30.6.18

Jaime Siles (Biografia)





BIOGRAFÍA



Mi ayer son algas de pasión,
luces de espuma.
Y una arena insaciable que devora
los cuerpos submarinos.
Un cielo blando donde beben
las palomas sin rumbo del estío.

Jaime Siles



Meu ontem são algas de paixão,
luzes de espuma.
E uma areia insaciável que devora
os corpos marinhos.
Um céu suave onde bebem
as pombas sem rumo do estio.

(Trad. A.M.)




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29.6.18

Eugénia de Vasconcellos (Beijo)






BEIJO



É a língua que abre a respiração da manhã,
adormecida, fácil.
Lábios sobre lábios,
da saliva,
a humidade,
do fogo do espírito,
o sopro do desejo:
vento sobre a marítima água, arrepiada, do corpo.
A carne, sempre muito à flor pele,
insinua ao ouvido a boca que ele tem
e enche-a até estrangular com nome próprio de dedos,
o ar suspenso, inicial.
Bom dia, meu amor


Eugénia de Vasconcellos

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28.6.18

Antonio Porchia (Meu pai)






Mi padre, al irse, regaló medio siglo
a mi niñez.



Antonio Porchia




Meu pai, ao morrer,
ofereceu meio século
à minha infância.


(Trad. A.M,)

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27.6.18

Antonio Pérez Morte (Roble frágil)






ROBLE FRÁGIL



Necesito un refrán de aquellos
que sabías de memoria,
o de aquellos otros que dejábamos a medias,
a capricho de la memoria y la intención.
Lo necesito urgentemente para aliviar este dolor
que me atenaza y que todavía arrecia.

Hablar contigo, al lado del fuego,
de todas esas cosas importantes
que no pueden comprarse
y que tú encontraste muy cerca de aquí,
en Susín, en Sobrepuerto,
muy cerca del cielo.

Porque para vivir basta la vida,
el calor de la amistad y cuatro astillas
dos gatos, un perro,

un libro, el sol, un prado,
la era, las montañas,
el cielo lleno de estrellas,
una noche de tormenta…

Necesito un refrán de aquellos.

¿El de febrerillo el loco?
Loco sí, pero no tonto:

Nos hizo un siete del calendario al alma
y te llevó, dejándonos, de nuevo,
el imborrable dolor
de los duros versos de Juan Luis Panero:
Vivir es ver morir.

Repienso: Morir es ver morir
cuando quien se va
se lleva dentro de sí,
parte de ti
en una filosofía de vida
basada sólo en la vida
- interior y exterior -
en el amor y en el respeto.

Antonio Pérez Morte



Preciso de um refrão daqueles
que tu sabias de cor,
ou dos outros que deixávamos a meias,
ao capricho da memória e da intenção.
Preciso urgentemente, para aliviar esta dor
que me atazana e ainda cresce.
Falar contigo, ao pé da fogueira
das coisas importantes
que não podem comprar-se
e que tu encontraste aqui muito perto,
em Susín, em Sobrepuerto,
muito perto do céu.
Porque para viver basta a vida,
o calor da amizade e quatro cavacos,
dois gatos, um cachorro,
um livro, o sol, um prado,
a eira, as montanhas,
o céu coberto de estrelas,
uma noite de tempestade...
Preciso de um refrão desses.
O do louco Fevereirito?
Louco sim, mas não tonto:
Pôs-nos na alma um sete do calendário
e levou-te, deixando-nos, novamente,
a dor inapagável
dos duros versos de Juan Luis Panero:
Viver é ver morrer.
Corrijo: Morrer é ver morrer
quando quem se vai
leva dentro de si
uma parte de nós
numa filosofia de vida
baseada apenas na vida
- interior e exterior –
no amor e no respeito.

(Trad. A.M.)
.

26.6.18

Mário de Carvalho (Era bom que trocássemos)





(E já vamos na página dezasseis)


E porque já vamos na página dezasseis, em atraso sobre o momento em que os teóricos da escrita criativa obrigam ao início da acção, vejo-me obrigado a deixar para depois estas desinteressantes e algo eruditas considerações sobre cores e arquitecturas, para passar de chofre ao movimento, ao enredo. 

Na página três já deveria haver alguém surpreendido, amado, ou morto. 

