Pela portinhola do comboio vou seguindo a paisagem de figueiras e de vinhas que desfila.
De um lado o céu doirado e violeta, do outro todo roxo.
Os nomes das estações têm um sabor a fruto maduro e exótico – Almancil, Nexe, Diogal, Marchil...
De quando em quando fixo um pormenor: uma mulher passa na estrada branca, entre oliveiras pulverulentas e fantasmas esbranquiçados de árvores, sentada no burrico, de guarda-sol aberto, e dando de mamar ao filho.
Terras de barro vermelho.
Grupos de figueiras anainhas estendem os braços pelo chão até ao mar, deixando cair na água os ramos vergados de fruto, que só amadurece com as branduras.
Uma ou outra casinha reluzindo de caiada: ao lado, e sempre, a nora de alcatruzes e um burrinho a movê-la entre as leves amendoeiras em fila, as oliveiras dum verde mais escuro e a alfarrobeira carregada de vagens negras pendentes.
A mesa de Deus está posta.
Estradas orladas de cactos imóveis como bronze, e a deslumbrante Fuzeta, com o seu zimbório entre árvores esguias.
Ao longe, e sempre, acompanha-me o mar, que mistura o seu hálito a esta luz vivíssima.
- RAUL BRANDÃO,
Os Pescadores.
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