29.9.11

Armando Silva Carvalho (Agora estás sozinha)






(4)

Agora estás sozinha à mesa do cobalto.
E como adolescente obstinada
comungas muros brancos
na secura da cal
sinistra nos teus olhos
– ó imaculada.
Os punhos nos ouvidos não são força
bastante para empurrar o som
até às nuvens, ó idolatrada.
Querias tanto à terra com seus gatos,
criaturas do sol no teu regaço azul
que nenhuma palavra te protege
da minha boca em fúria
– amada e destruída até aos ossos.
Às vezes quando no silêncio acordo
a perguntar por ti
e habitas o meu corpo,
que mais posso fazer do que arranhar na noite
a tua carne fria, ó desamparada?
Na folhagem do sangue eu afogo
a cabeça,
percorro com a língua a rede dos pulmões,
o meu eco atravessa toda a natureza
– porque não respondes?
E lentamente o teu olhar flutua.
Trazes na mão o peso
dos meus dias e ouço-te dizer:
a terra não resiste ao fogo do meu ventre,
ao ar que me respiras,
às águas surdas em que me bebeste.



Armando Silva Carvalho

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