Falhei a ocasião de “fazer progredir” o romance.

Daqui por diante, eu mortes e amores não prometo, mas comprometo-me a tentear algumas surpresas.

E enquanto me apresso, vou protestando que houve um escritor que demorou trinta magníficas páginas a acordar de um sono e outro que gastou muitas mais a tentar demonstrar, fraudulenta mas genialmente, que a baleia é um peixe...

MÁRIO DE CARVALHO
Era bom que trocássemos umas ideias sobre o assunto
(1995)
__________________

Leituras:

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25.6.18

Antonio Orihuela (Onde se guardam as colmeias)





DONDE SE GUARDAN TODAS LAS COLMENAS



La mitad de este sueño
puede írsenos soñando otras vidas.

A veces, un sueño contiene otro sueño
o es parte de un sueño
lo que encontramos en otro sueño
soñado en viceversa
porque son reversibles los sueños
y un día
podemos descubrirnos
soñando el sueño de otro
o viviendo porque somos el sueño
que otro soñó así para nuestra vida,

el sueño de un soñador
que no éramos nosotros
y que nos sueña y nos deja de soñar
a la par que sueña con todo lo posible y lo imposible

dentro de un sueño
que no termina.


ANTONIO ORIHUELA
Todo el mundo está en otro lugar
Ed. Baile del Sol
(2011)

[Voces del extremo]




Metade deste sonho
vai-se-nos a sonhar outras vidas.

Às vezes, um sonho tem outro sonho
ou é parte de um sonho
o que achamos em outro sonho
sonhado em vice-versa
porque são reversíveis os sonhos
e um dia
podemos dar por nós
a sonhar o sonho de outrem
ou a viver só por sermos o sonho
que alguém sonhou assim para nossa vida,

o sonho de um sonhador
que não éramos nós mesmos
que nos sonha e deixa de sonhar
enquanto sonha com o possível
e o impossível

dentro de um sonho
que não acaba.

(Trad. A.M.)

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24.6.18

Antonio Martínez Sarrión (Arribada)





ARRIBADA



¿Quién habla de una fácil travesía?
Las noches se poblaban de sirenas,
de cuartos donde ardía la revuelta,
de exilios que a tu cuerpo devastaron.
Mi amor fuerte, mi amor loco y profético
con vestidos que el puro azar cosía
y que eran delecados por la bruma
entre las carcajadas repulsivas
de una Europa siniestra y satisfecha.
Son muchos los agravios, risueña. Pero algo
desatado y veloz, a mí te trajo a flote,
indemne, victoriosa, con el floral tesoro
de tu ternura oceánica, de tus ojos de miel.
Y en la tranquila tarde de este día de mayo
cruzas serenamente por tu sueño y yo velo,
mientras pasan los lentos veleros de la música,
tu tos de fumadora y tu jersey grandón.


Antonio Martínez Sarrión




Quem é que falou de travessia fácil?
As noites povoadas de sereias,
de quartos de revolta acesa,
de exílios que devastaram teu corpo.
Meu amor forte, meu amor louco e profético,
com vestidos cosidos do puro acaso,
desfiados pela bruma
entre gargalhadas repulsivas
de uma Europa sinistra e satisfeita.
Muitos agravos, ó cara-de-riso. Mas algo
veloz e desatado, te trouxe para mim à tona,
invicta, indemne, com o tesouro florido
de tua ternura oceânica, de teus olhos de mel.
E na tarde quieta deste dia de Maio
cruzas serenamente em teu sono e eu velo,
a ver passar os lentos veleiros da música,
tua tosse de fumadora, teu jersey grandão.


(Trad. A.M.)

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23.6.18

Eucanaã Ferraz (Escada)






ESCADA



De transformar-se o amador na coisa amada
transformam-se o pescador em peixe o capitão
em arma em piano o pianista em desastre
o equilibrista o arquiteto desaparecido
quem sabe converteu-se em luz no livre
alto vão da escada
e como ela em espiral
transformam-se em madrugada a namorada
em ácido o químico em mágica o mágico em livro
o bibliotecário em poeta o poema o poema em água
e por virtude de muito imaginar hoje sou você
graça – de ver em mim a parte desejada.

