30.9.17

Miriam Reyes (Sleepy Beauty espreguiça-se)





Sleepy Beauty se despereza
sus párpados parecen escobas
que barren las sucias pelusas de los sueños.
 
En los jardines de Notre Dame no se puede dormir
los guardias te despiertan como a una vagabunda
Notre Dame es para las fotos y las visitas guiadas.
 
Despierta de una vez
estúpida muchachita
aquí no se viene a dormir.
En Paris a los sapos se los comen las ratas.
Vete con alguno que te dé casa comida y sexo
si la taquilla funciona
la función continúa.
Una niña no puede ser Rimbaud el incendiario,
cara bonita también, piel de diecinueve años
ni lo sueñes, ni lo sueñes.

  
Miriam Reyes


  

Sleepy Beauty espreguiça-se
as pestanas parecem escovas
varrendo o cotão sujo do sonho

Não se pode dormir nos jardins de Notre Dame
os guardas acordam-nos como vagabundos
Notre Dame é para as fotos e as visitas guiadas

Acorda lá duma vez
ó rapariguita estúpida
aqui não se dorme.
Em Paris os sapos comem-nos os ratos.
Vai lá embora com algum que te dê casa comida e sexo
a bilheteira funcionando
a função continua.
Uma nina não pode ser Rimbaud o incendiário,
ainda por cima cara bonita, pele de dezanove anos
nem pensar, nem pensar.



(Trad. A.M.)

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29.9.17

Miquel Martí i Pol (Agora penso-te)





AGORA PENSO-TE



Agora penso-te – tão longe –
e invento-te uma pose
expectante para me encheres
este vazio da tarde.
Cada palavra é um mundo
com rios e mares e terras,
ou um vidro estaladiço,
ou um quarto em silêncio.
Que lenta a passagem do tempo!
Que pesada a velha
solidão e que próximos
teus olhos, quando te invento
uma pose expectante
para que me enchas a tarde.


 Miquel Martí i Pol


(Trad. A.M./ sobre versão cast. Joan B. Fort i Olivella)

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28.9.17

Camilo Pessanha (Floriram por engano as rosas bravas)





Floriram por engano as rosas bravas
No Inverno: veio o vento desfolhá-las...
Em que cismas, meu bem? Porque me calas
As vozes com que há pouco me enganavas?

Castelos doidos! Tão cedo caístes!...
Onde vamos, alheio o pensamento,
De mãos dadas? Teus olhos, que num momento
Perscrutaram nos meus, como vão tristes!

E sobre nós cai nupcial a neve,
Surda, em triunfo, pétalas, de leve
Juncando o chão, na acrópole de gelos...

Em redor do teu vulto é como um véu!
Quem as esparze – quanta flor! – do céu,
Sobre nós dois, sobre os nossos cabelos?


Camilo Pessanha

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27.9.17

Miguel Hernández (Beijo sou)





Beso soy, sombra con sombra.
Beso, dolor con dolor,
por haberme enamorado.
Corazón sin corazón,
de las cosas, del aliento
sin sombra de la creación.
Sed con agua en la distancia,
pero sed alrededor.

Corazón en una copa
donde me la bebo yo
y no se lo bebe nadie,
nadie sabe su sabor.
Odio, vida: ¡cuánto odio
sólo por amor!

No es posible acariciarte
con las manos que me dio
el fuego de más deseo,
el ansia de más ardor.
Varias alas, varios vuelos
abaten en ellas hoy
hierros que cercan las venas
y las muerden con rencor.

Por amor, vida, abatido,
pájaro sin remisión.
Sólo por amor odiado,
sólo por amor.

Amor, tu bóveda arriba
y yo abajo siempre, amor,
sin otra luz que estas ansias,
sin otra iluminación.
Mírame aquí encadenado,
escupido, sin calor
a los pies de la tiniebla
más súbita, más feroz,
comiendo pan y cuchillo
como buen trabajador
y a veces cuchillo sólo,
sólo por amor.

Todo lo que significa
golondrinas, ascensión,
claridad, anchura, aire,
decidido espacio, sol,
horizonte aleteante,
sepultado en un rincón.
Espesura, mar, desierto,
sangre, monte rodador,
libertades de mi alma
clamorosas de pasión,
desfilando por mi cuerpo,
donde no se quedan, no,
pero donde se despliegan,
sólo por amor.

