21.2.16

Alfredo Buxán (Estar aqui)





ESTAR AQUI



Aqui sentado, de madrugada, quando a multidão
dorme ainda alheia ao ruído, felizmente esquecida
de qualquer ameaça, eu escrevo em paz
sem outro anelo que sentir o pulso da vida.
A luz entra a espreguiçar-se, humilde, menina quase,
pela janela e é milagre bastante recebê-la
com gratidão, apreciar-lhe a tímida beleza,
ter consciência de que existe por si mesma,
abrir-lhe a alma e integrá-la no sonho
como um acorde necessário a completar
lá dentro a melodia do coração,
que bate indefinida e frágil como a asa
de um insecto atraído ao engano
de uma gota de mel na varanda.
Talvez outro consolo não traga o dia
senão a pura existência dessa luz
que nada nos exige, distraídos
da vida, descarrilados de nós mesmos,
nada senão o gesto hospitaleiro de aceitar-lhe
a visita de bom grado e oferecer-lhe, com o café,
um olhar limpo, o vaso do açúcar,
o silêncio tranquilo da casa
ou o bulício inocente, imperceptível quase,
da alma a amanhecer com este dia.


ALFREDO BUXÁN
La transparencia
Cadernos de Néboa-3
(2012)

(Trad. A.M.)

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