As névoas anunciam o Inverno.
Começam a vir os nevoeiros compactos, que se metem pelas narinas e cheiram a mar e a fumo.
Há-os que têm léguas de espessura e levam dias a passar, coortes desordenadas de fantasmas enchendo todo o horizonte.
O sino tange.
Não se vê palmo diante do nariz.
Lá fora os barcos, como cegos, só se guiam pelo som.
0 mar é um misterioso fantasma que os envolve.
Cerração cada vez mais mole e espessa...
Só a voz se ouve, e o lamento parece vir de mais longe e de mais fundo.
Às vezes adelgaça-se um pouco na costa, e grandes rolos de fumaceira crescem do mar sobre a terra.
É o Inverno que vem aí.
A voz imensa tem já plangências de dor – desabar infinito de lágrimas.
De sul para o norte as nuvens correm sempre, coortes sobre coortes que saem das profundas e avançam, deslizam sobre as águas sem ruído, enchendo o céu de farrapos enormes, de fantasmas criados naquele mar salgado e que se seguem em tropel num galope monstruoso para uma grande batalha desconhecida.
E de quando em quando o sino chama, chama sempre pelos homens perdidos na névoa espessa que leva dias a passar.
- RAUL BRANDÃO,
Os Pescadores.
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