30.4.22

José Jiménez Lozano (Revelación)




REVELACION

 

Sol vencido te regala,
en la tarde de otoño,
el poder y la gloria.
Mira tu alargada sombra:
nunca serás más grande.


José Jiménez Lozano

 

 

Sol vencido te oferece,
na tarde de outono,
o poder e a glória.
Olha a tua sombra alongada 
- nunca serás maior.

(Trad. A.M.)

 .

28.4.22

Manuel de Freitas (Há dias em que poderia)


 


Há dias em que poderia jurar que
estão tristes os olhos do meu gato,
mas não, é apenas a melancolia
ilícita que o meu devaneio lhes empresta.
Os gatos tristes, se é que os houve,
morreram talvez num Inverno fugaz e antigo.
E, no fundo, acabo por gostar mais deste.

É por desrazões semelhantes que se escreve
um poema, essa coisa singela
absoluta em frivolidade.


Manuel de Freitas

[Arquivo de cabeceira]

 .

26.4.22

Mario Montalbetti (Meu/poema de amor)




MI (POEMA DE AMOR) 

 

Vendí todas mis alcachofas
por un boleto al lugar en que vives.
Ningún percance.
El tren salió en horario
sol y vacas gordas todo el camino.
Pero tu pueblo no apareció nunca.
 

Mario Montalbetti  

 

Vendi as minhas alcachofras
para comprar um bilhete
para o lugar onde vives.
Nenhum problema.
O comboio saiu à tabela,
sol e vacas gordas a viagem toda.
Mas o teu lugar é que nunca apareceu. 

(Trad. A.M.)

 

>>  
Otra iglesia (muitos p) / La vaca multicolor (11p) / Circulo de poesia (7p) / Zenda (5p) / Cara de perro (entrevista)

.

25.4.22

Miguel d'Ors (Planos para o passado)




PLANES PARA EL PASADO

 

Una vez más trenzando y destrenzando
memoria, sueño, olvido.

Una vez más contando
lo que siempre dejaba de ocurrirte.
                                    Buscando
eso que es más verdad que la verdad.

Una vez más mintiendo
con la mayor sinceridad del mundo.

Una vez más haciendo
planes para el pasado.


Miguel d´Ors

  

Uma vez mais entrançando e desentrançando
memória, sonho, esquecimento.

Uma vez mais contando
o que sempre deixava de suceder-te.
                                            Buscando
aquilo que é mais verdade que a verdade.

Uma vez mais mentindo
com a maior sinceridade do mundo.

Uma vez mais fazendo
planos para o passado.


(Trad. A,M,)

.

23.4.22

Mark Strand (O guardião)




THE GUARDIAN



The sun setting. The lawns of fire.
The lost day, the lost light.
Why do I love what fades?

You who left, who were leaving,
what dark rooms do you inhabit?
Guardian of my death,

preserve my absence. I am alive.


Mark Strand

[La ceniza]

 

 

O sol a pôr-se, os campos de fogo.
O dia perdido, perdida a luz…
Porque amo eu aquilo que se vai?

Tu que te foste, que te ias,
que escuras casas habitas agora?
Ó anjo da morte,

preserva-me a ausência. Eu estou vivo.


(Trad. A.M.)

.

21.4.22

Mariano Crespo (Aberto por encerramento)




ABIERTO POR CIERRE

 

Pueden abrir los comercios
día y noche
pero a la gente sin dinero
les insulta mirar los escaparates.

Los amos de los barcos
pueden estérilmente prolongar la pesca
si el mar les niega los peces
Pero todos echamos redes a la nada.

Casi nunca obtendrás lo que buscas en donde no existe.

Hay excepciones:
yo invento amores y viajes
y rezo a dioses en los que no creo.

Madrid es una ciudad sin mar
que colecciona infiernos y naufragios.

Infiernos en cuerpos que fueron paraísos
y naufragios de sueños en el océano
de una cochambrosa mediocridad.


Mariano Crespo

 

 

Podem abrir as lojas
dia e noite
mas é um insulto para os pobres
que ficam a olhar para as montras
sem dinheiro.

