31.7.11

José Miguel Silva (Parte poética)






PARTE POÉTICA




Não é fácil ser poeta a tempo inteiro.
Eu, por exemplo, nem cinco minutos por dia,
pois levanto-me tarde e primeiro há que lavar
os dentes, suportar os incisivos
à face do espelho, pentear a cabeça e depois,
a poeira que caminha, o massacre dos culpados,
assistir de olhos frios à refrega dos centauros.
Chegar por fim a casa para a prosa
de uma carne à jardineira, o estrondo
das notícias, a louça por quebrar. Concluindo,
só por volta das duas da manhã começo a despir
o fato de macaco, a deixar as imagens correr,
simulacro do desastre.
Mas entretanto já é hora de dormir.
Mais um dia de estrume para roseira nenhuma.



José Miguel Silva

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Juan Bonilla (Denominação de origem)






DENOMINACIÓN DE ORIGEN: EXTRANJERO




La patria es estar lejos de la patria:
una nostalgia de la infancia en noches
en que te sientes viejo, una nostalgia
que sube a tu garganta como el agrio
sabor del vino en las resacas duras.


La patria es un estado: pero de ánimo.
Un viejo invernadero de pasiones.
La patria es la familia: ese lugar
en el que dan paella los domingos.


Una patria es la lengua en la que sueñas.
Y el patio del colegio donde un día
bajo una lámina de cielo oscuro
decidiste escapar por vez primera.


Mi patria está en el cuerpo de Patricia:
mi himno es su gemido, mi bandera
su desnudez de doce de la noche
a ocho de la mañana. Tras la ducha
mi patria se va al trabajo, yo me exilio.


JUAN BONILLA
Partes de Guerra
(1994)





A pátria é estar longe da pátria,
a saudade da infância, à noite,
sentindo-nos velhos, uma saudade
que nos sobe à garganta como o sabor
acre do vinho nas ressacas pesadas.


A pátria é um estado, mas de alma.
Um jardim de inverno de paixões.
A pátria é a família, o lugar
em que dão paelha aos domingos.


Uma pátria é a língua em que sonhamos.
E o pátio da escola onde um dia
sob uma lâmina de escuro céu
decidimos fugir pela vez primeira.


Minha pátria fica no corpo de Patrícia,
meu hino é seu gemido, minha bandeira
sua nudez, da meia-noite
às oito da manhã. Depois do duche,
minha pátria vai para o trabalho,
eu vou para o exílio.


(Trad. A.M.)




>>  Wikipedia / Lecturalia (biblio)


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30.7.11

Jean l'Anselme (O grande amor)







C'EST LE GRAND AMOUR



Elle avait des lunettes
et lui aussi
si bien qu'ils se voyaient mieux
pour se regarder dans les yeux.

Elle avait un Sonotone
et lui aussi
si bien qu'ils s'entendaient bien
et restaient sourds à tout
ce qui les entourait.

Mais, il avait un grand nez
et elle était obligée
de se mettre très en biais
pour l'embrasser.
Et sa moustache
ça la chatouillait ...

Il n'y a pas de bonheur complet.


Jean l'Anselme






Ela usava óculos
e ele também
apesar de se verem melhor
ao olharem-se nos olhos

Ela usava um Sonotone
e ele também
apesar de se ouvirem bem
e ficarem surdos a tudo
o que os cercava

Mas ele tinha um nariz grande
e ela era obrigada
a pôr-se muito de esguelha
para o abraçar.
E o bigode
fazia-lhe cócegas.

Nunca é completa a felicidade.


(Trad. A.M.)

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29.7.11

Aquilino Ribeiro (Ia um Dezembro muito rijo)






Cearam essa noite, muito tristes, caldo de berças com pão de rala.

Os filhos foram à deita e ela quedou ao borralho, entanguida de frio, a fiar.

O inverno zurrava nos pinhais que parecia uma estropeada de mil demónios a caminho do inferno.

A sineta, com os sacolões do vento, toava dlam... dlam e mais dlam a um enterro que não tem fim.

Sobre as telhas ia grande estreloiçada, chuva, vento, como se andassem por riba delas rebanhos de cabras, ou feiticeiras jogassem para lá com areias às mãos fartas, para tormentina das almas...

Ia um Dezembro muito rijo e custava já a passar nas pontes.



- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, I.

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Luis Cernuda (Não dizia palavra)






NO DECÍA PALABRAS





No decía palabras,
acercaba tan sólo un cuerpo interrogante,
porque ignoraba que el deseo es una pregunta
cuya respuesta no existe,
una hoja cuya rama no existe,
un mundo cuyo cielo no existe.


La angustia se abre paso entre los huesos,
remonta por las venas
hasta abrirse en la piel,
surtidores de sueño
hechos carne en interrogación vuelta a las nubes.
Un roce al paso,
una mirada fugaz entre las sombras,
bastan para que el cuerpo se abra en dos,
ávido de recibir en sí mismo
otro cuerpo que sueñe;
Mitad y mitad, sueño y sueño, carne y carne,
iguales en figura, iguales en amor, iguales en deseo.
Aunque sólo sea una esperanza,
porque el deseo es una pregunta cuya respuesta nadie
sabe.



