19.3.10

Pedro Eiras (A literatura mata)






Não consigo abrir um livro sem terror: acredito que a literatura mata.

Mata como um veneno no sangue.

Ninguém se apercebe a tempo de procurar o antídoto.

Que, aliás, não existe.

Mesmo parar de ler não resolve nada.

Infiltrado, o veneno literário torna-se carne da própria carne, a ponto de já ninguém saber quem pensa dentro de si: a ilusão de uma voz original, ou a das personagens que entraram sem pedir licença. (...)

Alguns livros convidam a matar.

Outros, ao suicídio.

Outros ainda, mais subtis, limitam-se a relativizar a morte – meio caminho para morrer.

Todos são substâncias perigosas, como os medicamentos.

Só deveriam poder ser comprados com receita médica ou atestado de robustez intelectual.



- PEDRO EIRAS, Substâncias Perigosas - Cem breves lições em que se explica por que meios os livros matam os seus leitores, Livrododia, 2010


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