Porque dentro de la triste
guirnalda del eslabón,
del sabor a carcelero
constante y a paredón,
y a precipicio en acecho,
alto, alegre, libre soy.
Alto, alegre, libre, libre,
sólo por amor.

No, no hay cárcel para el hombre.
No podrán atarme, no.
Este mundo de cadenas
me es pequeño y exterior.
¿Quién encierra una sonrisa ?
¿Quién amuralla una voz?
A lo lejos tú, más sola
que la muerte, la luna y yo.
A lo lejos tú, sintiendo
en tus brazos mi prisión,
en tus brazos donde late
la libertad de los dos.
Libre soy, siénteme libre.
Sólo por amor.


Miguel Hernández





Beijo sou, sombra com sombra.
Beijo, dor com dor,
por me ter enamorado.

Coração sem coração,
das coisas, do alento
sem sombra da criação.
Sede com água ao longe,
mas sede em redor.
Coração dentro do copo
eu lá bebo e mais ninguém,
ninguém lhe toma o sabor.
Ódio, vida; quanto ódio
só por amor!

Não posso fazer-te festas
com estas mãos que me deu
o fogo de mais desejo,
a ânsia de mais ardor.
Várias asas, vários voos
abatem hoje nelas
ferros que apertam as veias
e as mordem com rancor.

Por amor, vida, abatido,
pássaro sem remissão.
Só por amor odiado,
só por amor.

Amor, teu tecto lá cima
e eu cá baixo sempre, amor,
sem outra luz que esta ânsia,
sem outra iluminação.
Olha para mim acorrentado,
cuspido, sem calor
aos pés da treva
mais súbita, mais feroz,
comendo pão e navalha
como bom trabalhador
e às vezes navalha só,
só por amor.

Tudo o que significa
andorinhas, ascensão,
claridade, largueza, ar.
espaço aberto, sol,
horizonte adejante,
sepultado num canto.
Espessura, deserto, mar,
sangue, monte rolante,
liberdades de minh’alma
clamorosas de paixão,
desfilando por meu corpo,
onde não param, não,
mas donde se soltam,
só por amor.

Porque dentro da triste
grinalda do grilhão,
do cheiro a prisão
constante e a paredão,
e a precipício à espreita,
alto e alegre sou, e livre.
Alto e alegre, e livre, livre,
só por amor.

Não, não há cadeia para um homem,
não poderão atar-me, não,
este mundo de cadeias
é-me estranho e pequeno.
Quem prende um sorriso?
Quem amuralha uma voz?
Ao longe tu, mais só
do que a morte, a lua e eu.
Ao longe tu, a sentir
a minha prisão em teus braços,
nesses braços onde palpita
a liberdade dos dois.
Livre sou, sente-me livre,
só por amor.


(Trad. A.M.)

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26.9.17

Miguel d'Ors (Antes que o silêncio tombe na minha vida)





ANTES DE QUE EL SILENCIO CAIGA SOBRE MI VIDA    


(Variación sobre un tema de José Cereijo)

  
Viejo monte Coirego, nombrarte aquí; nombraros,
aguas del Almofrey bajo las carballeiras
sinfónicas de octubre,                      
antes de que el silencio
caiga sobre mi vida.

Acaso en el futuro algún desconocido
llegue a estos versos yen ellos os contemple,
viejo monte Coirego,
aguas del Almofrey,
con los ojos del alma.

Yo, olvidado y sereno, estaré ya muy lejos,
pero sé que aquel día
en aquella mirada ajena e insospechada
todo este amor palpitará de nuevo.


Miguel d’Ors





Velho monte Coirego, nomear-te aqui; nomear-vos,
águas do Almofrey, sob as carvalheiras
sinfónicas de Outubro,
antes que o silêncio
tombe na minha vida.

Acaso no futuro um desconhecido
virá a estes versos e neles vos olhará,
velho monte Coirego,
águas do Almofrey,
com os olhos da alma.

Eu, olvidado e sereno, estarei já muito longe,
mas sei que nesse dia,
nesse olhar alheio e insuspeito,
todo este amor palpitará de novo.



(Trad. A.M.)

