A ria é um enorme pólipo com os braços estendidos pelo interior desde Ovar até Mira.
Todas as águas do Vouga, do Águeda e dos veios que nestes sítios correm para o mar encharcam nas terras baixas, retidas pela duna de quarenta e tantos quilómetros de comprido, formando uma série de poças, de canais, de lagos e uma vasta bacia salgada.
De um lado o mar bate e levanta constantemente a duna, impedindo a água de escoar; do outro é o homem que junta a terra movediça e a regulariza.
Vem depois a raiz e ajuda-o a fixar o movimento incessante das areias, transformando o charco numa magnífica estrada, que lhe dá o estrume e o pão, o peixe e a água da rega.
Abre canais e valas.
Semeia o milho na ria.
Povoa a terra alagadiça, e à custa de esforços persistentes, obriga a areia inútil a renovar constantemente a vida.
Edifica sobre a água, conquistando-a, como na Gafanha, onde alastra pela ria. Aduba-a com o fundo que lhe dá o junco, a alga e o escasso – detritos de pequenos peixes.
Exploram a ria os mercantéis, que fazem o tráfego da sardinha, os barqueiros que fazem os fretes marítimos, os rendeiros das praias que lhe aproveitam os juncais, os marnotos, que se empregam no fabrico do sal, os moliceiros, que apanham as algas, e finalmente os pescadores da Murtosa, que são os únicos a quem se pode aplicar este nome, e que entre outras redes usam a solheira, a rede de salto, a murgeira e a branqueira.
- RAUL BRANDÃO,
Os Pescadores.
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