Os donos dos barcos
podem prolongar a faina da pesca
se o mar lhes nega os peixes.
Mas todos deitamos redes ao nada…

Há excepções,
eu invento amores e viagens
e rezo a deuses em que não creio.

Madrid é uma cidade sem mar
que coleciona infernos e naufrágios.

Infernos em corpos que já foram paraísos,
naufrágios de sonhos no oceano
de uma porca mediocridade.


(Trad. A.M.)

.

20.4.22

María Teresa Andruetto (Senhor)




Señor,
permíteme bajar
a los pozos
de mi pensamiento,
manantiales de sangre,
depósitos intactos
de locura,
con la frente alta,
sin miedo 
a los derrumbes.

María Teresa Andruetto

[Sibilas y pitias]

 

 

Senhor,
permite-me descer
aos poços
de meu pensamento,
mananciais de sangue,
depósitos intactos
de loucura,
com a cabeça erguida,
sem medo
das derrocadas.


(Trad. A.M.)

.

18.4.22

Manuel Bandeira (Ovalle)




OVALLE                                            

Jayme Ovalle (1894-1955)


Estavas bem mudado.
Como se tivesses posto aquelas barbas brancas
Para entrar com maior decoro a Eternidade.

Nada de nós te interessava agora.
Calavas sereno e grave
Como no fundo foste sempre
Sob as fantasias verbais enormes
Que faziam rir os teus amigos e
Punham bondade no coração dos maus.

O padre orava:
- "O coro de todos os anjos te receba..."
Pensei comigo:
Cantando "Estrela brilhante
Lá do alto-mar!..."

Levamos-te cansado ao teu último endereço.
Vi com prazer
Que um dia afinal seremos vizinhos.
Conversaremos longamente
De sepultura a sepultura
No silêncio das madrugadas
Quando o orvalho pingar sem ruído
E o luar for uma coisa só.


Manuel Bandeira

[Poemas de Bandeira]

 .

16.4.22

María Zambrano (Delírio do incrédulo)



DELIRIO DEL INCRÉDULO



Bajo la flor, la rama;
sobre la flor, la estrella;
bajo la estrella, el viento.
¿Y más allá?
Más allá, ¿no recuerdas? , sólo la nada.
La nada, óyelo bien, mi alma:
duérmete, aduérmete en la nada.
[Si pudiera, pero hundirme... ]
Ceniza de aquel fuego, oquedad,
agua espesa y amarga:
el llanto hecho sudor;
la sangre que, en su huida, se lleva la palabra.
Y la carga vacía de un corazón sin marcha.
¿De verdad es que no hay nada? Hay la nada.
Y que no lo recuerdes. [Era tu gloria.]
Más allá del recuerdo, en el olvido, escucha
en el soplo de tu aliento.
Mira en tu pupila misma dentro,
en ese fuego que te abrasa, luz y agua.
Mas no puedo.
Ojos y oídos son ventanas.
Perdido entre mí mismo, no puedo buscar nada;
no llego hasta la nada.

 
María Zambrano

 

 

Sob a flor, o ramo,
sobre a flor, a estrela,
sob a estrela, o vento.
E para além?
Para além, não te lembras? só o nada.
O nada, escuta bem, minha alma:
dorme-te, adormece no nada.
[Se eu pudesse, mas afundar-me…]
Cinza desse fogo, ocuidade,
água espessa e amarga:
o pranto feito em suor,
o sangue que, fugindo, a palavra arrasta.
E o peso vazio de um coração parado.
Deveras, não há nada? Há o nada.
E que o não lembres. [Era tua glória.]
Para além da lembrança, no olvido, escuta
no sopro de teu alento.
Mira bem na tua pupila mesma,
nesse fogo que te abrasa, luz e água.
Mas não consigo.
Olhos e ouvidos janelas são.
Perdido em mim mesmo, não consigo buscar nada,
não chego lá, ao nada.


(Trad. A.M.)


>>  Poesi.as (21p) / A media voz (14p) / El copo y la rueca (11p) / Trianarts (8p)

.

15.4.22

Maria Laura Decésare (De madrugada)




DE MADRUGADA

 

La niña que fui
vuelve con la noche,
me toma de la mano
y pide que cierre los ojos:
oigo el ladrido del perro,
un movimiento de sillas
y la voz de papá.
No abras los ojos, insiste
la niña y siento una caricia
sobre mi pelo negro,
tiemblo al reconocer
ese olor familiar.
No te vayas, murmuro,
no me despiertes.


