25.10.12

Fernando Namora (A cidade alta)





As casas altas e velhas quase se tocavam com os dedos.

O sol, mesmo no pino do Verão, jamais conseguia trepar a barreira dos telhados a sorvera humidade viscosa que permanecia nas ruas de uns Invernos para os outros.

E ali viviam formigueiros de gente pobre.

As portas espreitavam a claridade pelos postigos abertos, desvendando sem escrúpulos a intimidade dos lares à bisbilhotice, já farta, dos transeuntes.

As crianças, aos domingos, eram expulsas de casa para que os mais velhos tivessem espaço e sossego para conversar, discutir e preencher as horas vazias com pequenas tarefas domésticas.

Enquanto as mulheres preparavam as roupas domingueiras, os homens, impacientes por sair, andavam de um lado para o outro à procura de um tema de discussão.

As palavras duras eram um hábito.

Mas por detrás delas estava a ternura e as mulheres sabiam descobri-la.

Operários conversando de uma janela para outra.

Pregões.



- FERNANDO NAMORA, Fogo na Noite Escura, 2.ª-IV.

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