. 

O passado é um buraco negro insaciável 
que devora minutos.
isto consiste a eternidade, esquecer a cada instante
a sentença de permanecer.
A seu tempo saberás que este tédio de ser
é eterno, 
assim como a continuação do poema
é o próprio infinito.

(Trad. A.M.)

 

14.4.25

António Maria Lisboa (Poema do começo)

 



POEMA DO COMEÇO

 

Eu num camelo a atravessar o deserto
com um ombro franjado de túmulos numa mão muito
          aberta 

Eu num barco a remos a atravessar a janela
da pirâmide com um copo esguio e azul coberto de
          escamas 

Eu na praia e um vento de agulhas
com um Cavalo-Triângulo enterrado na
          areia 

Eu na noite com um objecto estranho na algibeira
— trago-te Brilhante-Estrela-Sem-Destino coberta de
         musgo

 António Maria Lisboa

 

>>  Citador (7p) / Recanto do poeta (6p) / Antonio Miranda (5p) / Wikipedia

.

12.4.25

Karmelo C. Iribarren (Talvez)




Acaso
en este desapego
con el que asisto cada tarde
a la defunción
del día,

no haya
en el fondo
sino la desconfianza, el recelo
de quien le pasó la mano
–muchas veces–
por el lomo
a la vida,

y probó
sus colmillos.

Karmelo C. Iribarren

[Escrito en el viento]

 

Talvez
neste descaso
com que assisto em cada tarde
ao passamento
do dia

não haja
no fundo
senão a desconfiança, o receio
de quem – muitas vezes –
passou a mão
pelo pelo
à vida

e lhe sofreu
as dentadas.

(Trad. A.M.)

.

11.4.25

Pedro López Lara (Isto é o que restou)




(LXX)

ESTO es lo que ha quedado:
un día desprovisto
de sus noches nutrientes,
una luz transigente, intransitable,
que mata lentamente.

Pedro López Lara

 


Isto é o que restou,
um dia desprovido
de suas noites nutrientes,
uma luz transigente, impraticável,
que mata lentamente.


(Trad. A.M.)

.

9.4.25

Camilo Castelo Branco (O maior murro)




(O maior murro que ainda levaram queixos de homem)

Chegou a salvamento ao Rocio; aí, porém, o aguardava um desastre que seria ignominioso, se a providência não escolhesse um homem do Porto como instrumento de castigo.
Um homem do Porto, quando bate, honra sempre as costelas que quebra.
Sou insuspeito, aqui o declaro…
(…)
- Pois é para dar-lhe os agradecimentos que eu vim de Paris procurá-lo — disse Bazílio; e atirou-lhe in continenti à cara um murro capaz de matar um elefante.
Henrique Pestana é ocioso dizer que deu um salto, como se o murro fosse um choque de pilha eléctrica e caiu fora do passadiço.
Por instinto de defesa, ficou de costas, com as pernas ao alto.
Bazílio avançou para ele, ergueu-o pelas lapelas do casaco, sacudiu-o como quem desperta um sonâmbulo, e, quando o viu acordado, estampou-lhe dois homéricos pontapés, que o fizeram voltar ao ponto donde o deslocara o murro.  (XVIII)


CAMILO CASTELO BRANCO
Aventuras de Bazílio Fernandes Enxertado
(1863)

.