María Laura Decésare

[Temblor]

 

 

A nina que eu fui
volta com a noite,
pega-me na mão
e diz-me que feche os olhos:
ouço o cão a latir,
um ruído de cadeiras
e a voz de papá.
Não abras os olhos, insiste
a nina e eu sinto uma carícia
no meu cabelo negro,
estremeço ao reconhecer
esse cheiro familiar.
Não te vás, murmuro,
não me acordes.


(Trad. A.M.)

.

13.4.22

Egito Gonçalves (Só o amor me interessa)




SÓ O AMOR ME INTERESSA

  

Nesta fase em que só o amor me interessa
o amor de quem quer que seja
do que quer que seja
Egito amor de um pequeno objecto
o amor dos teus olhos
o amor da liberdade

o estar à janela amando o trajecto voado
das pombas na tarde calma 

nesta fase em que o amor é a música de rádio
que atravessa os quintais
e a criança que corre para casa
com um pão debaixo do braço 

nesta fase em que o amor é não ler os jornais 

podes vir podes vir em qualquer caravela
ou numa nuvem ou a pé pelas ruas
- aqui está uma janela acolá voam as pombas - 

podes vir e sentar-te a falar com as pálpebras
pôr a mão sob o rosto e encher-te de luz 

porque o amor meu amor é este equilíbrio
esta serenidade de coração e árvores
 

Egito Gonçalves

.

11.4.22

José Infante (A ausência)




LA AUSENCIA


Ellos están ahí. Pueblan
mis días, llenan mis noches
con sus cuerpos lejanos.
No necesito llamarles por sus nombres.
Están ahí. Los siento, como fueron,
hermosos, jóvenes, deseados,
infieles al juramento sagrado
del amor.

Ellos forman la ausencia
que envuelve las paredes,
que recubre mi alma,
que se expande como el magma
sin tregua de mis días.

Ellos fueron mi vida. Fueron
la vida y ahora vuelven
cuando la vida se aleja
de mis manos.

No confundo
sus ojos, ni sus voces.
No confundo sus manos, sus caricias,
ni el olor de sus cuerpos.

Pero cuando llega la noche
sólo un fantasma acude:
es la ausencia del amor
que utilizó sus cuerpos y sus nombres
para engañarme con la felicidad.


José Infante

 

 

Eles estão por aí. Povoam-me 
os dias, enchem-me as noites
com seus corpos distantes.
Não preciso de os chamar pelo nome,
estão aí. Sinto-os, assim como foram,
belos, jovens, desejados,
infiéis ao juramento sagrado
do amor.

Eles formam a ausência 
que envolve as paredes,
que me cobre a alma,
que se expande tal como o magma
sem trégua de meus dias.

Eles foram a minha vida. A vida
foram e agora voltam
quando a vida se me foge
já das mãos.

Não confundo 
seus olhos, nem as vozes.
Não lhes confundo as mãos, nem as carícias,
nem o cheiro dos corpos.

Mas quando vem a noite
só um fantasma acode,
é a ausência do amor
que lhes animou os corpos e os nomes
para me iludir com a felicidade.

(Trad. A.M.)

 .

10.4.22

Manuel Vilas (Mulheres)




MUJERES           

 

No las ves que están agotadas,
que no se tienen en pie,
que son ellas las que sostienen cualquier ciudad,
todas las ciudades.

Con el matrimonio, con la maternidad,
con la viudedad, con los golpes,
ellas cargan con este mundo,
con este sábado por la noche donde ríen un poco
frente a un vaso de vino blanco y unas olivas.

Cargan con maridos infumables,
con novios intratables,
con padres en coma,
con hijos suspendidos.

Fuman más que los hombres.
Tienen cánceres de pulmón, enferman,
y tienen que estar guapas.

Se ponen cremas, son una tiranía las cremas.
Perfumes y medias y bragas finas y peinados
y maquillaje y zapatos que torturan.

