Há manhãs em que a poeira do mar se mistura à poeira azul do céu.
Um hálito fresco e húmido, uma exalação viva e salgada, vem do largo e das profundas – de toda essa constante agitação, que nos dá um sentimento de vida ilimitada.
Sai dos farrapos da névoa, dos laivos onde bóiam espumas, dos redemoinhos lívidos de cólera.
A esta hora o dia está de chumbo.
No horizonte a claridade debate-se para irromper, e só ilumina uma parte do mar em fusão.
Não se vê ainda a costa.
A névoa flutua em farrapos, e de repente, lá do fundo uma espessa fumarada cresce sobre a terra.
Só muito longe uma nódoa azul esparralhada flutua à superfície das águas...
Os barcos formam circulo para além da baía, entre as Berlengas e a costa: sete, oito, dez, de vela triangular, que se preparam para erguer a armação da sardinha – uma grande rede com um saco – o copo.
A sardinha, ao encontrar no seu caminho a rede, deriva para o saco, tirando-a os pescadores com a xalavara para dentro dos barcos.
É uma onda de prata que sai da tinta azul.
Cheira a algas e a mar vivo.
Impregna-me e trespassa-me.
Deixa-me sal nos beiços.
- RAUL BRANDÃO,
Os Pescadores.
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