Luis Cernuda








Não dizia palavra,
chegava tão só o corpo inquisitivo,
porque ignorava que o desejo é uma pergunta
para que não existe resposta,
uma folha de um ramo inexistente,
um mundo que não tem céu.


A angústia caminha por entre os ossos,
sobe pelas veias
até abrir na pele,
mercadores de sonho
como interrogativa carne virada às nuvens.
Um toque de raspão,
um olhar fugaz entre as sombras,
bastam para abrir o corpo em dois,
ávido de receber em si mesmo
outro corpo a sonhar;
Metade com metade, sonho com sonho, carne com carne,
iguais no perfil, no amor, no desejo.
Mesmo sendo só uma esperança,
porque o desejo é uma pergunta e ninguém sabe
a resposta.


(Trad. A.M.)

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28.7.11

Renata Correia Botelho (A seta)






A SETA




o tempo, espelho tosco com que
fintamos a morte, apontado para nós
como a lança do arqueiro;


hesita, por um instante apenas,
para depois avançar, implacável
e sem retorno, na nossa direcção.


mas a feroz verdade da seta
(a um brevíssimo suspiro do embate)
é aplacada pela memória,


um libertador bater de asas
que nos recolhe das águas
quando a tempestade nos arrasta.


Renata Correia Botelho


[Hospedaria Camões]

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Karmelo C. Iribarren (A função da poesia)






LA FUNCIÓN DE LA POESÍA




La función
de la poesía
en nuestra sociedad,
ha sido el tema estrella
(durante un par de días)
en simposios, mesas orondas
y demás zarandajas,
a cargo
de eminencias con-
trastadas
en el manejo de las lenguas.
Parece ser
que les ha hecho
buen tiempo,
y que no ha habido
heridos de importancia.


KARMELO C. IRIBARREN
La condición urbana
(1995)







A função
da poesia
na sociedade
foi o tema central
(durante alguns dias)
em simpósios, mesas redondas
e mais ninharias
a cargo
de eminências auto-
rizadas
no manejo das línguas.
Ao que parece
tiveram
bom tempo
e não houve
feridos de monta.


(Trad. A.M.)

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27.7.11

José Gomes Ferreira (Arte poética)






(Arte poética)




Liberdade
é também vontade.

Benditas roseiras
que em vez de rosas
dão nuvens e bandeiras.




José Gomes Ferreira

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26.7.11

José Ángel Valente (Consinto)






CONSIENTO



Debo morir. Y sin embargo, nada
muere, porque nada
tiene fe suficiente
para poder morir.
No muere el día,
pasa;
ni una rosa,
se apaga;
resbala el sol, no muere.
Sólo yo que he tocado
el sol, la rosa, el día,
y he creído,
soy capaz de morir.


José Ángel Valente





Devo morrer. E contudo, nada
morre, porque nada
tem fé bastante
para poder morrer.
Não morre o dia,
passa;
nem uma rosa,
apaga-se;
descai o sol, não morre.
Eu que toquei
o sol, a rosa, o dia,
e cri,
só eu
sou capaz de morrer.


(Trad. A.M.)



>>  A media voz (43p) / Poesi.as (26p) / António Miranda (5p-bilingue) / Wikipedia

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25.7.11

Ver (73)







Aníbal Gonçalves


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Lucas Rodríguez (Porque não vejo um corno)






PORQUE NO VEO UN CARAJO        




Cuando la luz de la mesilla se extinga
en medio de los gemidos a trompicones
serán tus ojos los que me miren
que no se extravíe tu mente
en otros cuerpos mejor parecidos,
será tu lengua la que emborrone
mi silueta asustada
en la quietud del deseo,
será la oscuridad la que nos arrope
contra el invierno más absurdo del año,
y lo siento, no es nada romántico
pero tendrá que ser el TONTON ®
el que me guíe por tu cuerpo desnudo
hasta tus reinos perdidos.



Lucas Rodríguez



[El koala puesto]







Quando a luz da mesinha se extinguir
por entre gemidos aos tropeções
teus olhos me hão-de mirar
e que não se te perca a mente
em outros corpos mais bem parecidos
e tua língua há-de lambuzar
minha assustada figura
na calma do desejo,
e a escuridão nos há-de vestir
no inverno mais absurdo do ano,
e lamento muito, bem sei, não é nada romântico,
mas tem de ser o TONTON
a guiar-me por teu corpo desnudo
até aos teus reinos perdidos.


(Trad. A.M.)

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24.7.11

Carlos de Oliveira (Os dias)






OS DIAS




Dias como mendigos procurando
por uma terra vã espigas de nada:
que rosas de miséria colheremos?
que esmolas de luar no pó da estrada?


Fechando as mãos não colho mais que a imagem
da tua sombra, meu amor de trigo:
a bruma desses rios que em segredo
nascem em mim para morrer comigo.


