1.10.12

Helder Macedo (Sempre dá jeito ter pai)






Eu defendia a teoria alternativa da Ausência: o suicídio era dar importância demais àquilo que se julgava ser, havia sempre safa naquele artigo do Código Civil, meu único ganho do curso de Direito, que permitia que se fosse “ausente em parte incerta ou desconhecida sem se saber se é vivo ou morto”.

Decidimos, em todo o caso, que se algum de nósalguma vez precisasse, o outro ia de táxi.

Felizmente que no dia seguinte, sem ter participado na nossa conversa, o Sebag se suicidou, sentado no chão, de baraço ao pescoço e a outra ponta amarrada à perna de uma mesa, a puxar com o rabo e arrastando a mesa atrás: aliviou a atmosfera e deu para rirmos todos muito.

Só o João Vieira não achou graça, era no atelier que ainda partilhava com os outros futuros KWY em cima do Gelo e a mesa tinha as bisnagas das tintas que começaram a cair.

Sacudiu severamente o Sebag, tirou-lhe o baraço do pescoço, e o Sebag abraçou-o, muito grato, chamando-lhe pai.
 
Sempre dá jeito ter pai.

  
- HELDER MACEDO, Partes de África (12.), Edit. Presença, 1991.

 
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