Quando alguém morria, forravam a casa de panos pretos.
O local onde estava a pessoa morta.
Nesse tempo inclemente, os mortos ficavam em casa.
Era impressionante.
Para a criança receosa e ponderada que eu era, ver essas casas exíguas tapeçadas de negro, as carpideiras também de negro, com caras engelhadas como batatas velhas, gritando desarrazoadamente como suínas gordas diante de facalhão, o morto que cheirava mal, a viúva caída num buraco de tristeza, os familiares pegados ao luto como moscas coladas à fita adesiva, a tétrica carreta brilhantemente vencedora diante da porta estreita, tudo isto constituía um espectáculo gratuito que me causava uma impressão duradoira.
- MANUEL DA SILVA RAMOS,
Pai, levanta-te, vem fazer-me um fato de canela!, 2013 (O teatro da morte).
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