MEDITAÇÃO SOBRE O DECLÍNIO
Talvez seja melhor ficarmos longe,
descobrindo sozinhos os contornos
das coisas impassíveis e sem tempo:
a fachada da igreja que em granito
nunca se deu a homens ou a deuses,
gerada, nós sabemos, de pedreiras
e por mãos que morreram posta ali.
Mas os cedros talvez exijam menos,
os cedros que se elevam sobre a igreja:
contemplo-os para lá dos vidros, cedros
sem mais inquietações e sem perguntas
de quem se não contenta só consigo.
Porque ser-se sensato é ver as flores
irem a cor largando até os sonhos
se tornarem o fumo esmaecido
das nossas vidas, glória que foi lume
e que não mais lembramos, afastando
a tentação do tempo, a tentação
de sermos novamente anjos febris
à procura da fé no amor dos corpos
que nos tornava seres inscientes,
rodeados de coisas a nós alheias
e apenas nos servindo de cenário
a gestos que se gastam a si próprios.
E então ficam as flores a esvair-se
e cada um com seus rostos amados
perdidos na memória e com o peso
de enganos já vividos que o presente
não esquece e carrega em nossos ombros.
Alheemo-nos. Nada queiramos.
Digamos com o mestre que os poemas
foram cartas ridículas de amor,
e hoje um extemporâneo e vão delírio.
Nenhum outro destino nos convoca
se afinal o que sobra são poemas.
Quedemo-nos assim. Vês no horizonte
lívido o céu deserto que se assoma?
Não o temes, bem sei: mas concilia-te?
E as flores que se tornam mais presentes
na sua impossível duração,
vais como sempre amá-las? Ou será
uma graça que os anos levarão,
e a sua natureza, o teu desgosto?
- pergunto sem que espere uma resposta
porque sei que o que digas não me acode.
Oxalá envelheças com doçura
e possas a teu modo ser feliz.
Nuno Dempster