Rios de luz concreta, proibida,
de que meus versos são a simples névoa;
ah, pudesse eu cantar; a vida levo-a
sem te ver bem a esta luz perdida.


Ó doce prisioneira do crepúsculo,
quando virá teu rosto de harmonia
como o fulgor de um astro debruçar-se
na terra dos meus pés, áspera e fria?



Carlos de Oliveira


[Luz & sombra]

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23.7.11

Jaime Gil de Biedma (Conversas de família)






SON PLÁTICAS DE FAMILIA



¿Qué me agradeces, padre, acompañándome
con esta confianza
que entre los dos ha creado tu muerte?

No puedes darme nada. No puedo darte nada,
y por eso me entiendes.


Jaime Gil de Biedma




O que me agradeces, pai, acompanhando-me
com esta confiança
que tua morte criou entre nós?

Não podes dar-me nada. Não posso dar-te nada.
Por isso me entendes.


(Trad. A.M.)

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22.7.11

Aquilino Ribeiro (Às vezes vinha um nevão)






Às vezes vinha um nevão e ali quedavam os almocreves, bem agasalhados, comendo e bebendo à tripa-forra, com torgo rijo na lareira e moças que era um regalo de ver e palpar.

Os mais sisudos sacavam do baralho e turravam à bisca o serão inteiro; os chibantes armavam-se das castanholas e da pandeireta e batiam um fandango que até do mais fundinho do povo as raparigas vinham ver.

Um arraiano – sucedia muitas vezes – puxava de uma dança e cantiga à moda de Castela, e eram saracotés que nem cachorro a sacudir-se de um banho na ribeira.

As moças mais correntonas fraguavam com eles, e o entremez via apontar as Três Marias no céu.


- AQUILINO RIBEIRO, Terras do Demo, 1.ª parte, I.

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Juan Luis Panero (Fantasmas na neve)






FANTASMAS EN LA NIEVE




Andas bajo la nieve, con las botas mojadas
y el blanco abrigo afgano,
por la orilla helada del Hudson,
una tarde oscura de febrero.
Luego, desnuda, en el cuarto caluroso,
miro la curva suave de tu culo,
el empapado brillo de tus ojos,
mientras sigue cayendo nieve en los cristales.
Es un recurso simple, muy poco original,
pero lo guardo para aquellas horas
en que volviendo atrás, sin amor y sin odio,
intentando recordar, acercar nuestra historia,
sólo quedan retocadas anécdotas, viejas fotografías
y unas pocas palabras desgastadas.
Gotas en tu frente y el brillo de tus ojos,
errantes y abrazados en la ciudad extraña,
así ríes aún, así regresas hoy, así nos imagino,
borrados y distantes, fantasmas en la nieve.


Juan Luis Panero






Andas à neve, com as botas molhadas
e o casaco afegão,
pela margem gelada do Hudson,
uma escura tarde de Fevereiro.
A seguir, nua, no quarto aquecido,
observo a curva suave do teu cu,
o empapado brilho de teus olhos,
enquanto a neve cai ainda nos vidros.
É um simples recurso, pouco original,
mas guardo-o para aquelas horas
em que voltando atrás, sem amor nem ódio,
tentando recordar, evocar nossa história,
restam só retocadas anedotas, velhas fotografias
e escassas palavras desgastadas.
Gotas na tua face e o brilho dos teus olhos,
errando abraçados na cidade estranha,
assim ris ainda, assim regressas hoje, assim nos imagino,
apagados e distantes, fantasmas na neve.


(Trad. A.M.)

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21.7.11

Rui Pires Cabral (Not likely to be here)






NOT LIKELY TO BE THERE, IF STILL ALIVE



Primeiro quarto em Lisboa
onde vivi oito meses: da janela
sobre o beco via o tráfego nocturno
entre muros com recados e desenhos
obscenos, sob o castigo da música
de um bar entretanto extinto.
O lugar era assombrado


pelo cheiro da doença
e o velho senhor da casa, sentado
junto ao retrato do que fora
aos vinte anos, guardava a sua
distância: lacónico, preocupado,
quase não saía à rua, as tardes
passava-as de chinelos


e roupão. Mas era um homem
cortês, e no meu último dia
deu-me um livro do Eugénio
que mantinha à cabeceira, esquecido
por outro hóspede "dado às letras"
como eu. Penso muitas vezes nele
e naqueles que lá moravam


em plenos anos noventa, gente
que eu só encontrava a desoras,
na cozinha, à volta do frigorífico
de serventia comum. Era no tempo
dos versos que levavam a outras
praças — chegava tarde do Bairro,
o torpor entre as paredes


incitava à procura das palavras
de um poema que me ajudasse
a mudar. E quando me lembro disso
penso no muito que quis encontrar
uma saída, e nas portas que fechei
e nas esperanças que traí desde então
na minha vida.



