27.7.24

Vicente García (Sobre um tema de Moreno Villa)




SOBRE UN TEMA DE MORENO VILLA

 

Quizá porque termine nuestro mundo,
quizá porque perdimos
una oportunidad en otro tiempo,
nos llegará la hora del olvido.

Escribimos palabras en la arena.

Nos llevarán las olas, y también
irán borrando todas las palabras.


Vicente García

 

Talvez porque nosso mundo se acabe,
talvez porque perdemos
uma oportunidade em tempos,
há-de chegar-nos a hora do olvido.

Escrevemos palavras na areia.

As ondas nos levarão, e apagarão
também as palavras todas.


(Trad. A.M.)

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26.7.24

Teresa Gómez (Mas não te quis)




MAS NÃO TE QUIS 

 

Para ti nada mais
eu pus meus xailes e jóias
e palavras e gemidos compus,
para ti nada mais. 

Para te ter preso à minha ilharga
eu trouxe açucenas dos cumes
e conchas brancas do abismo,
para te ter preso. 

Mas não te quis, 
meu amor, eu não te quis.
 

Teresa Gómez 

(Trad. A.M.)

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24.7.24

Rui Caeiro (Espero um dia)






Espero um dia ter de esperar-te, com a ansiedade
dos que perderam tudo ou quase, menos talvez a memória
E espero humildemente vir a merecer-te, cometer um acto heróico
e merecer-te, ser outra e a mesma pessoa – e merecer-te
Espero estar bem triste para quando enfim chegares
poder dar-te o mais autêntico: a memória, a tristeza
Espero a grande disponibilidade de poder esperar à vontade
quero o espaço, todo o espaço – e muita falta de ar
Espero a paciência de adivinhar-te e a sufocação de ver-te
ou a graça de poder continuar à espera – indefinidamente
Espero, ardentemente espero que o tempo passe e a morte não exista
e eu apenas à tua espera rodeado de livros, sem perceber nada
Espero, já agora, que no final, como quem completa um puzzle
afinal mais simples do que parecia, tu simplesmente venhas

Rui Caeiro

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22.7.24

Raquel Lanseros (Aritmética)




ARITMÉTICA

 

O que eu quero que seja
o que é
o que podia ter sido
o que nunca será
o que foi e o que era
o que podia ser
o que hei-de querer um dia que tenha sido
o que quis que fosse
o que apesar de mim se obstina em ser
o que sempre sonhei que fosse um dia

As contas estão certas,
eu sou o resultado.


Raquel Lanseros

(Trad. A.M.)

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21.7.24

Carlos Martínez Aguirre (Mar de açafrão)




MAR DE AZAFRÁN

 

La luz se duerme sobre lo que existe
insensible al transcurso de las horas.
Una gota de azul entre tus ojos,
un corazón desenredó mis años.
El tiempo se confunde: no distingue
el trigo de un puñado de naranjas,
y todos somos puertas en la vida
ávidos de encerrar la primavera.
Pero hay campos de nardos en tus senos,
hay mosto entre tus labios, hay espigas
copiadas sobre el oro de tus piernas,
hay un mar de azafrán, hay esmeraldas
prendidas de tu pelo, hay la bandera
victoriosa en los campos de tu cuerpo.

 

Carlos Martínez Aguirre

 

 

A luz adormece sobre o que existe,
insensível à passagem das horas.
Uma gota de azul entre teus olhos,
um coração que me desenredou os anos.
O tempo confunde-se, não distingue
o trigo de um punhado de laranjas,
e todos nós somos portas na vida,
ávidos por encerrar a primavera.
Mas há campos de nardos em teus seios,
há mosto nos teus lábios, há espigas
copiadas sobre o ouro de tuas pernas,
há um mar de açafrão, há esmeraldas
presa no teu cabelo, há a bandeira
da vitória nos campos de teu corpo.


(Trad. A.M.)

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19.7.24

Luís Palma Gomes (A origem)



A ORIGEM

 

Nada do que escreves é teu.

Tudo se afasta e retorna
como o som ofegante
de quem respira cansado
de fugir.

Se ainda não sabes ao certo
de onde te chegam as palavras,
abriga-te, então.

Vais ter de esperar
para saber se vais ou vens
da nascente.

 

LUÍS PALMA GOMES
Fronteira
(2022)



>>  Luis Palma Gomes (sítio) / Árvore com voz (blogue)

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17.7.24

Pepe Ramos (A ordem das nuvens)




EL ORDEN DE LAS NUBES 

 

No hay un orden en las nubes.
Se generan de un modo azaroso,
se juntan o se separan
según soplen los vientos. 

A veces forman siluetas curiosas
o crean un espectáculo admirable
en función de la luz que reciben.

Los expertos las clasifican por formas
y predicen su comportamiento
sin demasiada precisión.
Unas se quedan donde nacieron
y otras viajan miles de kilómetros. 

Algunas provocan tempestades
o violentas inundaciones
mientras otras caen suavemente,
pero todas permanecen en la flor,
el arroyo, el trigal o el bosque
cuando ya nadie recuerda su forma. 

Con las personas pasa lo mismo.

 
PEPE RAMOS
El cielo de las cajeras
(2023) 

 

Não há qualquer ordem nas nuvens,
formam-se de modo acidental,
juntam-se ou separam-se
conforme sopram os ventos. 

Às vezes fazem silhuetas curiosas 
ou criam um espectáculo admirável 
em função da luz que recebem. 

Os especialistas classificam-nas por formas
e predizem-lhes o comportamento,
aliás sem grande precisão. 

Umas permanecem onde nascem,

outras viajam milhares de quilómetros.

Algumas provocam tempestades
ou violentas inundações,
enquanto outras caem suavemente,
mas todas permanecem na flor,
no corgo, trigal ou bosque,
quando ninguém recorda já a sua forma. 

Com as pessoas acontece o mesmo.
 

(Trad. A.M.)

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