15.3.11

Guerra Junqueiro (Aos simples)





AOS SIMPLES



      (...)
Minha mãe, minha mãe! ai que saudade imensa,
do tempo em que ajoelhava, orando, ao pé de ti.
Caía mansa a noite; e andorinhas aos pares
cruzavam-se voando em torno dos seus lares,
suspensos do beiral da casa onde eu nasci.
Era a hora em que já sobre o feno das eiras
dormia quieto e manso o impávido lebréu.
Vinham-nos da montanha as canções das ceifeiras,
e a Lua branca, além, por entre as oliveiras,
como a alma dum justo, ia em triunfo ao Céu!
E, mãos postas, ao pé do altar do teu regaço,
vendo a Lua subir, muda, alumiando o espaço,
eu balbuciava a minha infantil oração,
pedindo ao Deus que está no azul do firmamento
que mandasse um alívio a cada sofrimento,
que mandasse uma estrela a cada escuridão.
Por todos eu orava e por todos pedia.
pelos mortos no horror da terra negra e fria,
por todas as paixões e por todas as mágoas,
pelos míseros que entre os uivos das procelas
vão em noite sem lua e num barco sem velas
errantes através do turbilhão das águas.
O meu coração puro, imaculado e santo
ia ao trono de Deus pedir, como inda vai,
para toda a nudez um pano do seu manto,
para toda a miséria o orvalho do seu pranto
e para todo o crime o seu perdão de Pai!


A minha mãe faltou-me era eu pequenino,
mas da sua piedade o fulgor diamantino
ficou sempre abençoando a minha vida inteira,
como junto dum leão um sorriso divino,
como sobre uma flor um ramo de oliveira!
            (...)



GUERRA JUNQUEIRO
A Velhice do Padre Eterno
(1885)

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