RUI PIRES CABRAL
Oráculos de Cabeceira
Averno (2009)


[O melhor amigo]


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Juan Gelman (Factos)






HECHOS





mientras el dictador o burócrata de turno hablaba
en defensa del desorden constituido del régimen
él tomó un endecasílabo o verso nacido del encuentro
entre una piedra y un fulgor de otoño


afuera seguía la lucha de clases/el
capitalismo brutal/el duro trabajo/la estupidez/
la represión/la muerte/las sirenas policiales cortando
la noche/él tomó el endecasílabo y


con mano hábil lo abrió en dos cargando
de un lado más belleza y más
belleza del otro/cerró el endecasílabo/puso
el dedo en la palabra inicial/apretó


la palabra inicial apuntando al dictador o burócrata
salió el endecasílabo/siguió el discurso/siguió
la lucha de clases/el
capitalismo brutal/el duro trabajo/la estupidez/la represión/
la muerte/las sirenas policiales cortando la noche


este hecho explica que ningún endecasílabo derribó hasta ahora
a ningún dictador o burócrata aunque
sea un pequeño dictador o un pequeño burócrata/y también explica que
un verso puede nacer del encuentro entre una piedra y un fulgor de otoño o


del encuentro entre la lluvia y un barco y de
otros encuentros que nadie sabría predecir/o sea
los nacimientos/ casamientos/ los
disparos de la belleza incesante



Juan Gelman





enquanto o ditador ou burocrata de turno falava
em defesa da desordem constituída do regime
ele tomou um endecassílabo ou verso nascido do encontro
entre uma pedra e um fulgor de outono


fora continuava a luta de classes/o
capitalismo brutal/o trabalho duro/a estupidez/
a repressão/a morte/as sirenes da polícia cortando
a noite/ele tomou o endecassílabo e


com mão hábil abriu-o em dois carregando
dum lado mais beleza e mais
beleza do outro/fechou o endecassílabo/pôs
o dedo na palavra inicial/apertou


a palavra inicial apontando ao ditador ou burocrata
o endecassílabo saiu/continuou o discurso/
a luta de classes/o
capitalismo brutal/o trabalho duro/a estupidez/a repressão/
a morte/as sirenes da polícia cortando a noite


este facto explica que nenhum endecassílabo derrubou até agora
qualquer ditador ou burocrata mesmo
um pequeno ditador ou um pequeno burocrata/e explica também que
um verso pode nascer do encontro duma pedra com um fulgor de outono ou


do encontro entre a chuva e um barco e de
outros encontros que não se podem prever/isto é
os nascimentos/ casamentos/ os
disparos da incessante beleza



(Trad. A.M.)

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20.7.11

Jean l'Anselme (Arte moderna)






L'ART MODERNE



Un matin, alors que dans l'aube sereine
tintinnabulaient les clarines des troupeau
et que, dans les brouillards naissants,
les feux des lucioles s'éteignaient
dans le parfum des asphodèles,
ma femme, en mettant le lit dehors me dit :
c'est fou comme tu transpires quand tu dors !


Jean l’Anselme





Um dia, enquanto na serena aurora
tiniam os chocalhos do rebanho
e se extinguiam as luzes dos pirilampos,
por entre o nevoeiro e o perfume dos asfódelos,
minha mulher diz-me, ao pôr a cama a arejar:
é incrível como tu transpiras a dormir!


(Trad. A.M.)




>>  Nouvelle Revue Moderne (Discours sur la poésie) / Idem (6p) / Printemps des poètes (5p) / Revue Texture (6p) / Baglin Michel (6p)

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19.7.11

Josefa Parra (Pacto)






PACTO




Por si acaso llovizna por tu calle
y quieres secar tu cuerpo
entre mis brazos
Por si el silencio te acomete
y recuerdas el lenguaje extraño
que aprendiste a mi lado
Por si regresas
a humedecer de lunas los recuerdos
Por si el trópico te reclama impaciente
entre sus verdes
O por si acaso es de noche en tu morada
dejaré la puerta abierta



Josefa Parra


[Carmensabes]







Para o caso de chover na tua rua
e quereres enxugar o corpo
entre meus braços
Para o caso de o silêncio te acometer
e recordares a língua estranha
que aprendeste a meu lado
Para o caso de regressares
humedecendo as lembranças de luas
Para o caso de o trópico te reclamar
impaciente entre seus verdes
Ou para o caso de ser noite na tua morada
deixarei aberta a porta.


(Trad. A.M.)


