É que tudo, até as coisas, num dado momento, foram para mim seres de uma vida extraordinária; um ser esplêndido, o rio, a que me entrego dentro de quatro tábuas; o cabedelo cheio de mistério, onde ponho os pés com terror; o largo, o profundo mar, que me levou alguns dos meus, constante preocupação desta gente, e que de quando em quando os mata à minha vista.
As figuras em sonhos tornam-se a debruçar para mim, estendendo-me outra vez as mãos...
E é sonhando também que me recordo de certas coisas sem importância: do jeito que era preciso dar às portas manhosas, para as poder abrir, de uma expressão de que me separam léguas de esquecimento, de pequenos nadas que duram um segundo, um olhar ou um sorriso molhado de ternura.
Acontece que às vezes acordo tendo diante de mim intacto um rosto consumido pela terra...
Os meus mortos estão cada vez mais vivos.
- Raul Brandão,
Os Pescadores.
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