Tomado de febre digo à Marta que espere, que não tenha medo, e corro a buscar a manta das nossas brincadeiras.
Estendo-a no chão.
A minha companheira não faz perguntas, olha indiferente, fica imóvel quando lhe puxo o vestido por cima da cabeça.
Mais roupa não tem.
A minha: camisa, camisola, calções, cuecas, meias, sapatos, demora ridiculamente a tirar.
Estamos em pêlo, deitamo-nos, ela por baixo, eu a cobri-la e, sem saber se o tínhamos visto a animais ou a gente, imitamos o fornicar.
Com a inocência dos cinco anos que ambos temos e um misto de surpresa e excitação, sensíveis ao contacto das peles que se roçam, lambuzando-se com beijos que não sabemos dar.
De repente tudo enegreceu.
Paralisámos ao ouvir a porta fechar e abrir-se de novo em pé-de-vento, minha mãe furiosa a perguntar onde é que eu estava.
Não me deu tempo a responder, porque em duas passadas tinha descoberto o nosso ninho e na sua fúria caiu sobre mim às bofetadas e aos puxões de orelhas, mais uma vez aos gritos de “Porcalhão!” e “Desgraçado!”, que com os anos perderiam o impacto, mas naquele momento ressoavam com a força que eu mais tarde reconheceria ao ler como Adão e Eva tinham sido expulsos do Paraíso.
- J. RENTES DE CARVALHO,
Ernestina, Ed. Escritor, Lx. 2001, pp. 126-7.
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