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25.9.17

Mário de Carvalho (Um saco de plástico)





Arrebatado, um saco de plástico saltou nos céus, a boa altura, muito acima das copas dos pinhais. 

Oscilou, valsou, pairou, lento, como se fosse para ir ficando, suspenso de nada. 

E espreguiçava-se, e encolhia-se e expandia-se, revirava-se, gozava a vista e o Sol. 

Agora drapejava – era bandeira, agora planava – era milhano, agora enfunava-se – era balão. 


Estava nisto e estava a convencer-se de que as letras verdes e o símbolo amarelo – Pingo Doce – pertenciam por direito próprio àquelas zonas alcandoradas, de aragens mais quentes. 

Veio uma guinada, deitou-lhe a garra, amarfanhou-o e rebaixou-o uns metros. 

Outra o resgatava, amparava e desdobrava, impante e triunfal, com sonoridades secas. 

À traição, atirou com ele para longe, uma, outra e outra vez, apesar de resistir com os bufos sacudidos de um polvo. 

Vai abaixo! Vai acima!



MÁRIO DE CARVALHO
A Sala Magenta-XII
(2008)

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24.9.17

Miguel Barnet (Eu espero-te)





Yo te espero
bajo los signos rotos
del cine cantonés.
Yo te espero
en el humo amarillo
de una estirpe deshecha.
Yo te espero
en la zanja donde navegan
ideogramas negros
que ya no dicen nada.
Yo te espero a las puertas
de un restaurante
en un set de la Paramount
para una película que se filma a diario.
Dejo que la lluvia me cubra
con sus raíles de punta
mientras presiento tu llegada.
 En compañía de un coro de eunucos,
junto al violín de una sola cuerda
de Li Tai Po,
yo te espero.
Pero no vengas
porque lo que yo quiero realmente
es esperarte.

Miguel Barnet




Eu espero-te
sob os letreiros rasgados
do cinema cantonense.
Espero-te
no fumo amarelo
de uma estirpe desfeita.
Espero-te
numa vala onde navegam
ideogramas negros
que já não dizem nada.
Espero-te à porta
de um restaurante
num set da Paramount
para um filme que se roda diariamente.
Deixo a chuva cobrir-me
com seus carris de ponta
enquanto pressinto a tua chegada.
Na companhia de um coro de eunucos,
ao pé do violino de uma corda só
de Li Tai Po,
eu espero-te.
Mas não venhas, deixa,
que o que eu quero mesmo
é esperar-te.


(Trad. A.M.)

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23.9.17

Meira Delmar (O milagre)





EL MILAGRO



Pienso en ti.

La tarde,
no es una tarde más;
es el recuerdo
de aquella otra, azul,
en que se hizo
el amor en nosotros
como un día
la luz en las tinieblas.

Y fue entonces más clara
la estrella, el perfume
del jazmín más cercano,
menos
punzantes las espinas.

Ahora,
al evocarla creo
haber sido testigo
de un milagro.


Meira Delmar




Penso em ti.

A tarde não é
só mais uma tarde;
é a lembrança
de outra tarde, azul,
em que o amor
se fez em nós
como a luz, um dia,
se fez nas trevas.

E foi então mais clara
a estrela, o perfume
do jasmim mais próximo,
menos
picantes os espinhos.

Agora,
ao evocá-la, creio
que fui testemunha
de um milagre.

(Trad. A.M.)

.

22.9.17

Ana Salomé (Ode ao castigo)





ODE AO CASTIGO



Só mais uma menina entre outras
E o quadro negro onde escrever o teu nome a giz
Como um erro ortográfico do coração.

Castigo.
Entre nós o alto muro do recreio
E a obrigação de permanecer só.


Ana Salomé



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21.9.17

Mario Benedetti (Angelus)





ANGELUS



Quién me iba a decir que el destino era esto.

Ver la lluvia a través de letras invertidas,
un paredón con manchas que parecen pronombres,
el techo de los ómnibus brillantes como peces
y esa melancolía que impregna las bocinas.

Aquí no hay cielo,
aquí no hay horizonte.

Hay una mesa grande para todos los brazos
y una silla que gira cuando quiero escaparme.
Otro día se acaba y el destino era eso.

Es raro que uno tenga tiempo de verse triste:
siempre suena una orden, un teléfono, un timbre,
y, claro, está prohibido llorar sobre los libros
porque no queda bien que la tinta se corra.