Eucanaã Ferraz

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22.6.18

Antonio Machado (Ontem sonhei que via)





Ayer soñé que veía
a Dios y que a Dios hablaba;
y soñé que Dios me oía...
Después soñé que soñaba.


Antonio Machado




Ontem sonhei que via
Deus e que lhe falava;
e sonhei que Deus me ouvia...
Depois sonhei que sonhava.


(Trad. A.M.)

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21.6.18

Antonio Gamoneda (Violação)





VIOLACIÓN



Silba el amanecer, florece el hierro
bajo la incandescencia de los pájaros

Pero también sucede el mar y las preguntas caen sobre la piel de
la melancolía como un caballo que galopase en la memoria

y el hielo viene devorando sombra,

y esto es el día: sílabas azules
y las palomas perseguidas por el llanto.


Antonio Gamoneda




Silva o amanhecer, floresce o ferro
sob a incandescência dos pássaros

Mas também sucede o mar e as perguntas caem sobre a pele
da melancolia como um cavalo galopando na memória

e o gelo chega devorando sombra,

e é isto o dia: sílabas azuis
e as pombas perseguidas pelo pranto.


(Trad. A.M.)

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20.6.18

Emanuel Félix (Amar uma pedra)





AMAR UMA PEDRA



Um homem pode amar uma pedra
uma pedra amada por um homem não é uma pedra
mas uma pedra amada por um homem
O amor não pode modificar uma pedra
uma pedra é um objecto duro e inanimado
uma pedra é uma pedra e pronto
Um homem pode amar o espaço sagrado que vai de um homem a uma pedra
uma pedra onde comece qualquer coisa ou acabe
onde pouse a cabeça por uma noite
ou sobre a qual edifique uma escada para o alto
Uma pedra é uma pedra
(não pode o amor modificá-la nem o ódio)
Mas se a um homem lhe der para amar uma pedra
não seja uma pedra e mais nada
mas uma pedra amada por um homem
Ame o homem a pedra
e pronto

Emanuel Félix



>>  Portal da literatura (perfil) / Projecto Vercial (idem+4p) / Wikipedia

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19.6.18

Ángeles Mora (Trocando os pronomes)






CAMBIANDO UN POCO LOS PRONOMBRES         



Porque sé que tú eres sobre todo la noche,                        
sobre todo tus dedos que se mueren en mí,                        
sobre todo este beso, la huella de mis labios,                     
el brillo de tus piernas y las mías,                            
el silencio que canta en estas cuatro                      
paredes de mi vida...                    

Porque sé que tú eres de pronto la mañana,                       
mis dedos que se mueren sólo en ti,                       
sobre todo este beso, la huella de tus labios,                     
el brillo de mis piernas y las tuyas,                          
el silencio que canta en estas cuatro                      
paredes de tu vida...


Ángeles Mora




Porque eu sei que tu és sobretudo a noite,
sobretudo teus dedos morrendo em mim,
sobretudo este beijo, a marca de meus lábios,
tuas pernas brilhando, assim como as minhas,
o silêncio cantando
entre as quatro paredes
da minha vida...

Porque eu sei que tu és de repente a manhã
meus dedos morrendo apenas em ti,
sobretudo este beijo, a marca de teus lábios,
minhas pernas brilhando, assim como as tuas,
o silêncio cantando
entre as quatro paredes
da tua vida...


(Trad. A.M.)

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18.6.18

Ángel Guinda (Escrever)






ESCRIBIR



Si me quitan la palabra escribiré con el silencio.
Si me quitan la luz escribiré en tinieblas.
Si pierdo la memoria me inventaré otro olvido.
Si detienen el sol, las nubes, los planetas,
me pondré a girar.
Si acallan la música cantaré sin voz.
Si queman el papel, si se secan las tintas,
si estallan las pantallas de los ordenadores,
si derriban las tapias, escribiré en mi aliento.
Si apagan el fuego que me ilumina
escribiré en el humo.
Y cuando el humo no exista
escribiré en las miradas que nazcan sin mis ojos.
Si me quitan la vida escribiré con la muerte.

