MADEIRA
Quero beijar os teus lábios de pedra,
a água azul e profunda onde os teus
seios sem mácula se unem às minhas
mãos,
quero fundir-me em ti,
minha doce amante do desejo antigo,
quero mergulhar nos cabelos húmidos das
tuas raízes,
quero subir lentamente o teu corpo frio,
fendido,
quero fazer em ti,
nos teus jardins inclinados,
um país de filhos belos, de animais de
silêncio e bondade,
quero regressar a ti,
ao mistério das levadas, das falésias,
dos ventos que batem nos pássaros de aço
e nas tuas tranças,
quero que me toques amorosamente com
os teus dedos esguios,
com as tuas canas doces,
quero o mel, a estrelícia, o pão escuro sobre
as mesas de toalhas loucas bordadas pelas
mulheres de outrora,
senhoras nossas das dores e do entardecer,
quero levar-te comigo para além, para
sempre,
quero que deixes em mim o fruto das tuas
árvores da alegria,
todos os sinais da ternura que o tempo não
consumiu,
minha eterna amante junto ao mar,
quero morrer em ti,
e em ti nascer de novo.
JOSÉ AGOSTINHO BAPTISTA
Anjos Caídos
Assírio & Alvim
(2003)
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