19.3.25

Jacques Prévert (Um belo dia)




UN BEAU MATIN

 

Il n'avait peur de personne
Il n'avait peur de rien
Mais un matin un beau matin
Il croit voir quelque chose
Mais il dit Ce n'est rien
Et il avait raison
Avec sa raison sans nul doute
Ce n' était rien
Mais le matin ce même matin
Il croit entendre quelqu'un
Et il ouvrit la porte
Et il la referma en disant Personne
Et il avait raison
Avec sa raison sans nul doute
Il n'y avait personne
Mais soudain il eut peur
Et il comprit qu'Il était seul
Mais qu'Il n'était pas tout seul
Et c'est alors qu'il vit
Rien en personne devant lui

Jacques Prévert

 

 

Ele não tinha medo de ninguém
não tinha medo de nada
Mas uma manhã uma bela manhã
ele julga ver algo
Mas diz Não é nada
E tinha razão
Na sua razão fora de dúvidas
não era nada
Mas de manhã nessa mesma manhã
parece-lhe ouvir alguém
e abriu a porta
fechando-a a seguir dizendo Ninguém
E tinha razão
Na sua razão fora de dúvidas
não era ninguém
Aí de repente teve medo
e compreendeu que estava sozinho
mas não completamente só
e foi então que viu
o nada em pessoa na sua frente


(Trad. A.M.)

 .

José Luis García Martín (Minha pátria)




MI PATRIA

 

Si me dijeran, puedes escoger tu patria,
un lugar en el que vivir,
un lugar por el que morir,
una gran historia llena de patrañas
que has de creer a pie juntillas,
un trapo tremolante
que ha de llenarte de emoción
cuando lo divises de lejos,
¿qué patria escogería?
El mundo es demasiado grande,
mi pueblo demasiado pequeño.
¿No habrá un errante asteroide
todavía sin nombre,
sin historia, sin bandera,
sin sangre en las manos,
sin victimas a las que vengar?
Un pedrusco ignorado de todos,
al que aún no haya salpicado
la estupidez humana,
esa quisiera que fuera mi patria.
 

J.L. García Martín 

 

Se me dissessem, podes escolher a tua pátria,
um lugar para viver,
um lugar para morrer,
uma grande história cheia de patranhas 
em que terás de crer a pés juntos,
um trapo a tremular
que te encherá de emoção 
quando o avistares ao longe,
que pátria escolheria eu?
O mundo é grande demais,
minha terra pequena demais.
Não haverá um errante asteróide 
sem nome ainda,
sem história, sem bandeira,
sem sangue nas mãos,
sem vítimas para vingar?
Um penedo ignorado de todos,
ainda não salpicado 
pela humanal estupidez,
essa eu quereria que fosse a minha pátria.
 

(Trad. A.M.)

 .

18.3.25

Efi Cubero (Palavra)




PALABRA


La piel (asunto serio)
se desgasta.

Queda en poder del Tiempo.

Que éste obre:
nada más desea.

Mas la Palabra es vida.

Prodigio eterno entre
interlocuciones,
proyecta inmensidad
como un espejo.

Agua de algún venero
inagotable donde es
tan necessária
la frescura.

Efi Cubero

 


A pele (sério assunto)
desgasta-se.

Fica no poder do Tempo.

Que ele trabalhe,
nada mais deseja.

Mas a Palavra é vida.

Prodígio eterno entre
interlocuções,
projecta imensidão
como um espelho.

Linfa de nascente
inesgotável onde é
tão necessária
a frescura.


(Trad. A.M.)

.

16.3.25

Camilo Castelo Branco (Aos pés da catedral)




(Aos pés da catedral)

Ao repontar a aurora do belo dia de Julho, o Douro que banha o Porto, desde o cais da Corticeira até o de Massarelos, retratava em suas águas serenas e cristalinas as bandeiras e listrões de vistosas cores, que os últimos bafejos da viração matutina ondulavam brandamente, sobre os mastros dos barquinhos, e na orla dos pavilhões que os defendiam do calor.
Ao lampejar tremente do sol nas cristas da serra doirada, lá naqueles tão poéticos longes das montanhas, começavam as famílias a desembocar das estreitas ruas de Miragaia, das arcarias escuras de Cima do Muro, da majestosa rua de S. João, e de quantos becos descem do antigo burgo, que lá se está esboroando aos pés da catedral. (IV)


CAMILO CASTELO BRANCO
Aventuras de Bazílio Fernandes Enxertado
(1863)

.

14.3.25

Francisco Brines (Os sinónimos)




LOS SINÓNIMOS 

 

Más allá de la luz está la sombra,
y detrás de la sombra no habrá luz
ni sombra. Ni sonidos, ni silencio.
Llámale eternidad, o Dios, o infierno
O no le llames nada.
Como si nada hubiera sucedido.
 

Francisco Brines


Para além da luz a sombra,
e por trás da sombra nem luz
nem sombra. Nem sons, nem silêncio.
Chama-lhe eternidade, ou Deus, ou inferno.
Ou não chames nada.
Como se nada tivesse acontecido.
 

(Trad. A.M.)

 .

13.3.25

Ángel Guinda (O efémero)




LO EFÍMERO


Venga lo que venga, 
por mucho tiempo 
no se quedará. 

Por mucho que se quede,
yo estaré ya de vuelta 
o no estaré 
por mucho que me vaya.

Vendrá, se irá: 
mudable, como todo. 
Porque todo se va 
para cambiar

 
Ángel Guinda

[La ceniza]



Venha o que vier,
por muito tempo
não ficará.

Por muito que fique,
eu estarei de volta 
ou não estarei 
por muito que me vá.

Virá e andará,
mudável, como tudo.
Porque tudo se vai 
para mudar.

(Trad. A.M.)

 .

11.3.25

Fernando Assis Pacheco (Não pude amar mais ninguém)




não pude amar mais ninguém
e mesmo que te minta
é o contrário disso 

e mesmo que te minta
é a verdade seca
posta ali às avessas;
não pude amar mais claro

Fernando Assis Pacheco

 .

9.3.25

Carlos Marzal (A matéria do tempo)




A MATÉRIA DO TEMPO

 

Talvez não exista o tempo – assim dizem alguns.
O presente contém, acaso, todo
o futuro que aguarda e o passado
onde nós fomos outros. Assim dizem.
O tempo, para mim, que sei que as palavras
são um jogo qualquer para passar o tempo,
é feito de caras desconhecidas
em cais, e de luas de espelhos
onde se deteve o meu fantasma,
de mentiras que não distingo já da verdade,
da dor antiga, que não hei-de aqui nomear,
os que amei e perdi, pelo barranco abaixo,
confusão e derrota, névoa e ruído.
O tempo é o que eu invento para escapar a tempo.

Não sei como há quem pense que o tempo não é real
(alguns inventam mesmo um absurdo demónio
a quem acabam por dar a alma).

O tempo não é um sonho, e a demonstrá-lo
aqui está o próprio tempo, que converte
estas palavras e quem as pronuncia
em carne de um olvido sem remédio.


Carlos Marzal

(Trad. A.M.)

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