20.12.16

David Mourão-Ferreira (Testamento primeiro)





TESTAMENTO PRIMEIRO



Que fique só da minha vida
um monumento de palavras
Mas não de prata  Nem de cinza
E nem de lava  Antes de nada
Daquele nada que só se aviva
quando se arrisca uma viagem
por entre os pântanos da ira
além do sol das barricadas
Ou quando um poço que cintila
parece o tecto de uma sala
Ou quando importa que se extinga
dentro de nós a inexacta
irradiação que vem das criptas
em que o azul nos sobressalta
em que à penumbra se diria
que se acrescenta o som das harpas
Ou quando a terra não expira
senão segredos feitos de água
Ou quando a morte nos avisa
Ou quando a vida nos agarra
   (...)


David Mourão-Ferreira

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