(3)
Hoje – vejo-te de costas,
entre bichos caseiros, peças de riscado.
És grande como o castanheiro
e o meu corpo devora a tua sombra.
És feita devagar pelos meus sentidos.
Não há crime que baste aos nossos sexos.
Posso gritar tão longe no teu ventre
que a terra para mim será pequena.
Poderosa força amedrontada
que me pões de rastos.
De joelhos te peço: vem calar-me a boca.
Não quero este caminho de palavras
para passear contigo entre a memória.
És mais solene – quando me abandonas.
És mais altiva – como nunca foste.
Todo o amor que faço é para ti
a mais ampla das grutas,
um rio de sangue e leite, a morte
apetecida desses seres diários
que tu espantas com a mão
– ruidosa rainha.
Surges na noite orientando o esperma,
não tens eira nem beira,
tu, ó derradeira,
agora como no princípio.
E o meu grito tropeça contra o teu silêncio.
Pergunto aos deuses porque estás comigo
e me empurras a língua para o seio
da treva.
Todo o amor que digo se enrosca aos teus cabelos
e desço, frase a frase,
lá onde arrefecemos entre fogo e lágrimas.
Agora e para sempre vejo-te de costas
e deixas-me mais velho.
Entre bichos caseiros, peças de riscado,
não te cansas e cortas
o pão da minha infância.
Porque a memória é um espelho
que a morte arrasta atrás de si
até ao fim do mundo.
Armando Silva Carvalho
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