4.11.13

Al Berto (Os dias sem ninguém)





os dias sem ninguém
pequeníssimos recados escritos à pressa
amachucados nos dedos

        foi bela a madressilva
        subindo pela noite da morada esquecida

pedras exactas poeiras perfumadas
bichos de lume dormitando na flexibilidade da argila
areias cobertas de insectos ossos dentes
e o rio por onde partem as noites de cansaço

luminosa floração luas ácidas despenhando-se
fendas de terra cidades costeiras pássaros
frágeis caminhos em pleno voo
durante a lucidez tremenda do sonho

restam-me os corredores de vidro
onde posso afagar os restos carbonizados do corpo
abro a porta que dava acesso ao rosto
desço os degraus musgosos do pátio
atravesso o jardim de alvenaria onde vivi
todo este tempo antes de me precipitar


AL BERTO
O Medo
Lisboa (1998)


[As folhas ardem]


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