20.9.14
Raul Brandão (Luz e cor)
O mar às vezes parece um véu diáfano, outras pó verde.
Às vezes é dum azul transparente, outras cobalto.
Ou não tem consistência e é céu, ou é confusão e cólera.
De manhã desvanece-se, de tarde sonha.
E há dias de nevoeiro em que ele é extraordinário, quando a névoa espessa pouco e pouco se adelgaça, e surge atrás da última cortina vaporosa, todo verde, dum verde que apetece respirar.
Diferentes verdes bóiam na água, esbranquiçados, transparentes, escuros, quase negros, misturados com restos de onda que se desfaz e redemoinha até ao longe.
E ainda outros azulados, com a cor das podridões.
Tudo isto graduado e dependendo do céu, da hora e das marés.
Há momentos em que me julgo metido dentro duma esmeralda, e, depois, numa jóia esplêndida, dum azul único que se incendeia.
Mas a luz morre, e a luz agonizando exala-se como um perfume.
É uma grande flor que desfalece.
O doirado não é simplesmente doirado, nem o verde simplesmente verde: possuem uma alma delicada e extática.
- RAUL BRANDÃO, Os Pescadores.
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