Odeio sentir-me assim, não sou eu, é uma chata aqui ao lado, quero sacudi-la, mas não se vai embora.
Tentei animá-la: passa, parece que não, mas passa.
Tudo passa, é só uma questão de tempo.
Baixei-me ligeiramente para lhe dar um beijo de boa-noite.
Foi um beijo mais pausado que os beijos bom-dia/boa-noite que trocamos sem pensar.
Tantas vezes nos beijámos de outras maneiras, com amor, com paixão, com urgência e sofreguidão, como se fôssemos um do outro, mas ali, às três da manhã, a Rita atrás do cobertor, cara pisada do cansaço, o cabelo que me roçou os lábios, a presença física, toda ela me pareceu um objecto estranho.
Também ela me tinha passado.
PAULO CASTILHO
Domínio Público
(2011)
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