Mario Benedetti





Quem me diria que o destino era isto.

Ver a chuva através de letras invertidas,
um paredão com manchas que parecem pronomes,
o tecto dos ónibus brilhantes como peixes
e essa melancolia que impregna os apitos.

Aqui não há céu,
não há horizonte.

Há uma mesa grande para todos os braços
e uma cadeira que gira quando eu me quero escapar.
Mais um dia se acaba e o destino era isto.

É raro ter-se tempo para estar triste,
há sempre uma ordem, um telefone, uma campainha,
e, claro, é proibido chorar sobre os livros,
porque não fica bem a tinta escorrer.


(Trad. A.M.)

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20.9.17

César Cantoni (O tempo irreparável)





EL TIEMPO IRREPARABLE       


      

Quién iba, entonces, a pensarlo.
Lo cierto es que mi padre está muerto
como si nunca hubiese estado vivo.
Un día se le helaron las manos y los pies,
y la casa se llenó de parientes,
y mi madre lloró, de rodillas, junto al lecho.
Todavía lo recuerdo.


Mi padre está muerto o ya no está,
y no es suficiente ahora saber que fue feliz.
En este callado amanecer de otoño,
mientras el agua burbujea en la pava,
y la radio reporta las últimas catástrofes,
y yo cumplo con el rito habitual de afeitarme,
sólo una cosa es real: su ausencia, que no cesa.


César Cantoni




Quem é que ia pensá-lo, nesse tempo.
O certo é que meu pai está morto,
assim como se nunca tivesse estado vivo.
Um dia gelaram-lhe as mãos e os pés,
e a casa encheu-se de parentes,
e minha mãe chorou, ajoelhada, junto ao leito.
Ainda me lembra.

Meu pai está morto, ou já cá não está mais,
e não basta agora saber que foi feliz.
Neste calado amanhecer de Outono,
enquanto a água borbulha na chaleira,
e a rádio dá as últimas catástrofes,
 eu cumpro o rito usual de barbear,
uma só coisa é real: a sua ausência, que não cessa.


(Trad. A.M.)




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19.9.17

A.M.Pires Cabral (Erosão)





EROSÃO



Montes arredondados, de tão velhos,
que já destes pão e hoje dais cardos,

dizei qual erosão mais vos magoa:
se a que vos vem do alto
no uivo dos ventos e nas cordas de chuva

- se a do desuso agrário.



A.M.PIRES CABRAL
Gaveta do Fundo
(2013)

.

18.9.17

Mariano Crespo (Proibido e nublado)





PROHIBIDO Y NUBLADO



Si pensáramos los días impares.
Si amáramos los días de sol.
Si fuéramos invisibles los jueves.
Si estuviera prohibido morirse con lluvia.

Todo sería tan previsible y tan imprevisto
como el temblor de tu sexo
para mi sismógrafo.

Y añado: alguien te comería
a besos, como yo pretendo ahora,
aunque esté prohibido y nublado.

No estamos hechos, amor mío,
para lo que con nosotros están haciendo.

Mariano Crespo Martínez





Se pensássemos nos dias ímpares,
se amássemos nos dias de sol,
se fôssemos invisíveis às quintas,
se fosse proibido morrer com chuva.

Tudo seria tão previsível e tão imprevisto
como o tremor do teu sexo
para o meu sismógrafo.

E acrescento, alguém te comeria
com beijos, como eu agora pretendo,
apesar de proibido e haver nuvens.

Não somos feitos, amor meu,
para o que estão a fazer connosco.

(Trad. A.M.)


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17.9.17

María Sanz (Vento)





  AIRE  



A pesar de que el mar y la tristeza
no acaban de llevarse el día, sueño
con otra orilla prístina, lejana,
donde las aguas mecen partituras.
Una suite para olas,
olas de Bach,
que vienen y se alejan,
y vienen otra vez, constancia mística
junto a lo que no acaban de llevarse,
oh música azulada,
el mar y la tristeza.


María Sanz






Nunca mais acabam de levar o dia,
o mar e a tristeza, mas eu sonho
com outra beira pristina, longínqua,
onde as águas embalam partituras.
Uma suite para ondas,
ondas de Bach,
que vêm e se afastam,
e vêm de novo, constância mística
do que nunca mais acabam de levar,
ó música azulada,
o mar e a tristeza.



