5.8.14

Raul Brandão (Manhãs-2)





Há manhãs em que a poeira do mar se mistura à poeira azul do céu.

Um hálito fresco e húmido, uma exalação viva e salgada, vem do largo e das profundas – de toda essa constante agitação, que nos dá um sentimento de vida ilimitada.

Sai dos farrapos da névoa, dos laivos onde bóiam espumas, dos redemoinhos lívidos de cólera.

A esta hora o dia está de chumbo.

No horizonte a claridade debate-se para irromper, e só ilumina uma parte do mar em fusão.

Não se vê ainda a costa.

A névoa flutua em farrapos, e de repente, lá do fundo uma espessa fumarada cresce sobre a terra.

Só muito longe uma nódoa azul esparralhada flutua à superfície das águas...

Os barcos formam circulo para além da baía, entre as Berlengas e a costa: sete, oito, dez, de vela triangular, que se preparam para erguer a armação da sardinha – uma grande rede com um saco – o copo.

A sardinha, ao encontrar no seu caminho a rede, deriva para o saco, tirando-a os pescadores com a xalavara para dentro dos barcos.

É uma onda de prata que sai da tinta azul.

Cheira a algas e a mar vivo.

Impregna-me e trespassa-me.

Deixa-me sal nos beiços.


- RAUL BRANDÃO, Os Pescadores.

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