5.1.11

José Rentes de Carvalho (O rio ao amanhecer)






Não eram muitas as vezes que eu podia ver o rio ao amanhecer, e por isso me deixava arrastar, ao que ela respondia puxando-me com safanões que magoavam o braço.

Pouco importava.

Não era só a vista, nem a proximidade de tudo o que eu só estava habituado a ver de longe.

Ao passar recebia em cheio os odores que só conhecia atenuados, ouvia ruídos que a distância agora não abafava, tinha a impressão de que se quisesse podia tocar o casco dos navios.

O cheiro inconfundível da estopa de calafate, o piche, o fedor dos óleos, o eflúvio acre da maresia, o odor forte de vinho derramado, mijo dos bois, madeira serrada de fresco, fruta podre, o fumo do carvão, o cheiro das tabernas fechadas.

O chape-chape da água a acompanhar o ruído dos nossos passos, chamamentos em língua estranha, o bater das horas repetido de torre para torre, toques de corneta militar, campainhas de bordo, o matraqueio dos cavalos e das carroças a ecoar na rua vazia, o pio das gaivotas, os pregões do alvorecer, os sinos, os primeiros gritos, o maravilhoso despertar do mundo.



- J. RENTES DE CARVALHO, Ernestina, Ed. Escritor, Lx. 2001, pp. 183-4.


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