Um grupo de estudantes universitários submetendo-se a praxes estúpidas, humilhantes e de uma grosseria difícil de imaginar num canto da Europa que se julga civilizado – infeliz prenúncio do que vai ser o nosso pobre país quando estas gerações tentarem ser gente.
Cresci e formei-me nos anos 60 do século findo, fizemos muito disparate, cometemos a nossa dose de erros, mas nunca deixámos que nos humilhassem e menos ainda que a humilhação organizada fosse uma forma socialmente aceitável de iniciar a vida de adulto. (...)
Alguns de nós, enquanto estudantes, fomos presos, fomos torturados, fomos julgados, fomos expulsos, fomos perseguidos, fomos espancados em manifestações, mas nunca, jamais, permitimos que a PIDE, a Legião, o Governo e muito menos os nossos próprios colegas nos humilhassem, nem tal hipótese absurda lhes passava pela cabeça.
Os estudantes auto-educavam-se nos valores do humanismo e na luta contra a ditadura.
Agora educam-se nas praxes e na cerveja.
Dir-me-ão que hoje os estudantes não consideram a praxe um fenómeno humilhante e eu responderei que essa atitude é a coisa mais triste e preocupante de tudo isto. (pp. 387-8)
PAULO CASTILHO
O Sonho Português
(2015)
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