Pero envejecen.
No dejan las mujeres tras de sí nada,
hijos, como mucho,
hijos que no se acuerdan de sus madres.

Nadie se acuerda de las mujeres.
La verdad es que no sabemos nada de ellas.
Las veo a veces en las calles, en las tiendas, sonriendo.

Esperan a sus hijos a la salida del colegio.
Trabajan en todas partes.
Amas de casa encerradas en cocinas que dan a patios de luces.
Sonríen las mujeres, como si la vida fuese buena.
En muchos países las lapidan.
En otros las violan.
En el nuestro las maltratan hasta morir.
Trabajan fuera de casa, y trabajan en casa,
y trabajan en las pescaderías o en las fábricas
o en las panaderías o en los bares o en los bingos.

No sabemos en qué piensan
cuando mueren a manos de los hombres.


Manuel Vilas



Não as vês, que estão de rastos,
não se aguentam em pé,
são elas que sustentam a cidade,
qualquer cidade.

Com o casamento e a maternidade,
com a viuvez, mais os golpes,
elas carregam com este mundo,
com este sábado à noite onde riem um pouco
frente a um copo de branco e algumas azeitonas.

Carregam com maridos infumáveis,
com noivos intratáveis,
com pais em coma,
com filhos suspensos.

Fumam mais do que os homens,
têm cancro de pulmão, adoecem,
e têm de estar lindas.

Põem cremes, a tirania dos cremes.
perfumes e meias e roupa fina e penteados,
e maquilhagem e sapatos que são um suplício.

Mas envelhecem.
Não deixem, as mulheres, nada para trás de si,
filhos, quando muito, filhos
que depois não se lembram das mães.

Ninguém se lembra das mulheres,
a verdade é que nada sabemos delas,
vejo-as na rua às vezes, nas lojas, sorrindo.

Esperam os filhos à porta do colégio,
trabalham em todo o lado,
donas de casa encerradas em cozinhas que dão para pátios interiores.
Sorriem as mulheres, como se a vida fosse boa.
Nalguns países lapidam-nas,
noutros violam-nas,
aqui no nosso maltratam-nas até à morte.
Trabalham fora de casa, e trabalham em casa,
trabalham nas peixarias ou nas fábricas,
ou padarias, ou bares, ou nos bingos.

Não sabemos o que é que pensam
quando morrem às mãos dos homens.


(Trad. A.M.)

.

8.4.22

Luís Veiga Leitão (Os grandes amigos)




OS GRANDES AMIGOS 

 

São como as árvores
de grande porte,
quando elas partem
as raízes ficam
aquém da morte.


Luís Veiga Leitão

 .

6.4.22

Manuel Rico (Aquela Itália)




AQUELLA ITALIA

 

Con Pavese retorna aquel verano de estrechas carreteras bajando desde Francia hasta tocar la luna y la alegría en la noche más allá de San Remo, bajo la fiesta comunista descendiendo hacia el mar. Allí, en la luz de agosto de Arma di Taggia, no asomaba la muerte y su noticia sin escalas a pesar de Pavese, deslumbrada lectura para el joven de viaje con la mujer amada y los amigos mejores. Corría el año ochenta y uno —todo nos queda lejos, nos señala la voz de algún diario— y teníamos aire de nuestras plazas, voces recién nacidas en los armarios familiares, era Italia, volvían los agostos leídos bajo el asombro en Leopardi, o en Pratolini, en Sciascia, o patios interiores y tranvías, escaleras subiendo a tendederos donde la intimidad se apellidaba Mastroianni o Roma sabía a paraíso y a película. El verano que no se olvida, el que siempre aflora en las cenas de amigos: la luz de Italia de tanta juventud, de tanta vida, de tanta historia nuestra.


Manuel Rico

[Zenda]

 

 

Com Pavese regressa esse Verão de estradas apertadas. descendo de França até tocar a lua e a alegria na noite para lá de San Remo, na festa comunista em declive até ao mar. Ali, na luz de Agosto de Arma di Taggia, não chegava a morte e a sua notícia sem escalas apesar de Pavese, deslumbrada leitura para o jovem de viagem com a mulher amada e os melhores amigos. Corria o ano de oitenta e um – tudo nos fica longe, indica a voz de algum diário – e tínhamos o ar das praças, vozes recém-nascidas nos armários familiares, era Itália, os agostos lidos no assombro de Leopardi, ou Pratolini, Sciascia, a pátios interiores e eléctricos, escadas subindo a estendais onde a intimidade se chamava Mastroianni, ou Roma sabia a paraíso e cinema. O Verão que não se esquece, o que sempre aflora nas cenas de amigos: a luz de Itália, de tanta juventude, de tanta vida, de tanta história nossa.


