14.4.16
Alexandre Pinheiro Torres (A parábola dos choupos)
Mil espadas ao rubro estralejam de frio ao mergulhar nas águas.
Delicia-se a ouvi-las rechinar.
Como se ardessem.
Mas, ao mesmo tempo, tortura-se.
É que não há nada de mais terrível do que ver os choupos no estertor das últimas convulsões.
E mais eles são bailarinas que já gostam de menear as ancas à mais ténue brisa de Verão.
Mesmo à calmaria.
Quantas vezes, por ocasião das canículas desesperadas do Estio, o ar se imobiliza.
Apalpamo-lo: está parado em estátua?
Abanamo-lo.
Não há forças que movam o seu bronze.
Olhamos então para um choupo ou para um álamo: as folhas põem as mãos diante de nós em rezas de velhos.
Nervosas, atacadas de sezões.
Como doentes de malária nos trópicos onde o ar não se move para que alguém a respire.
Anda-se atrás dele e não o encontramos.
A própria bonança, como se vê, sobressalta os álamos.
A paralisia do ar aterroriza-os.
E tremem.
Vê-los, porém, no Inverno, num dia de chuva sibilante, é o mesmo que assistir aos sinais com que a morte nos telegrafa a sua presença: morse de ramos em sucessivos e longos traços de agonia, não há pontos para breve repouso, até que os fios estalam, os postes desabam, há um enrodilhar caótico de arames, e os auscultadores iniciam o ofício fúnebre do silêncio. (n. 38)
ALEXANDRE PINHEIRO TORRES
Espingardas e Música Clássica
(1987)
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