(Trad. A.M.)

.

16.9.17

Mário de Carvalho (Hospital)





Tiraram-lhe finalmente o gesso na consulta em Lisboa, e um médico mal-encarado fez-lhe doer, rabiscou uma receita enfadada e ordenou-lhe, ríspido, que voltasse ao hospital daí a um mês.

Gustavo quis saber se ficaria a coxear; "logo se veria".

Esperara horas pela consulta, a ver desfilar uma mostra das misérias de Lisboa, entre ruidosas famílias ciganas, velhotas lisboetas que parlapiavam compulsivamente e jovens de olhar esquivo que premiam teclas de telemóvel, num alvoroço de ruídos electrónicos.


Marta ficara de recolhê-lo mais tarde, à porta do hospital, e acabar por vir fazer-lhe companhia na sala apinhada, com aspecto de apeadeiro de autocarros, de assentos de plástico vermelho costas-contra-costas, dominada por um televisor numa peanha de plástico, saturado de cores, sempre ligado no canal de televisão mais rasteiro.


MÁRIO DE CARVALHO
A Sala Magenta-X
(2008)

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15.9.17

María Laura Decésare (Puro-sangue)





PURASANGRE



Como un caballo de carga
que debe ir hacia delante
sin descanso, sin parar,
así me siento hoy.
Con el peso sobre el lomo
es imposible rebelarse
pero el amo exige más.
Escucho el sonido del viento,
me dice al oído: libertad.

María Laura Decésare




Como um cavalo de carga
que tem de ir sempre em frente
sem parar, sem descanso,
assim hoje me sinto.
Com o peso no lombo
impossível rebelar-se
mas o dono exige mais.
E eu escuto o som do vento,
a dizer-me no ouvido: liberdade.


(Trad. A.M.)

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14.9.17

María Belén Aguirre (Lapsus)





LAPSUS



Antes de caer en completa senilidad
él me dijo:

Francesa:
Llevame a pasear a la plaza Independencia.
Quiero mostrarte el lugar
donde fue la redada.

Sentados en un banco
señaló:

Ahí, donde están las palomas.

Luego ordenó:

Anotá

Ave
Pico
Jaula

Hacé algo con eso.

Escribí:

Ave
usa tu pico
para romper la jaula
y huye.

Pero él había retrocedido varios años.

María Belén Aguirre




Antes de ficar totalmente senil,
ele disse para mim:

Francesa,
leva-me à Praça da Independência, a passear,
quero mostrar-te o lugar
onde foi a rusga.

Sentados num banco
apontou:

Ali, onde estão as pombas.

Depois ordenou:

Aponta

Ave
Bico
Jaula

Faz alguma coisa com isso.

E eu escrevi:

Ave
usa o teu bico
para partir a jaula
e foge.

Mas ele tinha já retrocedido vários anos.


(Trad. A.M.)

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13.9.17

Alberto Pimenta (A lixeira cultural)





A LIXEIRA CULTURAL



Contribuo
com o que posso
para
a lixeira cultural

não é muito. eu sei
outros dão muito mais
eu não passo de um amador
enfim

o importante
é cada um dar o seu melhor
como dizem os irresponsáveis.


Alberto Pimenta

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12.9.17

Marcelo Daniel Díaz (Gostas que seja assim?)





¿Te gusta que sea así? ¿O ya no importa?
En el mapa de los sueños
no existe el amor propio
sino un sentimiento
balanceándose
como hojas cerca del fuego.
¿Nos vamos a incendiar
entre fogatas imaginarias
notas agudas
y los irreversibles
modos de la luz?
¿Dónde guardaste el resplandor
del relámpago?
¿Querías tapar una estrella
pero la estrella sigue allí?
¿Querías un atajo
para la oscuridad?
Sin embargo ésta es tu estrella
la rama luminosa
con la que escribimos
nuestros nombres
apagándose, lento, así.


