9.8.10

José Rodrigues Miguéis (O vento mia e rabeia)






O vento mia e rabeia no telhado, abala a casa, parece que leva tudo pelos ares, engolfa-se a espaços pela chaminé abaixo, espevita o lume onde a chaleira canta, vai fazer oscilar a chama do candeeiro de petróleo e arranca-lhe um veuzinho de fumo negro.

Algures, uma porta mal engonçada bate no trinco, enfurecida, como se quisesse libertar-se e partir com o vento à grande aventura.

Na mansarda, de outro modo silenciosa, paira uma inquietação.

Só ali na cozinha brilha a luz amarela e tranquila, que o abajur de papelão concentra na mesa e na tábua de engomar.

Ao lado, pelo respiradouro em ogiva do ferro, espreita um lume quase branco, de inferno em miniatura, que espalha o aroma e o calor reconfortantes do sobro queimado.



- JOSÉ RODRIGUES MIGUÉIS, A Escola do Paraíso (1- O gato preto), 1960.


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