6.1.16
Paulo Castilho (Marta)
Ao fim de uma semana, quando as plantas vinham já praticamente comer-me à mão, o Vasco foi ter comigo à estufa e anunciou que tinha uma proposta para me fazer.
Levantei a cabeça.
Proposta, palavra sempre boa de ouvir.
Por causa da herança do tio-avô Leonardo - história complicada, não vale a pena entrar em detalhes - tinha sido encarregado de pôr a funcionar uma livraria antiquária no Calhariz e precisava de uma assistente.
Repeti: livraria?
Pousei a forquilha de dentes curtos e repeti: livraria?
Levantei os braços para mostrar as minhas mãos sujas de terra: livraria-me desta merda.
Muito engraçada, muito engraçada - disse o Vasco sem um sorriso.
Depois parou um instante, pôs as mãos nos bolsos e fez um esgar que imitava um sorriso: o lugar é teu, se dormires comigo.
Sabes melhor que ninguém, Sophie, que sou uma rapariga de reacções rápidas, de forma que não ficarás admirada se te disser que respondi logo: muito bem - e comecei a desabotoar a camisa e a avançar para ele.
Havias de ver a cara do idiota, estava como se lhe tivesse aparecido pela frente um bando de presidiárias sem gomem há cinco anos.
Ao segundo botão, estendeu os braços, palmas das mãos abertas a mandar parar, recuou dois ou três passos e acabou por se estatelar num monte de terra com fertilizante um pouco mais atrás: não se pode brincar contigo? (pp. 51-2)
PAULO CASTILHO
O Sonho Português
(2015)
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