 Marcelo Diaz





Gostas que seja assim? Ou não importa já?
Não existe o amor próprio
no mapa dos sonhos,
mas um sentimento
balançando como folhas
ao pé da fogueira.
Vamos incendiar-nos
no meio de labaredas imaginárias,
de notas agudas e
dos irreversíveis modos de luz?
Onde guardaste tu o resplendor
do relâmpago?
Querias tapar uma estrela
mas a estrela está lá ainda?
Era um atalho que querias
para a escuridão?
Mas esta é a tua estrela,
o ramo luminoso
com que escrevemos
nossos nomes,
a apagar-se, devagar, assim.


(Trad. A.M.)


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11.9.17

Manuel Moya (Helmintia)





HELMINTIA



Cuando llegues procura no olvidar
de dónde vienes,
a quién debes tu viaje
y a qué causa lo dedicas.
Si decides quedarte, quédate
y si partir, ahí tienes la nave.
Ahora bien, cualquiera que sea tu decisión,
el resto de tus días te sabrás equivocado
y a la vista de esos muros
tentados por el óxido,
gustarás envanecerte en el Dorado
que dejaste tantas veces escapar.
Por eso, cuando llegues
a la isla procura responder
a qué timón te debes, qué viento te empuja,
por qué, por qué viniste,
acaso así te atrevas a salvar
esa distancia entre fracaso y dignidad,
entre el águila y la presa.


MANUEL MOYA
 Interior con islas
(2006)




Quando chegares não te esqueça
donde vens,
a quem deves a viagem
e a que causa a dedicas.
Se decidires ficar, fica,
e se partires, aí tens a nave.
Ora bem, seja qual for a decisão,
lamentarás o erro pelo resto dos teus dias
e à vista desses muros
tentados pelo óxido,
provarás a vaidade no Eldorado
que tanta vez te escapou.
Por isso, quando aportares
à ilha procura responder
a que timão te deves, que vento te empurra,
porquê, porque é que vieste,
talvez assim te atrevas a salvar
a distância entre fracasso e dignidade,
entre a águia e a sua presa.


(Trad. A.M.)

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10.9.17

Sophia de Mello Breyner Andresen (Poema de Helena Lanari)





POEMA DE HELENA LANARI



Gosto de ouvir o português do Brasil 
Onde as palavras recuperam sua substância total 
Concretas como frutos nítidas como pássaros 
Gosto de ouvir a palavra com suas sílabas todas
Sem perder sequer um quinto de vogal 

Quando Helena Lanari dizia o "coqueiro "
O coqueiro ficava muito mais vegetal.


Sophia de Mello Breyner Andresen


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9.9.17

Luis Rosales (E escrever na água teu silêncio)





Y ESCRIBIR TU SILENCIO SOBRE EL AGUA  



No sé si es sombra en el cristal, si es sólo
calor que empaña un brillo; nadie sabe
si es de vuelo este pájaro o de llanto;
nadie le oprime con su mano, nunca
le he sentido latir, y está cayendo
como sombra de lluvia, dentro y dulce,
del bosque de la sangre, hasta dejarla
casi acuñada y vegetal, tranquila.
No sé, siempre es así, tu voz me llega
como el aire de Marzo en un espejo,
como el paso que mueve una cortina
detrás de la mirada; ya me siento
oscuro y casi andado; no sé cómo
voy a llegar, buscándote, hasta el centro
de nuestro corazón, y allí decirte,
madre, que yo he de hacer en tanto viva,
que no te quedes huérfana de hijo,
que no te quedes sola allá en tu cielo,
que no te falte yo como me faltas.
           

Luis Rosales





É talvez a sombra no vidro, ou então
uma mancha de embaciado; ninguém sabe
se é de voo este pássaro ou de pranto;
ninguém o aperta com a mão, nem
o sentiu latejar, e aí está ele caindo
como sombra de chuva, dentro e doce,
do bosque do sangue, até o deixar
dormido e vegetal, tranquilo.
Não sei, é sempre assim, a tua voz chega-me
como o passo que faz mover a cortina
por trás do olhar; e eu fico a sentir-me
escuro e quase alheado; não sei como
atingirei, buscando-te, o centro
do nosso coração, para ali te dizer,
mãe, que hei-de fazer com que
não fiques órfã de teu filho,
que não fiques sozinha lá no teu céu,
que eu não te falte como tu a mim me faltas.


(Trad. A.M.)

