Violento e esforçado, quando se irritava, o Callante perdia a tramontana e tornava-se uma fera.
Era então que o seu torso possante e felpudo, os braços longos e arqueados, as mãos grossas e engelhadas, a queixada tremenda com os dentes pequenos e aguçados, lhe davam a aparência dum gorila enfurecido.
Só então ele parecia esquecer momentaneamente o dinheiro e os bens terrenos, e o rancor triunfava nele da avareza – nisso, ao menos, honra lhe seja feita!
Um dia, cansada, uma vaca de trabalho recusou obedecer-lhe: espancou-a.
O animal rebelou-se: cego de raiva, o Callante trespassou-a com o aguilhão.
De outra vez, meteu-se-lhe em cabeça jungir ao arado um touro de cobertura que lhe tinha custado um saco de duros: o bicho resistiu, quis escorná-lo.
O velho agarrou-o pelos chifres, e sozinhos frente a frente, no lusco-fusco do amanhecer, travaram combate em pleno campo, entre os cerros nus, como num circo romano, deserto!
O homem venceu, o
auroch deu em terra com o espinhaço fracturado, e foi preciso acabá-lo e sangrá-lo ali mesmo.
- JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS,
A Escola do Paraíso (11-“Toma lá cinco réis”), 1960.
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