(Trad. A.M.)

 .

5.4.22

José Jiménez Lozano (Liberdade)




LIBERTAD

 

Porque sí, el agua
echó a correr, saltándose el regato.
¿Hacia dónde?
¿Y qué le importa al agua?


José Jiménez Lozano

 

 

Porque sim, a água
pôs-se a correr, saltando o regato.
Para onde?
E que lhe importa isso, à água?


(Trad. A.M.)

  

>>  J. Jiménez Lozano (sítio of) / Poeticous (25p) / Barricada (10p) / Wikipedia

 .

3.4.22

Louise Glück (Encruzilhada)




CROSSROADS

 

My body, now that we will not be traveling together much longer
I begin to feel a new tenderness toward you,
very raw and unfamiliar,
like what I remember of love when I was young

- love that was so often foolish in its objectives
but never in its choices, its intensities.
Too much demanded in advance, too much that could not be promised –

My soul has been so fearful, so violent;
forgive its brutality.
As though it were that soul, my hand moves over you cautiously,

not wishing to give offense
but eager, finally, to achieve expression as substance:

it is not the earth I will miss,
it is you I will miss.


Louise Glück

[Griffin]

 

 

Corpo meu, agora que não viajaremos juntos muito mais,
começo a sentir uma nova ternura por ti, estranha e muito crua.
como a que me lembra do amor quando jovem

- amor insensato tantas vezes no propósito
mas nunca nas opções, na intensidade.
Demasiado o que se pedia antecipado, e que prometer-se não podia  - 

Minha alma violenta, de tão cheia de medo,
perdoa-lhe a brutalidade.
Em nome dessa alma, minha mão pousa em ti com cuidado, 

sem ofensa,
ansiosa, enfim, por atingir a expressão como substância: 

eu não vou ter saudades do mundo,
eu vou ter saudade é de ti.

 

(Trad. A.M.)

 .



1.4.22

José Mateos (Desolação)



DESOLACIÓN (*)


A veces pienso: todo es un engaño;
la muerte que nos tienta con vistosos
colores, formas, movimientos,
para hacernos entrar donde la sangre
huele a sangre y a hojas secas.
Subo
penosamente esa escalera rota
y rezo. No se escucha nada. 

Ahora me acuerdo que, al dormirnos, madre
ya nos lo dijo en esos cuentos suyos:
no era de chocolate aquel palacio,
oculto en el camino hay siempre un lobo
y la anciana de negro te envenena
mientras muerdes el fruto
y te seduce con algún milagro. 

Llueve sobre las tumbas. Llueve
sobre estatuas y muertos que despiertan.
Estoy lejos de casa y cruzo el bosque.
Migas de pan pensando en el regreso
son estos pocos signos,
son estas melodías
que voy silbando para huir del miedo.
 

José Mateos

 


Às vezes penso, é tudo um engano,
a morte a tentar-nos com vistosas
cores, formas, movimentos,
para nos fazer entrar onde o sangue
cheira a sangue e a folhas secas.
Subo
penosamente essa escada desconchavada
e rezo. Não se escuta nada.

Agora me lembro que, ao adormecer-nos,
a mãe já nos dizia nos contos dela:
aquele palácio não é de chocolate,
há sempre um lobo oculto no caminho
e a velha de negro envenena-te
ao morderes o fruto
e seduz-te com algum milagre.

Chove nas campas do cemitério, chove
nas estátuas e nos mortos que despertam.
Estou longe de casa, atravesso o bosque,
migalhas de pão a pensar no regresso
são estes poucos sinais,
são estas melodias
que vou assobiando para espantar o medo.


(Trad. A.M.)

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(*) Dei conta que este poema aparece com o tit. 'La culpa' em outros lugares.