TALVEZ DE NOITE (1)
À minha volta tudo envelheceu
como se fosse eu, e no entanto
uma casa, ou um espaço em branco
entre as palavras, ou uma possibilidade de sentido.
Pois nada
surge com a sua própria forma.
Digo "casa", mas refiro-me a luas e umbrais,
a lembranças extenuadas,
às trevas do corpo, lúcidas,
latejando na obscuridade de quartos interiores.
E digo "palavras" porque
não sei que coisa chamar
à mudez do mundo.
E digo "sentido" sufocado
sob o pensamento
tentando respirar
a golpes de coração,
agora que se desmorona a casa
sobre todas as palavras possíveis.
Manuel António Pina
[
Luz & sombra]
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