1.11.23

Manuel António PIna (Um sítio onde pousar)

 



UM SÍTIO ONDE POUSAR A CABEÇA



Os homens temem as longas viagens,
 os ladrões da estrada, as hospedarias,
 e temem morrer em frios leitos
 e ter sepultura em terra estranha.
 Por isso os seus passos os levam
 de regresso a casa, às veredas da infância,
 ao velho portão em ruínas, à poeira
 das primeiras, das únicas lágrimas.

Quantas vezes em
 desolados quartos de hotel
 esperei em vão que me batesses à porta,
 voz de infância, que o teu silêncio me chamasse!

E perdi-vos para sempre entre prédios altos,
 sonhos de beleza, e em ruas intermináveis,
 e no meio das multidões dos aeroportos.
 Agora só quero dormir um sono sem olhos

e sem escuridão, sob um telhado por fim.
 À minha volta estilhaça-se
 o meu rosto em infinitos espelhos
 e desmoronam-se os meus retratos nas molduras.

Só quero um sítio onde pousar a cabeça.
 Anoitece em todas as cidades do mundo,
 acenderam-se as luzes de corredores sonâmbulos
 onde o meu coração, falando, vagueia.


Manuel António Pina

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