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8.9.17

Luis García Montero (Há aviões que descolam)





HAY AVIONES QUE DESPEGAN DESDE NINGÚN LUGAR 
Y QUE ATERRIZAN EN NINGUNA PARTE



Nadie puede bañarse en lágrimas dos veces
en el mismo aeropuerto.

En la bandeja pongo 
el reloj, la cartera, el teléfono móvil
y el cinturón. De golpe
las ordenanzas de seguridad
ayudan a entender la despedida.

Y nada es decisivo,
nada quiere importarme,
ni el fracaso del lunes, ni el misterio del sábado
con sus torpes vestidos melancólicos,
ni el sol de las agendas perdidas en la nieve.
Todo da igual, insisto,
respeten mi insistencia.

No es grave la aduana.
El reloj que me piden y devuelvo
ha sabido esperar en todas las esquinas 
de la ciudad, en los amaneceres
cuando fue necesario levantarse,
y en el último tren,
y en los bares cerrados.

La cartera que entrego no guarda documentos
sino un barrio con álamos y niños escondidos,
la luz en los cristales de un balcón
y las primeras cartas mojadas por la lluvia,
ese agua de ayer que no deshace
letras ni direcciones en los sobres.
No es grave la memoria.

Tampoco se han quejado
los números borrosos del teléfono,
porque detrás no existe un restaurante,
un puesto de trabajo, un domicilio.
Ya no cuentan los mapas navegables
en los días de siempre,
y las voces que quedan van conmigo.

No es grave el cinturón. Estoy desnudo, 
respeten mi desnudo sin espejo,
y sin manos de nadie,
y sin besos primero al abrir los botones,
y sin piel conocida al lado de mi piel.
Tan sólo dos colmillos sobre mi identidad,
dos heridas pequeñas en el cuello.

La luna me interroga,
¿quién soy yo?,
perdonen mi insistencia,
y no sé contestarle.

Nadie puede bañarse en lágrimas dos veces
en el mismo aeropuerto,
porque siempre hay aviones que despegan
desde ningún lugar
y que aterrizan en ninguna parte.


Luis García Montero





Ninguém pode banhar-se em lágrimas duas vezes
no mesmo aeroporto.

Ponho na bandeja o relógio,
a carteira, o telemóvel e o cinto. De súbito,
as normas de segurança ajudam a perceber a despedida.

E nada é decisivo,
nada me quer importar,
nem o fracasso de segunda, nem o mistério de sábado
com seus atafais melancólicos,
nem o sol das agendas perdidas na neve.
É tudo igual, insisto,
por favor respeitem a minha insistência.

Não é grave a alfândega.
O relógio que me pedem
soube esperar nas esquinas da cidade,
de manhã ao levantar,
no último comboio,
nos bares encerrados.

A carteira que entrego não tem documentos,
mas um bairro com álamos e meninos escondidos,
a luz nos vidros de uma janela
e as primeiras cartas molhadas da chuva,
essa água de ontem que não apaga
letras nos envelopes, nem endereços.
Não é grave a memória.

Também não se queixam
os números errados do telefone,
posto que não existe por detrás um restaurante,
um posto de trabalho, um domicílio.
Nem contam sequer os mapas navegáveis nos dias comuns,
que as vozes que restam partem comigo.

Não é grave o cinto. Estou desnudo,
respeitem minha nudez sem espelho,
sem mãos de ninguém,
sem beijos antes ao desapertar os botões,
sem pele conhecida roçando minha pele.
Tão só dois caninos sobre a minha identidade,
duas feridas pequenas no pescoço.

A lua questiona-me.
quem sou eu?,
perdoem-me a insistência,
e eu não sei responder.

Ninguém pode banhar-se em lágrimas
duas vezes no mesmo aeroporto,
porque há sempre aviões a descolar de lado nenhum
e a aterrar em nenhum lado.


(Trad. A.M.)


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7.9.17

José Agostinho Baptista (Silêncio)






SILÊNCIO



Uma noite,
quando o mundo já era muito triste,
veio um pássaro da chuva e entrou
no meu peito,
e aí, como um queixume,
ouviu-se esta voz de dor que já era a tua
voz,
como um metal fino,
uma lâmina no coração dos pássaros.
Agora,
nem o vento move as cortinas desta casa.
O silêncio é como uma pedra imensa,
encostada à garganta.


José Agostinho Baptista


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