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18.7.11

Olhar (100)







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Óscar Hahn (Numa estação do metro)






EN UNA ESTACIÓN DEL METRO



Desventurados los que divisaron
a una muchacha en el Metro
y se enamoraron de golpe
y la siguieron enloquecidos
y la perdieron para siempre entre la multitud
Porque ellos serán condenados
a vagar sin rumbo por las estaciones
y a llorar con las canciones de amor
que los músicos ambulantes entonan en los túneles
Y quizás el amor no es más que eso:
una mujer o un hombre que desciende de un carro
en cualquier estación del Metro
y resplandece unos segundos
y se pierde en la noche sin nombre


ÓSCAR HAHN
Versos robados
(1995)

[Cosas que hemos visto]




Desventurados os que avistaram
uma rapariga no Metro
e apaixonaram-se de chofre
e seguiram-na enlouquecidos
e perderam-na para sempre
no meio da multidão.
Porque serão condenados
a vagar sem rumo pelas estações
e a prantear as canções de amor
que os músicos de rua entoam nos túneis
E talvez o amor não seja mais do que isso
uma mulher um homem descendo de um carro
numa qualquer estação do Metro
e que resplandece uns segundos
e se perde na noite sem nome.

(Trad. A.M.)


>>  Outra versão: Raposas a sul (António Cabrita)


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17.7.11

Fernando Pessoa (Isto)






ISTO



Dizem que finjo ou minto
Tudo que escrevo. Não.
Eu simplesmente sinto
Com a imaginação.
Não uso o coração.

Tudo o que sonho ou passo,
O que me falha ou finda,
É como que um terraço
Sobre outra coisa ainda.
Essa coisa é que é linda.

Por isso escrevo em meio
Do que não está ao pé,
Livre do meu enleio,
Sério do que não é.
Sentir? Sinta quem lê!


Fernando Pessoa



[Poemblog]


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16.7.11

Lucas Rodríguez (Uaaahhhmm)






UAAAHHHMM




Hoy
has bostezado tan alto
que un pedazo de -cómo decirlo…-
que un pedazo de tu alma
-que no existe-
se ha escapado
con el vaho de la mañana
es evidente
estamos hechos de humo y sueño.


Lucas Rodríguez


[El koala puesto]





Hoje
bocejaste tanto tanto
que um pedaço – como dizê-lo... –
que um pedaço da tua alma
– que não existe –
escapou
no bafo da manhã
somos feitos é evidente
de fumo e sonho.


(Trad. A.M.)

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15.7.11

Um verso (97)







Um verso de José Alberto Oliveira
(em crescendo):




Está tudo a crescer demasiado:
os fins de semana, os amores
não correspondidos e as más notícias




José Alberto Oliveira


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José Luis Piquero (Rimbaud)






RIMBAUD




Yo no quiero ser yo. La vida entera
la gasté en reinventarme, como un fénix doméstico.
Me fui sobreviviendo como pude.


Yo no sé quién soy yo. Tal vez la máscara
debajo de la cara. La pregunta.


Yo no pude ser yo. Y el minucioso
trabajo de vivir sin heroismo se quedó para otros.
La verdad es la triste descripción del secreto.
No quise ser verdad. Quiero ser Nadie.


José Luis Piquero





Eu não quero ser eu. A vida inteira
gastei-a a reinventar-me, qual fénix caseira.
Fui-me sobrevivendo como pude.

Eu não sei quem sou eu. Talvez a máscara
por baixo da cara. A pergunta.

Eu não pude ser eu. E o minucioso
trabalho de viver sem heroísmo ficou para outros.
A verdade é a triste descrição do segredo.
Eu não quis ser verdade. Quero ser Ninguém.



(Trad. A.M.)

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14.7.11

Armando Silva Carvalho (Hoje vejo-te de costas)






(3)                          

Hoje – vejo-te de costas,
entre bichos caseiros, peças de riscado.
És grande como o castanheiro
e o meu corpo devora a tua sombra.
És feita devagar pelos meus sentidos.
Não há crime que baste aos nossos sexos.
Posso gritar tão longe no teu ventre
que a terra para mim será pequena.
Poderosa força amedrontada
que me pões de rastos.
De joelhos te peço: vem calar-me a boca.
Não quero este caminho de palavras
para passear contigo entre a memória.
És mais solene – quando me abandonas.
És mais altiva – como nunca foste.
Todo o amor que faço é para ti
a mais ampla das grutas,
um rio de sangue e leite, a morte
apetecida desses seres diários
que tu espantas com a mão
– ruidosa rainha.
Surges na noite orientando o esperma,
não tens eira nem beira,
tu, ó derradeira,
agora como no princípio.
E o meu grito tropeça contra o teu silêncio.
Pergunto aos deuses porque estás comigo
e me empurras a língua para o seio
da treva.
Todo o amor que digo se enrosca aos teus cabelos
e desço, frase a frase,
lá onde arrefecemos entre fogo e lágrimas.
Agora e para sempre vejo-te de costas
e deixas-me mais velho.
Entre bichos caseiros, peças de riscado,
não te cansas e cortas
o pão da minha infância.
Porque a memória é um espelho
que a morte arrasta atrás de si
até ao fim do mundo.



Armando Silva Carvalho

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13.7.11

José Luis García Martín (À espreita)






AL ACECHO




¿No oyes sus jadeos? Cada vez
yo los oigo más cerca: solo,
contigo, en medio del verano,
entre los gritos de la multitud,
junto al fuego, en invierno,
con un hermoso libro,
en el crujido de la nieve,
en el estruendo de la lluvia,
cuando enciendo las luces de mi casa,
cuando el mar, cuando llegas,
cuando alargo la mano
hacia los rojos frutos palpitantes.
Está ahí, al acecho,
alza la zarpa, espera.
Tú no la ves, sonríes,
sonrío yo también.
Déjame que te bese una vez más
antes de que su aliento nos alcance.



