CINCO
A Sagrada Família comia connosco
cinco dias por mês. Ficava, sem ruído,
sobre a mesa da sala. Brilhava no escuro
a chama diminuta de uma lamparina.
Disputávamos a honra da moeda na ranhura
sob os pés de S. José. Espécie de
slot-machine
cujo prémio era o regresso do pai,
a bofetada, o princípio da autoridade.
Anos depois, cabia ao filho mais velho
o cuidado de transportar a imagem
a casa do vizinho. Trezentos metros
a fugir das pedras e das bocas infiéis.
Até ao dia em que o pai ficou de vez,
para dar por terminada a brincadeira.
Agora, todas as frases eram rematadas
por pontos de exclamação, as portas
começavam a bater mais depressa.
Nenhum dos filhos levantava a cabeça
quando a mãe nos perguntava, ainda:
quem quer apostar na Sagrada Família?
José Miguel Silva
.