Ángel Guinda




Se me tirarem a palavra escreverei com o silêncio.
Se me tirarem a luz escreverei nas trevas.
Se perder a memória inventarei outro olvido.
Se detiverem o sol, as nuvens, os planetas,
pôr-me-ei eu mesmo a girar.
Se calarem a música cantarei sem voz.
Se queimarem o papel, se secarem as tintas,
se explodirem as pantalhas dos computadores,
se derrubarem os muros, escreverei no meu hálito.
Se apagarem a chama que me ilumina
escreverei no fumo.
E quando o fumo não existir
escreverei nos olhares que nascerem sem meus olhos.
Se me tirarem a vida escreverei com a morte.

(Trad. A.M.)


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17.6.18

Agustina Bessa-Luís (Casamento)




(Casamento)


O casamento não impede as mulheres de cometerem loucuras, mas impede que as loucuras das mulheres sejam tidas por absurdas. (II)


AGUSTINA BESSA-LUÍS
Fanny Owen
(1979)
.

16.6.18

Ángel González (Aqui, Madrid)






AQUÍ, MADRID, MIL NOVECIENTOS CINCUENTA Y CUATRO: UN HOMBRE SOLO



Un hombre lleno de febrero,
ávido de domingos luminosos,
caminando hacia marzo paso a paso,
hacia el marzo del viento y de los rojos
horizontes - y la reciente primavera
ya en la frontera del abril lluvioso...
Aquí, Madrid, entre tranvías
y reflejos, un hombre: un hombre solo.
- Más tarde vendrá mayo y luego junio,
y después julio y, al final, agosto.
Un hombre con un año para nada
delante de su hastío para todo.


Ángel González

[Noctambulario]




Um homem cheio de Fevereiro,
ávido de domingos luminosos,
caminhando para Março passo a passo,
Março do vento e dos vermelhos
horizontes – e a recente Primavera
já na fronteira de Abril chuvoso...
Aqui, Madrid, por entre eléctricos
e reflexos, um homem: um homem só.
- Mais tarde virá Maio e depois Junho,
a seguir Julho e no fim Agosto.
Um homem com um ano para nada,
diante de seu fastio para tudo.

(Trad. A.M.)

.

15.6.18

Andrés Neuman (A natação e o ar)






LA NATACION Y EL AIRE



En eras primitivas,
cuando el verbo aguardaba sumergido,
los peces respiraban a través de una vesícula
que era a la vez timón, brújula y bronquio,
fuente del equilibrio natatorio
y del aire disperso por el agua.
Hoy perviven, mermadas en las profundidades,
unas pocas especies que la emplean.

En nosotros también resiste un testimonio:
¿quién no ha sentido, en sueños, que volaba
como si diera brazas en el mar?
Al dormir, respiramos con el órgano
extraño que los peces han perdido,
el mismo que alza a flote las imágenes
y el ritmo del pulmón decide el vuelo
-su altura, su sentido, sus virajes-
y sudamos en busca de un líquido remoto
y levamos el cuerpo como quien muta en pájaro.

Mientras esto suceda, mientras haya
sueños y voluntad de reflotarlos,
memoria y reflexiones abisales,
fusiones de elementos y de ciclos,
vivirá la poesía. En el futuro
volar será nadar con más conciencia.

Andrés Neuman






Em eras primitivas
quando o verbo aguardava submerso,
os peixes respiravam através de uma vesícula
que era a um tempo timão, bússola e brônquio,
fonte do equilíbrio natatório
e do ar disperso pela água.
Hoje pervivem, encolhidas nas profundidades,
algumas poucas espécies que a usam.

Também em nós há um testemunho que resiste,
quem é que não sentiu, em sonhos, que voava
assim como se desse braçadas no mar?
A dormir, respiramos com o órgão estranho
que os peixes perderam,
o mesmo que traz à tona as imagens,
além de o ritmo do pulmão decidir o voo
- a altura, o sentido, as viragens –
de suarmos em busca de um líquido remoto
e de usarmos o corpo como quem se faz pássaro.

Enquanto isto acontecer, enquanto houver
sonhos e vontade de os trazer à tona,
memória e reflexões do abismo,
fusões de elementos e de ciclos,
a poesia viverá. Voar, no futuro,
será nadar com mais consciência.

(Trad. A.M.)

 .

