8.3.10
José Rodrigues Miguéis (Tive de levar as mãos aos olhos)
Tinha-os visto até àquele momento como uma consciência solitária e enternecida observa uma gota de vida ao microscópio.
E senti com sobressalto que galgava uma barreira e penetrava nessa gota de vida reluzente; que me integrava e absorvia nela, e me ia enfim diluir, conviver, fluir com ela, ser!
E essa reintegração, esse abandono ao enxurro da gente que passava, essa mútua impregnação do sujeito e do objecto, deram-me um impulso líquido de amor tão veemente e profundo; essa dupla visão foi-me tão generosa fonte de reconforto, gozo e diversão, que tive de levar as mãos aos olhos para que me não vissem chorar.
- JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS, Léah e Outras Histórias (Regresso à cúpula da Pena), 1958.
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