JOSÉ LUIS GARCÍA MARTÍN
Material perecedero
(1998)





Não a ouves arfar? Eu ouço,
cada vez mais perto, sozinho,
contigo, a meio do verão,
entre os gritos da multidão,
à fogueira, no inverno,
com um belo livro,
no rugido da neve,
ou no estrondo da chuva,
quando acendo as luzes em casa,
quando o mar, quando chegas,
quando estendo a mão
para os frutos vermelhos palpitantes.
Está aí, à espreita,
alça a garra, espera.
Tu não a vês, sorris,
eu sorrio também.
Deixa-me beijar-te mais uma vez
antes que o seu bafo nos alcance.


(Trad. A.M.)

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12.7.11

António Gregório (A espera)






A ESPERA



Este cão que dorme ao meu lado e cujo
pêlo acaricio nem sempre esteve
aqui: antigamente eu esperava
por ela sozinho – e depois o tempo
de insuportável fez-se cão.



ANTÓNIO GREGÓRIO
American Scientist
Quasi (2007)


[O melhor amigo]

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Óscar Hahn (À minha bela inimiga)






A MI BELLA ENEMIGA



No seas vanidosa amor mío
porque para serte franco
tu belleza no es del otro mundo
Pero tampoco es de éste.


Oscar Hahn



Não sejas vaidosa amor meu
pois para te ser franco
a tua beleza não é do outro mundo
Mas também não é deste

(Trad. A.M.)


>>  A media voz (27p) / Memoria chilena (nota+bio+biblio) / Wikipedia

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11.7.11

Amadeu Baptista (Situação da indústria portuguesa)






SITUAÇÃO DA INDÚSTRIA PORTUGUESA
NO INÍCIO DA DÉCADA




Às vezes, quando a pressão das entregas
aumenta, ajudo a carregar os camiões,
mas o envenenamento é o fim-de-linha,
onde cada tarefa é como a execução
de um castigo. Pagam-me mal, mal tenho
tempo para comer um pão ao meio-dia, sinto
que a força dos meus dezasseis anos não corresponde
ao parco salário que me devem.
De aqui a uns anos, irei cumprir
o serviço militar, perderei a precariedade
do emprego, ainda ontem uma das mulheres
quase ficou sem um braço no sector velocíssimo
da transformação. Servir a pátria é, começo
a não ter dúvidas, sofrer esta amargura
endémica, a pobreza a alcançar-nos
em pouco mais de um passo, os olhos
corrompidos pelo vinagre da luminosidade,
a consciência das coisas ilegítima
na compreensão da linguagem, eu calo-me,
os outros falam por mim. Olho em volta, sinto
inexplicavelmente a natureza fortuita das coisas,
embrenho-me aos domingos na multidão
triunfante, gasto em vinho a humilde alegria
que as pequenas vitórias me consentem,
tremem-me as mãos só de pensar que existe
amor no mundo, algures, longinquamente,
no infinito da nossa ignorância. Gostava
de saber o nome deste usufruto da terra,
quais as cumplicidades que tornam tudo isto possível,
em que lugar de fogo e de agrura
o rosto corresponderá ao rosto e o silêncio
a esta forma de fome secular. Tudo é assim
liminarmente sujo, carregado de sangue
e de arestas, e duvido das proféticas sentenças
sobre a vida que me oferecem,
sem que as contemple, ao menos um instante.
Ao fim da noite, aconchego-me ao sol da praia
predilecta do meu coração, tudo me dói,
é um lençol de luz e solidão o que recebo, creio
na morte como única solução, maldito quem
por minha vez alguma vez pecou
sem que ratificasse a estranha recompensa
de ter aberto uma passagem para nenhum lugar.
Agora estou aqui e não posso pensar, uma outra
carga chama-me, obedeço cegamente
ao encarregado geral, ninguém suspeita
mas tenho dentro de mim uma indústria
onde ninguém produz porque não vale a pena.



Amadeu Baptista



[Amadeu Baptista]

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10.7.11

José Ángel Barrueco (Temos de ir embora)






TENEMOS QUE IRNOS




Sobremesa tras la cena
estamos los cuatro
él no ha llegado aún
noto inquietud y temblor

Mi madre dice:
tenemos que irnos
de esta casa

La aceptación
en nuestros ojos
el temor a la intemperie
en nuestros corazones
el vacío en el alma
al saber que tu vida
se disuelve y muta

Decidimos marcharnos
pero regresamos
un año después,
o así, cuando a mi madre
él la sedujo de nuevo
cuando la convenció
con palabras envenenadas
de mentiras y falsas promesas

Cometimos el error de volver,
amigo, el error de confiar
en el beso de judas.