14.6.18

Daniel Filipe (Pátria, lugar de exílio)






PÁTRIA LUGAR DE EXÍLIO
   (fragmento)


Neste ano de 1962
não como Nazim Hikmet no avião de pedra
mas na minha cidade
livre de ir onde quiser
e no entanto prisioneiro
neste ano de 1962
exatamente
em Lisboa
Avenida de Roma número noventa e três
às três horas da tarde

Neste ano de 1962
encostado a uma esquina da estação do Rossio
esperando talvez a carta que não chega
um amor adolescente
meu Paris tão distante
minha África inútil
aqui mesmo
aqui de mãos nos bolsos e o coração cheio de amargura
cumprindo os pequenos ritos quotidianos
cigarro após o almoço
café com pouco açúcar
má-língua e literatura

Aqui mesmo a mão sei quantos graus de latitude
e de enjôo crescente
solitário e agreste
invisível aos olhos dos que amo
ignorado por ti pequeno empregado de escritório preocupado
com um erro de contas
incapaz de dizer toda a minha ternura
operária de fábrica com três filhos famintos

Aqui mesmo envolto na placidez burguesa
higienicamente limpo e com os papéis em ordem
vestido de nylon dralon leacril
com acabamentos sanitized
e lugar marcado junto ao aparelho de TV
eu
enjoado de tudo e contemporizando com tudo
eu
peça oleada do mecanismo de trituração
eu
incapaz de suicídio descerrando um sorriso-gelosia
eu
apesar de tudo vivo apesar de tudo inquieto
eu
neste ano de 1962
exatamente
não ontem mas precisamente às três horas da tarde
pela hora oficial
exilado na pátria
   (...)

Daniel Filipe

.

12.6.18

América Martínez Ferrer (Se nós pudéssemos)





Si pudiéramos todos
encender la palabra
volverla fulgor
llamarada
abrasando nuestros nombres
                nuestros sinos
conquistaríamos juntos
esta tupida trama hecha de tiempo
rompiendo el porvenir y su espesura

América Martínez Ferrer




Se nós pudéssemos
acender a palavra
torná-la fulgor
labareda
abrasando-nos os nomes
      e os sinos
conquistaríamos juntos
esta densa trama feita de tempo
rasgando o futuro e a sua espessura

(Trad. A.M.)

.

11.6.18

Carlos Alberto Machado (Não digníssima senhora)






Não digníssima senhora não
a poesia não é o que imagina
escondida língua de saguão
rima na fenda de vossa prima
lodosa viperina desleal será
de seguro ninguém lhe dirá
o que ela é ou deverá ser pois
é de sua índole não pôr de acordo
nem as duas partes de um homem
imagine então ilustríssima dama
a poesia.


Carlos Alberto Machado


.

10.6.18

Amalia Bautsta (A dor)






EL DOLOR



El dolor no humaniza, no ennoblece,
no nos hace mejores ni nos salva,
nada lo justifica ni lo anula.
El dolor no perdona ni inmuniza,
no fortalece o dulcifica el alma,
no crea nada y nada lo destruye.
El dolor siempre existe y siempre vuelve,
ninguno de sus actos es el último
y todos pueden ser definitivos.
El dolor más horrible siempre puede
ser más intenso aún y ser eterno.
Siempre va acompañado por el miedo
y los dos se alimentan uno a otro.

Amalia Bautista




A dor não humaniza, não enobrece,
não nos faz melhores nem nos salva,
nada a justifica nem anula.
A dor não perdoa nem imuniza,
não fortalece nem adoça a alma,
não cria nada e nada a destrói.
A dor existe sempre e sempre volta,
nenhum dos seus actos é o último
e todos podem ser definitivos.
A dor mais horrível pode sempre
ser mais intensa ainda e ser eterna.
Anda sempre na companhia do medo
e os dois um ao outro se alimentam.

(Trad. A.M.)

.

