21.11.23

Louise Glück (Gretel na escuridão)

 



GRETEL NA ESCURIDÃO 

 

Este é o mundo que desejávamos.
Todos os que nos queriam mortos
estão mortos. Ouço o grito da bruxa
a rasgar o luar através de uma mortalha
de açúcar: Deus recompensa.
A língua dela desfaz-se em gás. … 

 Agora, longe de braços de mulheres
e memória de mulheres, na cabana do nosso pai
dormimos, nunca temos fome.
Por que não esqueço?
O meu pai tranca a porta, tranca o mal
fora desta casa, e passaram anos. 

Ninguém se lembra. Até tu, meu irmão,
nas tardes de estio olhas para mim como se
quisesses partir,
como se nunca tivesse acontecido.
Mas eu matei por ti. Vejo pinheiros armados,
as agulhas daquele forno dardejante – 

De noite volto-me para ti, para me abraçares
mas não estás lá.
Estarei sozinha? Há espiões
a sibilar no silêncio, Hansel,
ainda lá estamos e é real, real,
aquela floresta negra e o fogo ao rubro.
 

Louise Glück

(Trad. Inês Dias) 

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