José Ángel Barrueco





À sobremesa depois de jantar
estamos os quatro
ele ainda não chegou
e noto inquietação e tremor

Diz minha mãe:
temos de ir embora
desta casa

A aceitação
nos nossos olhos
o medo da tempestade
nos corações
o vazio na alma
ao saber que nossa vida
se dissolve e altera

Decidimos partir
mas voltámos
um ano depois
ou coisa assim, quando ele
seduziu de novo minha mãe
quando a convenceu
com palavras envenenadas
de mentiras e falsas promessas

Cometemos o erro de voltar,
amigo, o erro de confiar
no beijo de judas.


(Trad. A.M.)

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9.7.11

Ver (72)








[Michael Yamashita]



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Jorge Espina (Insubmissão)






INSUMISIÓN




Revienta el hormigón,
se resquebraja el alquitrán
y en cada herida del asfalto,
por doquier,
nacen
nuevos brotes de hierba.

Jorge Espina




O betão estala,
racha o alcatrão
e em cada ferida do asfalto,
por onde quer,
é só novos
rebentos de erva.


(Trad. A.M.)

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8.7.11

Alda Merini (Canção do homem infiel)






CANZONE DELL'UOMO INFEDELE



Il mio uomo è uguale al Signore
il mio uomo è uguale agli dèi
se lui mi tocca
io mi sento una donna
e mi sento l'acqua che scorre
nei lecci della vita.

Il mio uomo è un purosangue che corre
mentre io cavallerizza da nulla
sto immobile a terra.

Il mio uomo è una chitarra felice
e io sono la sua canzone
ma lui non mi canta mai
perché?
Aspetto che la chitarra si rompa
per vivere...

Il mio uomo è un uomo crudele
il mio uomo è la mia preghiera
è uguale a Savonarola.

Ma il mio uomo tocca altri inguini ed altri capelli
è generoso con le fanciulle dorate
e lascia me povera
di vecchiezza e di vita a morire per lui.

Il mio uomo se si denuda
ha il petto villoso come le aquile
ma un rostro che ferisce a fondo
e punisce i pentimenti d'amore
allora io gli mostro le mie carni ferite
e maledico la sorte,

ma se il mio uomo sorride
io torno a fiorire e divento una bianca luna
che si specchia nel mare.



Alda Merini





O meu homem é igual ao Senhor
é igual aos deuses
se ele me toca
me sinto mulher
e água que corre nos regos da vida.

O meu homem é um puro-sangue a correr
enquanto eu cavaleira do nada
fico imóvel em terra.

O meu homem é uma guitarra feliz
e eu a sua canção
mas ele não me canta já porquê?
Que para viver se lhe parta a guitarra...

O meu homem é muito cruel
ele é a minha oração
é tal qual Savonarola.

Mas o meu homem afaga outros corpos e cabelos
pródigo com as meninas de oiro
deixa-me pobre a mim a morrer por ele.

Ao desnudar-se o meu homem
mostra o peito com pelo como as águias
mas o rosto fere profundo
punindo amores arrependidos
então eu mostro-lhe as minhas carnes feridas
e maldigo a minha sorte,

mas sorrindo o meu homem
eu volto a florir e sou uma lua branca
reflectida no mar.


(Trad. A.M.)

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Piedad Bonnett (Nem os sonhos)






NI LOS SUEÑOS




Ni los sueños, donde tu rostro tiene todas las formas de la dicha,
ni el sol que tanto amo sobre mi cuerpo desnudo,
ni la grata canción del antiguo trovero enamorado,
ni el verso de Darío ni el verso de Quevedo,
ni esta luna que brilla con brillo de alcancía,
ni tu nombre por otros pronunciado,
ni el eco de mis pasos en la inmensa catedral solitaria,
ni el rosal que yo siembro con mis manos y me sangra los dedos,
ni las noches insomnes,
ni tu dulce retrato mentiroso,
ni el tiempo - ese falsario de mil rostros -
pueden calmar mi pena de no verte.



Piedad Bonnett



[Noctambulario]




Nem os sonhos, onde teu rosto veste as formas todas da ventura,
nem o sol que tanto amo em meu corpo desnudo,
nem a grata canção do velho trovador enamorado,
nem o verso de Darío ou de Quevedo,
nem esta lua brilhando com brilho de prata,
nem teu nome por outros pronunciado,
nem o eco de meus passos na imensa catedral solitária,
nem as roseiras postas por mim e que me deixam os dedos em sangue,
nem as noites insones,
nem teu doce retrato mentiroso,
nem o tempo – esse falsário de mil caras –
podem acalmar minha pena de não te ver.


(Trad. A.M.)