9.6.18

Álvaro Valverde (Junto desta cama de hospital)






Junto desta cama de hospital,    
utilitária e branca, em que agora
descansa o corpo doente do meu pai,
neste mesmo sítio onde agora
eu mesmo estou sentado,
esteve um dia ele
 velando o seu.
Recorda-mo às vezes, lá pela noite,
quando apagam as luzes do corredor
e se ouvem os passos silenciosos
do pessoal de vigia
e a tosse do vizinho e o gemido longínquo
de alguém que sofre alheio
no quarto do fundo.
Em voz baixa, conta outras noites de insónia
semelhantes a esta,
ainda que ele não fosse então
o sujeito passivo dos meus inábeis cuidados
e somente o representante dessa força
que sem dúvida tiramos da fraqueza
para poder estar à altura
de tão penoso acontecimento.
Entre duas luzes,
com a respiração forçada do oxigénio,
enquanto altera as doses no conta-gotas,
penso em mim por momentos
e, sem querer,
vejo-me a mim mesmo
estendido nesta cama,
e, ao meu lado, sentado, como eu,
na mesma cadeira,
um dos meus filhos segurando
com muita força a minha mão.



Álvaro Valverde


.


8.6.18

Agustina Bessa-Luís (Mulheres infiéis)






(Mulheres infiéis)


O Porto tinha uma condescendência especial para as mulheres infiéis, se elas eram inteligentes bastante para não preferirem o amante aos deveres da sociedade.

Não se discutiam os gostos, logo que não se cometessem erros com eles.

E era um erro enternecer-se por um destino quando se tratava apenas de amar um homem, coisa breve e sem muito de herético. (I)



AGUSTINA BESSA-LUÍS
Fanny Owen
(1979)

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7.6.18

Álvaro Mutis (Cidade)






CIUDAD



Un llanto,
 un llanto de mujer
 interminable,
 sosegado,
 casi tranquilo.
 En la noche, un llanto de mujer me ha despertado.
 Primero un ruido de cerradura,
 después unos pies que vacilan
 y luego, de pronto, el llanto.
 Suspiros intermitentes
 como caídas de un agua interior,
 densa,
 imperiosa,
 inagotable,
 como esclusa que acumula y libera sus aguas
 o como hélice secreta
 que detiene y reanuda su trabajo
 trasegando el blanco tiempo de la noche.
 Toda la ciudad se ha ido llenando de este llanto,
 hasta los solares donde se amontonan las basuras,
 bajo las cúpulas de los hospitales,
 sobre las terrazas del verano,
 en las discretas celdas de la prostitución,
 en los papeles que se deslizan por solitarias avenidas,
 con el tibio vaho de ciertas cocinas militares,
 en las medallas que reposan en joyeros de teca,
 un llanto de mujer que ha llorado largamente
 en el cuarto vecino,
 por todos los que cavan su tumba en el sueño,
 por los que vigilan la mina del tiempo,
 por mí que lo escucho
 sin conocer otra cosa
 que su frágil rodar por la intemperie
 persiguiendo las calladas arenas del alba.

Álvaro Mutis




Um pranto,
um pranto de mulher
interminável,
sossegado,
quase tranquilo.
De noite, um pranto de mulher acordou-me.
Primeiro um ruído de fechadura,
depois uns pés vacilando
e a seguir, de repente, o choro.
Suspiros intermitentes
como quedas de uma água interior,
densa,
imperiosa,
inesgotável,
como eclusa que acumula e solta suas águas
ou como hélice secreta
que pára e retoma seu trabalho
trasfegando o branco tempo da noite.
Toda a cidade se foi enchendo deste pranto,
até os terrenos onde os lixos se amontoam,
sob as cúpulas dos hospitais,
nos terraços de Verão,
nas celas discretas das prostitutas,
nos papéis que deslizam nas solitárias avenidas,
com o bafo morno de certas cozinhas militares,
nas medalhas que repousam em cofres de teca,
um pranto de mulher que chorou longamente
no quarto vizinho,
por todos os que cavam o sepulcro no sono,
pelos que vigiam a mina do tempo,
por mim que o escuto
sem saber mais do que
do seu frágil rodar pela intempérie
perseguindo as caladas areias da aurora.


(Trad. A.M.)


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6.6.18

Alfredo Buxán (Poética)





POÉTICA



Contra a morte, sim, cada poema.
Embora respire o lodo do seu hálito.
Embora a invoque. Embora me arrisque
ao beijo que ela reclama em cada passagem.


ALFREDO BUXÁN
Las Palabras Perdidas
(Poesía 1989-2008)
Bartleby Editores (2011)

(Trad. A.M.)

.

5.6.18

António Nobre (Ó virgens que passais ao sol-poente)





Ó virgens que passais, ao sol-poente,
Pelas estradas ermas, a cantar!
Eu quero ouvir uma canção ardente
Que me transporte ao meu perdido lar...

