26.8.10

José Rodrigues Miguéis (O Callante)






Violento e esforçado, quando se irritava, o Callante perdia a tramontana e tornava-se uma fera.

Era então que o seu torso possante e felpudo, os braços longos e arqueados, as mãos grossas e engelhadas, a queixada tremenda com os dentes pequenos e aguçados, lhe davam a aparência dum gorila enfurecido.

Só então ele parecia esquecer momentaneamente o dinheiro e os bens terrenos, e o rancor triunfava nele da avareza – nisso, ao menos, honra lhe seja feita!

Um dia, cansada, uma vaca de trabalho recusou obedecer-lhe: espancou-a.

O animal rebelou-se: cego de raiva, o Callante trespassou-a com o aguilhão.

De outra vez, meteu-se-lhe em cabeça jungir ao arado um touro de cobertura que lhe tinha custado um saco de duros: o bicho resistiu, quis escorná-lo.

O velho agarrou-o pelos chifres, e sozinhos frente a frente, no lusco-fusco do amanhecer, travaram combate em pleno campo, entre os cerros nus, como num circo romano, deserto!

O homem venceu, o auroch deu em terra com o espinhaço fracturado, e foi preciso acabá-lo e sangrá-lo ali mesmo.



- JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS, A Escola do Paraíso (11-“Toma lá cinco réis”), 1960.

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