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7.7.11

Olhar (99)







Ilha Terceira

(Açores)


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Joan Margarit (Ao fundo da noite)





AL FONDO DE LA NOCHE




Está helando en el aire.
Guarda silencio incluso el ruiseñor.
Con la frente apoyada en el cristal
pido perdon a mis dos hijas muertas
porque ya casi nunca pienso en ellas.
El tiempo ha ido dejando sobre la cicatriz
su polvorienta arcilla, y es que, incluso
cuando uno ama a alguien, sobreviene el olvido.
La dureza en la luz es la del agua
que al deshielo gotea en los cipreses.
Pongo un leño, remuevo las cenizas,
vuelve a surgir la llama entre las brasas.
Empiezo a hacer café,
y vuestra madre, desde el dormitorio,
sonríe con su voz: Qué buen olor.
Has madrugado mucho esta mañana.


Joan Margarit







Está a codejar.
Até o rouxinol guarda silêncio.
Com a fronte encostada ao vidro
peço perdão a minhas duas filhas mortas
porque já quase nunca penso nelas.
O tempo foi depondo sobre a ferida
sua argila pulverulenta, aliás,
mesmo quando se ama, sobrevém o olvido.
A dureza na luz é a da água
que com o degelo pinga nos ciprestes.
Ponho um cavaco, remexo a cinza,
surge de novo a chama nas brasas.
Começo a fazer café
e a vossa mãe, lá do quarto,
sorri com a sua voz: Que cheirinho,
hoje madrugaste bem.


(Trad. A.M.)

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6.7.11

W. C. Williams (Canção de amor)






LOVE SONG



I lie here thinking of you:

- the stain of love
is upon the world!
Yellow, yellow, yellow
it eats into the leaves,
smears with saffron
the horned branches that lean
heavily
against a smooth purple sky!
There is no light
only a honey-thick stain
that drips from leaf to leaf
and limb to limb
spoiling the colors
of the whole world

- you far off there under
the wine-red selvage of the west!


W. C. Williams




Aqui estou eu a pensar em ti:

- a mancha do amor
cobre o universo!
Amarela, amarela, amarela,
põe-se a roer as folhas,
untando com açafrão
os ramos que se inclinam
pesadamente
contra o céu liso cor de púrpura!
Não há luz,
só uma mancha espessa de mel
a gotejar de folha em folha,
de galho em galho,
apagando as cores
do mundo inteiro

- e tu lá longe, longe, sob
o vermelho rude do poente!


(Trad. A.M.)

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5.7.11

Pura López Cortés (Amanhecida)





AMANECIDA




Ahora que tengo la piel preparada para ser primavera.
Ahora que desearía arrullar en mis manos palomas.
Ahora que me brotan los besos de los labios.
Ahora que tengo dormidas las palabras y abierta la esperanza.
Ahora que mi ternura se está desbordando hasta invadirme entera.
Ahora que estoy inundada de necesidad de amor total y compartido.
Ahora que estoy en el camino
no me estorbes,
soledad, ahora.


PURA LÓPEZ CORTÉS
Alacena, Ed. Carena
Barcelona (2010)



[Voces del extremo]





Agora que tenho a pele preparada para ser primavera.
Agora que queria arrulhar pombas em minhas mãos.
Agora que me brotam os beijos dos lábios.
Agora que tenho a dormir as palavras e acordada a esperança.
Agora que se me derrama a ternura até invadir-me toda.
Agora que estou inundada de sede de amor total e partilhado.
Agora que estou no caminho
não me estorves,
solidão, agora.



(Trad. A.M.)


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4.7.11

Pedro Mexia (Regresso)






REGRESSO 





Regressas a casa, onde
regressas? A sombra espera
a tua sombra, um disco
ouvido no escuro. Regressas
a casa, mas tens a chave
e não a porta, ou o contrário,
ou a chave e a porta e mais nada. 



Pedro Mexia 





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3.7.11

Piedad Bonnett (Assalto)






SAQUEO




Como un depredador entraste en casa,
rompiste los cristales,
a piedra destruiste los espejos,
pisaste el fuego que yo había encendido.

Y sin embargo, el fuego sigue ardiendo.
Un cristal me refleja dividida.
Por mi ventana rota aún te veo.
(Con tu cota y tu escudo me miras desde lejos).
Y yo, mujer de paz,
amo la guerra en ti, tu voz de espadas,
y conozco de heridas y de muerte,
derrotas y saqueos.

En mi hogar devastado se hizo trizas el día,
pero en mi eterna noche aún arde el fuego.



Piedad Bonnett






Entraste na casa como um predador,
quebraste os vidros,
desfizeste os espelhos à pedra,
calcaste a fogueira que eu tinha acendido.

E mesmo assim o lume arde ainda.
Um naco de vidro reflecte-me partida.
Ainda te vejo pela janela rachada.
(Olhas-me de longe vestido de cota e escudo).
E eu, mulher de paz,
amo a guerra em ti, tua voz de espadas,
e sei de feridas e morte,
de saques e derrotas.

No meu lar devastado o dia está feito em migalhas,
mas em minha eterna noite arde ainda a fogueira.


(Trad. A.M.)



>>  Piedad Bonnett (sit.of.> bio-biblio-anto, etc) / A media voz (29p) / Poetry Int. (10p)

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