Cantai-me, nessa voz omnipotente,
O sol que tomba, aureolando o mar,
A fartura da seara reluzente,
O vinho, a graça, a formosura, o luar!

Cantai! cantai as límpidas cantigas!
Das ruínas do meu lar desaterrai
Todas aquelas ilusões antigas

Que eu vi morrer n'um sonho, como um ai...
Ó suaves e frescas raparigas;
Adormecei-me n'essa voz... Cantai! 


António Nobre





>>  Portal da literatura (40p) / Citador (41p)

.

4.6.18

Alfonso Costafreda (Eu pergunto)





YO PREGUNTO



Ha muerto mi padre.
Se repite su ausencia cada día
en el hogar vacío.
Yo pregunto,
y además de la ausencia y además
de perder los caminos de esta tierra,
¿qué es la muerte?

Yo te pregunto, padre, ¿qué es la muerte?
¿Has hallado la paz que merecías?
¿Encontraste cobijo en nueva casa
o vas errante, y sufres bajo el frío
del invierno más grande, del total
desamor?

Yo te pregunto, padre, si son algo
los muertos, o si la muerte es sólo
una inmensa palabra que comprende
todo lo que no existe.


Alfonso Costafreda





Meu pai morreu,
cada dia se repete sua ausência
no lugar vazio.
E eu pergunto
o que é a morte,
para além da ausência
e de se perderem os caminhos da terra?

Pergunto-te, pai, o que é a morte?
Achaste tu a paz que merecias?
Encontraste abrigo em nova casa
ou erras por aí, sofrendo o frio
do inverno maior, do total
desamor?

Pergunto-te, pai, se os mortos
são algo, ou é a morte apenas
uma imensa palavra abarcando
tudo o que não existe?

(Trad. A.M.)

.

3.6.18

Alfonso Brezmes (O dia seguinte)






EL DÍA DESPUÉS



Hay un día tras el que todo cambia,
un instante en el que el mundo gira
como un compás sobre su propio eje,
y sin darnos cuenta dejamos de sangrar.
Todo adquiere otra tonalidad entonces:
el corazón ya no pregunta, pues cada
latido quiere ser ahora una respuesta;
los árboles dejan de ser árboles,
el mar no es ese espejo que se traga
los barcos de los hombres uno a uno,
y nuestra mirada ya no es el guante
abandonado que en el suelo aguarda
a que alguien se pare y lo recoja.
Hay un detrás de ese segundo milagroso,
igual que el después de una gran bomba,
y hay olas que avanzan en los bosques
hasta cubrirlo todo de pez y de salitre,
y álzanse en el mar árboles gigantes
que van devolviendo los barcos a los hombres,
y nuestra mirada encuentra al fin otra mirada,
y es como un guante suave que nos cubre,
y el corazón puede por un tiempo descansar.

Alfonso Brezmes




Há um dia em que a seguir tudo muda,
um instante em que o mundo gira
como um compasso no seu próprio eixo,
e sem darmos conta deixamos de sangrar.
Tudo ganha aí outra tonalidade,
o coração não pergunta já, pois cada
latejo pretende ser agora uma resposta;
as árvores deixam de ser árvores,
o mar não é já aquele espelho que engole
os barcos dos homens um a um,
nem o nosso olhar a luva
abandonada no chão à espera
que alguém passe e a apanhe.
Há um antes desse segundo milagroso,
tal como o depois de uma grande bomba,
e há ondas avançando nos bosques
até cobrir tudo de peixe e salitre,
e erguem-se no mar árvores gigantes
que vão devolvendo aos homens seus barcos,
e nosso olhar encontra enfim outro olhar,
e é como uma luva macia que nos cobre,
e o coração pode por um tempo descansar.

(Trad. A.M.)


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2.6.18

A.M.Pires Cabral (Folha rubra)






FOLHA RUBRA



É bom sermos como essas folhas verdes
que prolongam todo o ano a Primavera.

Mas melhor do que isso
é sermos como aquela folha rubra
que antes das outras pressentiu o Outono
e vestiu para ele a sua melhor cor,

mesmo sabendo que o Inverno tem um plano
para em breve a dissolver no chão.


A.M.Pires Cabral

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