Estes três meses e meio com a Marta desabituaram-me de viver sozinho.
E hoje, no segundo dia da rejeição, ando dum lado para o outro na casa sem saber porquê ou para quê.
Talvez para sacudir o estigma da rejeição e o sentimento de fracasso pessoal, ando à procura de qualquer coisa para fazer, mas nada me apetece.
Uma sensação de vazio toma conta de mim.
As minhas ocupações habituais não me dão satisfação nem me prendem.
Ponho música a tocar, mas ao fim de um bocado percebo que só de forma intermitente estou a ouvir e mesmo assim com um esforço grande de atenção.
A música não me move, é-me indiferente e, tal como os objectos à minha volta, parece-me absurda e pergunto-me: o que é que isto tem a ver comigo?
Não é a primeira vez que sou abandonado e fico sozinho.
O sentimento de humilhação é o mesmo, mas tudo o resto desta vez me parece mais profundo e doloroso.
É porque estou mais velho? (p. 385)
PAULO CASTILHO
O Sonho Português
(2015)
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