23.4.16

Pedro Salinas (Serás, amor-III)





Serás, amor,
um longo adeus que não acaba?
Desde o início que viver é separar-se.
Ao primeiro encontro com a luz e os lábios,
o coração pressente a angústia
de um dia estar cego e só.
Amor é o milagre do protelar
do seu próprio termo:
é o prolongar do facto mágico,
de um mais um serem dois, contra
a sentença primeira da vida.
Com beijos,
com a pena e o peito se conquistam,
em afanosas lides, entre gozos
parecidos com brincadeiras,
dias, terras, espaços fabulosos,
furtados à separação que nos espera,
irmã da morte ou a morte mesma.
Cada beijo perfeito afasta o tempo,
atira-o para trás, alarga o mundo breve
em que é permitido ainda beijar.
Não é na chegada ou na descoberta
que tem o amor o seu cume:
é na resistência à separação que o sentimos,
desnudo, altíssimo, tremendo.
E a separação não é o momento
em que braços, ou vozes,
se despedem com gestos visíveis:
é antes, é depois.
Se apertamos as mãos ou nos abraçamos,
não é pela separação,
mas porque a alma cegamente sente
que a forma possível de estar juntos
é uma despedida longa, clara.
E que o mais certo ainda é o adeus.


Pedro Salinas

(Trad. A.M.)*


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(*) Nova tentativa.
Original: Rua das Pretas
Antecedentes, também.